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18/05/2011

A cor da forma (Afonso Cabral)

Navegando pela minha cidade
“Em épocas mais bárbaras que a nossa, os dirigentes procuravam abertamente o seu interesse. A nossa época é uma daquelas em que os governantes se sentem mais vivamente estimulados a convencer-se a si próprios e a convencer o povo de que não procuram senão o bem comum. Mas isto não é uma grande diferença: vê-se bem o que é.”[1]

“A maior parte dos reformadores sociais imaginaram que seria suficiente estabelecer boas instituições para que a sociedade realizasse a justiça. Mas os homens corrompidos, corrompem as instituições. Numa sociedade civilizada, ou seja, numa sociedade em que a vida comum está subordinada a condições técnicas complicadas, a virtude dos governantes não basta, são precisas, por outro lado, boas instituições; mas as melhores instituições são ineficazes quando postas em prática por corruptos; e seria fácil encontrar boas instituições se os homens fossem virtuosos.”[2]  

Faço estas citações porque estamos numa semana – talvez única na história deste país – em que todos os partidos concordam em que precisamos de ajuda para nos safarmos da bancarrota, mas nenhum a quer pedir. São verdadeiramente patriotas os nossos partidos de governo!

E porque, entretanto, a nossa vidinha de cada dia de cidadão comum continua, precisei de me deslocar à Rua da Porta do Sol - onde fica o Comando Geral da Policia de Segurança Pública - para apresentar a carta verde comprovando que tenho o carro segurado. Acontece que pedi ao agente de seguros que ma enviasse por correio electrónico e a imprimi. Com ela na carteira dirigi-me ao agente principal da PSP que de imediato me informou: não serve; tem de ser verde. Nem leu o que estava impresso: matrícula do veículo; datas, validade, nº de apólice; companhia de seguro, etc. Só interessava a cor do papel, e essa, não era verde.

Como já conheço o género, nem disse nada; nem tentei explicar que importa e interessa mais o conteúdo do que a forma, etc., etc. Fiquei foi a pensar como é que resolvem o problema com os recibos verdes que já não têm a cor que os define.

Também, a verdade é que estava bem mais interessado no nome daquela rua: da Porta do Sol. Admito que seja por ser exactamente nesse azimute que, visto da Sé, nasce o sol. São ruas que vêm de um tempo em que os homens se orientavam pelas estrelas e sabiam velejar. De um tempo em que havia mistérios e por isso tudo era cósmico e transcendente.

Essa rua vai dar à Rua do Sol e nesse entroncamento ergue-se a Capela de Nossa Senhora de Agosto que em 1940 para lá migrou vinda do Terreiro da Sé. Talvez para ficar mais perto do sol. Por ter sido construída pela Confraria dos Alfaiates em 1554 é conhecida por Capela dos Alfaiates.

É de um tempo em que os conteúdos é que definiam as formas e por isso Miguel Ângelo fez o mármore falar; Galileu centrou o Sol na abóbada celeste e os antepassados daquele agente principal da PSP, guiando-se pelas estrelas, navegaram até ao outro lado do mar e do mundo.

De um tempo em que as profissões tinham mestres; estes tinham confrarias e estas erigiam capelas em honra da Mãe do Sol.


Afonso Cabral


[1] Jacques Leclercq – Diálogo de Deus e do Homem – COLECÇÃO ÉFESO - Editorial Aster Lda. – Lisboa -1965 – pág. 144
[2] Ibid. pág. 145

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