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15/06/2011

Doutrina, Filosofia, Teologia: A Anunciação à Bem-aventurada Virgem devia ser feita por um anjo?

Parece que a anunciação à Bem-aventurada Virgem não deveria ser feita por um anjo:

1. Com efeito, segundo Dionísio, a revelação é feita aos anjos superiores por Deus. Ora, a Mãe de Deus foi exaltada acima de todos os anjos. Logo, parece que o mistério da encarnação deveria ser-lhe anunciado imediatamente por Deus e não por um anjo.
2. Além disso, se era conveniente observar nisto a ordem comum segundo a qual os mistérios de Deus são comunicados aos homens pelos anjos, convinha igualmente observar a ordem segundo a qual os mistérios divinos são propostos às mulheres pelos maridos, como afirma o Apóstolo na primeira Carta aos Coríntios: “As mulheres calem-se nas assembleias; e se elas desejam instruir-se sobre alguma coisa, interroguem ao marido em casa(14, 34-35). Logo, parece que o mistério da encarnação deveria ter sido anunciado à Bem-aventurada Virgem por algum homem; principalmente porque José, seu esposo, fora instruído a esse respeito por um anjo, como se lê no Evangelho de Mateus (1, 20-21).
3. Ademais, ninguém pode anunciar de maneira conveniente aquilo que ignora. Ora, os anjos superiores não tiveram conhecimento pleno do mistério da encarnação; por isso Dionísio afirma que a eles se refere a questão posta por Isaías: “Quem é pois este que vem de Edon?(63, 1). Logo, parece que nenhum anjo teria podido anunciar convenientemente a encarnação.
4. Ademais, as coisas mais importantes devem ser anunciadas por mensageiros mais importantes. Ora, o mistério da encarnação é o maior de todos aqueles que foram anunciados aos homens pelos anjos. Parece, pois, que se tivesse de ser anunciado por algum anjo, deveria ser por algum da ordem mais elevada. Ora, Gabriel não é da ordem mais elevada, mas da ordem dos arcanjos, que é a penúltima; por isso canta a Igreja: “Sabemos que o arcanjo Gabriel te falou da parte de Deus”. Logo, tal anunciação não podia ser feita convenientemente pelo arcanjo Gabriel.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, está o que diz o Evangelho de Lucas: “O anjo Gabriel foi enviado por Deus etc.”.

Por três motivos era conveniente que o mistério da encarnação divina fosse anunciado à Mãe de Deus por um anjo:

Primeiro, para que neste caso fosse observada a ordem estabelecida por Deus segundo a qual os mistérios divinos chegam aos homens por mediação dos anjos. Por isso diz Dionísio: “Os anjos foram os primeiros a ser instruídos sobre o mistério divino do amor benigno de Jesus; depois, por meio deles chegou até nós a graça desse conhecimento. É assim que o divino Gabriel comunicou a Zacarias que um profeta teria nele a sua origem; e a Maria, como se realizaria nela o mistério ‘teárquico’ da inefável formação de Deus”.
Segundo, convinha também à reparação do género humano que haveria de acontecer por Cristo. Por isso afirma Beda: “Foi um bom começo da restauração da humanidade que Deus enviasse um anjo à Virgem que deveria ser consagrada por um parto divino. Pois a primeira causa da perdição humana foi o envio da serpente à mulher, feito pelo diabo, para enganá-la com espírito de soberba”.
Terceiro, porque era conveniente à virgindade da Mãe de Deus. Por isso Jerónimo afirma: “É bom que um anjo seja enviado à Virgem, porque a virgindade sempre esteve aparentada com os anjos. De fato, viver na carne sem estar a ela submetido não é uma vida terrena, mas celestial”.



Suma Teológica III, 30, 2


Quanto às objecções iniciais, portanto, deve-se dizer que:


1. A Mãe de Deus era superior aos anjos no que se refere à dignidade para a qual fora eleita por Deus; mas era inferior aos anjos do ponto de vista do estado da presente vida. Pois o próprio Cristo, por causa da sua vida sujeita ao sofrimento, “tornou-se um pouco inferior aos anjos”, diz a Carta aos Hebreus (2, 9). Ma pelo fato de Cristo ser, ao mesmo tempo, peregrino e possuidor da visão beatífica, não tinha necessidade de ser instruído pelos anjos a respeito do conhecimento dos mistérios divinos. A Mãe de Deus, porém, não tinha atingido ainda o estado dos que possuem a visão beatífica. Por isso necessitava ser instruída pelos anjos a respeito do pensamento de Deus.
2. Como diz Agostinho, é a justo título que a bem-aventurada Virgem Maria constitui uma excepção de algumas leis comuns, pois “aquela que recebeu Cristo, do Espírito Santo, nas suas entranhas virginais, nem multiplicou as suas concepções, nem esteve sob o poder de um varão”, isto é, de um marido. Por isso não devia ser instruída sobre o mistério da encarnação por um homem, mas por um anjo. É também por essa razão que foi instruída antes de José, pois foi instruída antes de conceber, enquanto José depois.
3. O texto citado de Dionísio deixa bem claro que os anjos conheceram o mistério da encarnação; mas, apesar disso, interrogam, desejosos de saber mais perfeitamente do próprio Cristo as razões deste mistério, que superam a compreensão de todo entendimento criado. Por isso afirma Máximo: “Não se pode duvidar que os anjos conheceram a futura encarnação; o que lhes restou velado foi o misterioso pensamento do Senhor, e o modo pelo qual, permanecendo totalmente no Pai que o gerou, podia permanecer integralmente em todas as coisas, como também no seio da Virgem”.
4. Afirmam alguns que Gabriel pertencia à ordem mais elevada dos anjos, sobretudo pelo que diz Gregório: “Era digno que fosse o maior dos anjos aquele que anunciasse o maior de todos os mistérios”. Mas desse texto não se pode concluir que fosse o maior com relação a todas as ordens, mas só com relação aos anjos, já que pertencia à ordem dos arcanjos. Por isso a Igreja o chama arcanjo, e o próprio Gregório afirma: “Denominam-se arcanjos os que anunciam os mais altos mistérios’. É, pois, suficiente pensar que seja o maior na ordem dos arcanjos. E, como diz Gregório, o nome corresponde à sua missão, já que “Gabriel significa ‘força de Deus’; pois era pela força de Deus que devia ser anunciado aquele que, sendo Senhor das potestades e poderoso no combate, vinha para subjugar os poderes espalhados no ar”.



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