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23/06/2011

A Mãe de Deus foi virgem ao conceber Cristo?

Parece que a oração não deve ser vocal:

1. Com efeito, a oração dirige-se principalmente a Deus. Ora, ele conhece as palavras do coração. Logo, é inútil empregar a oração vocal.
2. Além disso, a alma do homem deve elevar-se a Deus. Ora, as palavras impedem o homem de elevar-se à contemplação de Deus, como também as demais coisas sensíveis. Logo, não se devem usar palavras na oração.
3. Ademais, a oração deverá ser feita a Deus ocultamente, segundo o Evangelho de Mateus: “Quando orares, entra no teu aposento, fecha a porta, e ora ao teu Pai em oculto(6, 6). Ora, pela palavra a oração se torna conhecida. Logo, a oração não deve ser vocal.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Salmista: “Pela minha palavra clamei ao Senhor, pela minha palavra supliquei ao Senhor(Sl 141, 2).


É absolutamente necessário confessar que a mãe de Cristo concebeu virgem. O contrário é a heresia dos ebionitas e de Cerinto, que julgavam Cristo um homem ordinário e pensavam ter ele nascido da união dos sexos. Quatro são as razões que mostram a conveniência da concepção virginal de Cristo.
Primeiro, para salvaguardar a dignidade do Pai que o envia. Pois dado que Cristo é verdadeiro Filho de Deus por natureza, não convinha que tivesse outro Pai fora de Deus, para não transferir a outrem a dignidade de Deus.
Segundo, isso convinha ao que é próprio do Filho enviado. Pois ele é o Verbo de Deus. Ora, o Verbo é concebido sem nenhuma corrupção do coração; mais ainda, a corrupção do coração é incompatível com a concepção de um verbo perfeito. Dado, pois, que a carne foi assumida pelo Verbo de Deus para ser carne do Verbo de Deus, convinha também que ela mesma fosse concebida sem a corrupção da mãe.
Terceiro, isso convinha à dignidade da humanidade de Cristo, na qual não podia haver lugar para o pecado, pois por ela seria tirado o pecado do mundo, como diz o Evangelho de João: “Eis o Cordeiro de Deus”, ou seja, o inocente, “que tira o pecado do mundo(1, 29). Mas, numa natureza já corrompida pela união do homem e da mulher, a carne não poderia nascer sem a contaminação do pecado original. Por isso afirma Agostinho: “Só não houve aí, a saber, no matrimónio de Maria e José, a relação conjugal, porque não poderia dar-se tal relação na carne de pecado sem a concupiscência da carne, que provém do pecado, e sem a qual quis ser concebido aquele que não deveria ter pecado”.
O ato conjugal não é “corrompido”, e apesar de certas concessões a uma linguagem agostiniana, S. Tomás não pensa nem ensina que a transmissão do pecado original proviria do que a sexualidade teria de desordenado, mas só do fato de que ela transmite a natureza “corrompida” (o que significa: privada da graça original). Ele não diz tampouco que, se Jesus tivesse nascido de uma união conjugal teria necessariamente contraído o pecado original, coisa que a união hipostática torna impensável. Independente da maneira como Cristo foi concebido, a “carne” que ele faz sua está toda ela e desde sua origem mais profunda submetida ao espírito, a Deus.
Quarto, pela finalidade mesma da encarnação de Cristo, que se destinava a fazer renascer os homens como filhos de Deus, “não pela vontade da carne, nem pela vontade do varão, mas de Deus(Jo 1, 13), isto é, pelo poder de Deus. O modelo deste renascimento tinha de manifestar-se na própria concepção de Cristo. Por isso escreve Agostinho: “Era necessário que a nossa cabeça nascesse, segundo a carne, de uma virgem, por um milagre extraordinário, para significar que seus membros deveriam nascer, segundo o espírito, da virgem que é a Igreja”.

Suma Teológica, ST III, 28, 1

Quanto às objecções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Segundo Beda: “José era chamado pai do Salvador, não porque o fosse verdadeiramente, como afirmam os focinianos, mas foi como tal considerado pelos homens para salvaguardar a reputação de Maria”. É por isso que diz o Evangelho de Lucas: “E, segundo se pensava, filho de José(3, 23).
Ou, como diz Agostinho, José é chamado pai de Cristo da mesma maneira que “é tido por esposo de Maria, sem comércio carnal, mas pelo vínculo do matrimónio; e assim esteve unido muito mais estreitamente a Cristo do que se o tivesse adoptado de outra forma. E o fato de não o ter gerado por meio da união carnal não era motivo para deixar de chamá-lo pai de Cristo, pois também seria pai de alguém que tivesse sido adoptado, mesmo que não tivesse sido gerado pela sua esposa”.
2. Segundo Jerónimo: “Mesmo que José não fosse o pai de Senhor e Salvador, a genealogia de Jesus se prolonga até José porque, em primeiro lugar, as Escrituras não costumam estabelecer uma genealogia seguindo a ordem das mulheres. E, em segundo lugar, porque Maria e José eram da mesma tribo, e por isso era obrigado pela lei a tomá-la por esposa”. E, como diz Agostinho: “era preciso prolongar a série das gerações até José para que não se fizesse afronta, neste matrimónio, ao sexo masculino que é superior; dessa forma em nada sofria a verdade, uma vez que José e Maria eram da linhagem de David’.
3. Como afirma a Glosa, na passagem referida: “Utilizou a palavra mulher em vez de fêmea, seguindo a maneira de falar dos hebreus. A palavra mulher, no uso dos hebreus, não designa aquelas que perderam sua virgindade, mas se refere ao sexo feminino em geral”.
4. Este argumento é válido para os que vêm à existência por vias naturais. Pois assim como a natureza está determinada a produzir um só efeito, assim também está determinada a produzi-lo de uma única maneira. Mas o poder sobrenatural de Deus, sendo infinito, não está determinado a produzir um único efeito, nem a produzi-lo de uma maneira determinada. Por isso, da mesma forma que o poder de Deus pôde formar o primeiro homem do pó da terra, assim também pôde formar o corpo de Cristo de uma virgem sem a intervenção do homem.
5. Segundo o Filósofo, no livro da Geração dos Animais, o sémen do macho não desempenha o papel da matéria na concepção do animal, mas age só como princípio activo. Só a fêmea fornece a matéria na concepção. Daí que, pelo fato de ter faltado o sêmen do macho na concepção do corpo de Cristo, não se segue que lhe faltasse a matéria devida.
Mas, mesmo na hipótese de que, nos animais, o sémen do macho fosse a matéria do feto concebido, é evidente que não se trata de uma matéria que permaneça sob a mesma forma, mas de uma matéria transformada. E, embora o poder natural só possa transformar uma certa matéria em determinada forma, o poder de Deus, que é infinito, pode transformar qualquer matéria em qualquer forma. E assim como transformou o pó da terra no corpo de Adão, assim também pôde transformar no corpo de Cristo a matéria proporcionada pela mãe, ainda que não fosse matéria suficiente para uma concepção natural.


São Tomás d’Aquino – Suma Teológica, Santíssima Virgem

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