Parece que Cristo suportou todos os sofrimentos:
1. Com efeito, diz Hilário: “O Unigénito de Deus, para completar o sacramento de sua morte, atesta ter recapitulado em si todo tipo de sofrimento humano, quando, ao inclinar a cabeça, entregou o espírito”. Portanto, parece ter suportado todos os sofrimentos humanos.
2. Além disso, diz Isaías: “Eis que meu servo crescerá, ele será exaltado, elevado, enaltecido grandemente. Da mesma forma que as multidões ficaram horrorizadas a seu respeito, assim sua aparência estava desfigurada entre os homens e sua beleza entre os filhos dos homens” (52, 13-14). Ora, Cristo é exaltado por ter toda graça e toda ciência; por isso, as multidões, pasmadas, ficaram horrorizadas a respeito dele. Logo, parece que foi desfigurado ao suportar todos os sofrimentos humanos.
3. Ademais, a paixão de Cristo foi predisposta para libertar o homem do pecado. Ora, Cristo veio libertar os homens de todo género de pecado. Logo, devia sofrer todo género de sofrimento.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Evangelho de João: “Os soldados vieram, portanto, e quebraram as pernas do primeiro e a seguir do segundo dos que foram crucificados com ele. Chegando a Jesus, não lhe quebraram as pernas” (19, 32-33). Portanto, não suportou todos os sofrimentos humanos.
Primeiro, por parte dos homens. Sofreu por parte dos gentios e dos judeus; dos homens e das mulheres, como, por exemplo, das criadas que acusavam Pedro. Sofreu também por parte das autoridades, de seus ministros e do povo, conforme o que diz o Salmo 2: “Por que se agitaram e meditaram coisas vãs? Os reis da terra insurgem-se, e os príncipes se uniram contra o Senhor e contra seu Cristo” (1-2). Sofreu também por parte dos amigos e conhecidos, como, por exemplo, de Judas, que o traiu e de Pedro, que o negou.
Segundo, o mesmo se diga por parte dos sofrimentos por que o homem pode passar. Com efeito, sofreu Cristo em seus amigos, que o abandonaram; no nome, pelas blasfémias ditas contra ele; na reputação e na honra, pelo deboche e injúrias a ele dirigidas; nos pertences, pois até das vestes foi privado; na alma, pela tristeza, tédio e medo; no corpo, pelos ferimentos e açoites.
Terceiro, quanto aos membros do corpo. Pois suportou uma coroa de pungentes espinhos na cabeça; nas mãos e nos pés, a perfuração dos pregos; no rosto, tapas e cuspo; e no corpo todo, açoites. Também sofreu em todos os sentidos corporais: no tacto, por ser flagelado e perfurado com pregos; no paladar, por ser dessedentado com fel e vinagre; no olfacto, por ser posto num patíbulo em lugar fétido pelos cadáveres dos que ali eram mortos, chamado calvário; na audição, insultado pela gritaria dos que blasfemavam e riam dele; na visão, por presenciar as lágrimas de sua mãe e do discípulo que ele amava.
Suma Teológica III, 46, 5.
Quanto às objecções iniciais, portanto:
1. Deve-se dizer que as palavras de Hilário devem ser entendidas a respeito de todos os géneros de sofrimento, mas não quanto a todas as espécies.
2. A semelhança se verifica não quanto ao número dos sofrimentos e das graças, mas quanto à grandeza de ambos, pois como se elevou sobre os demais nos dons da graça, foi lançado abaixo deles pela ignomínia da paixão.
3. Em termos de suficiência, o menor sofrimento de Cristo bastava para redimir o género humano de todos os pecados. Mas segundo a conveniência, o suficiente era suportar todo gênero de sofrimento, como já se disse.
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