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14/06/2011

Sobre a família 82

O julgamento das crianças

Li há não muito tempo um comentário interessante sobre a história do Capuchinho Vermelho. Dizia que as crianças de agora reagem de forma diferente quando escutam a narração daquele velho conto, ou quando o presenciam no teatro de marionetas.
As crianças de hoje pensam que a família do Capuchinho Vermelho não era nada exemplar. Uma mãe que tem a sua, com tantos anos, vivendo a muitas léguas de sua casa é, para começar, uma mulher pouco carinhosa. Uma mãe que permite que a sua filha, neste caso Capuchinho, se adentre sozinha no bosque para levar à avozinha abandonada uma cesta com um surtido de produtos caseiros, é uma mãe egoísta e pouco responsável. Se tivesse algo mais de sentido comum, teria acompanhado a sua filha em tão longa e arriscada travessia. O lobo feroz faz o que tem a fazer. Recebe a informação, adianta-se a Capuchinho, come a avó que vive sozinha porque a sua filha não a quer ter em casa, veste-se com o camisolão da avó, ajusta a sua touca de rede na cabeça e mete-se na cama à espera dessa tonta que lhe deu todas as pistas. E chega Capuchinho e não reconhece a sua avó, e acredita que o lobo é a avozinha, o que demonstra o tonta que era a menina e o pouco que visitava a sua avozinha. E o lobo come-a, porque o mereceu. Por isso, quando o lobo se atira a Capuchinho, as crianças de hoje aplaudem ardentemente, até ao ponto em que os guiões costumam eliminar do conto a figura do caçador que salva a ambas, porque não seria nada popular.
Vê-se que as crianças de agora têm pouca ternura ou moral, e esperam sobretudo coerência e sensatez. As crianças de hoje não perdoam sem mais à mãe de Capuchinho o mal que se portava com a avó, porque a uma mãe não se tem doente e sozinha no bosque. E tampouco perdoam o despiste de Capuchinho, incapaz de distinguir entre uma avó e um lobo metido na cama com o camisolão e touca rendada da avó.
Toda a criança á em principio um pouco psicóloga, que julga os seus pais, e, em geral, a todos os adultos. Estuda-os e prova sem cessar, e rapidamente determina quais são os limites do seu poder e da sua liberdade. Usa para tal todas as suas pequenas armas, principalmente as lágrimas ou os amuos. Uma criatura de seis meses, por exemplo, já sabe ler no rosto do seu pai ou da sua mãe para discernir o que deve ou não fazer, a sua aprovação ou sua desaprovação. E quanto mais se mima a criança, mais indefesa se a deixa, como fazia aquela mulher que deixava a sua mãe no meio do bosque e enviava a sua filha sozinha a visitá-la.
Com o passar do tempo, os filhos julgarão com dureza o abandono que supõe tê-los mimado, esse ter-lhes poupado qualquer sacrifício, tantas oportunidades de robustecer a sua vontade. Por isso é tão importante não confundir o que é objecto do nosso carinho com o que pode ser a nossa perdição. Os pais que por amor cego, por comodidade ou por ingenuidade procuraram satisfazer sempre os caprichos dos filhos, logo se encontram como quem não pode com o cavalo que não foi domado quando era potro. E o pior é que então os filhos já têm idade para advertir o dano que os seus pais lhes fizeram com tanta condescendência.
Por fortuna, também têm idade então para valorizar que se os tenha educado no esforço e na exigência pessoal, e agradecem-no aos seus pais como um grande tesouro que lhes deixaram.

alfonso aguiló, conoce, 2011.04.19, trad ama

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