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08/08/2010

A ECONOMIA DOS DEVERES


No número 43 da encíclica «Caritas in Veritate», Bento XVI sublinha uma ideia muito importante: «Os direitos pressupõem deveres, sem os quais o seu exercício se transforma em arbítrio». Talvez nos baste recordar a definição clássica de justiça, que é: «dar o seu a seu dono»; e não «reivindicar o que é meu». Muitas vezes posso renunciar ao que é meu sem faltar à justiça; mas falto sempre à justiça quando não dou aos outros o que é deles. Logo, a justiça é primariamente um dever para com os outros; só secundariamente um direito meu: tenho direito ao trabalho, porque devo trabalhar; o direito à vida, porque devo conservá-la para pagar o que recebi de Deus, da família, da sociedade; o direito a educar os filhos, por serem os pais os primeiros responsáveis pela sua vinda ao mundo; o direito aos livros, para quem deve estudar; etc.
Se reconheço o meu dever para com os outros, logo sei quais os meus direitos. Mas quando parto de mim, dos meus interesses, a lista dos direitos torna-se tão longa e confusa como a dos meus apetites. Como diz o Santo Padre, «os direitos individuais, desvinculados de um quadro de deveres, (…) enlouquecem e alimentam uma espiral de exigências praticamente ilimitada e sem critério» (ibid.). Os deveres aparecem-nos então apenas como simples compensação social dos tais direitos, e levam-nos, naturalmente, a regatear essa «paga» o mais possível, convertendo a moralidade em habilidade legalista. A sociedade começa a «funcionar» ao contrário: em vez da solidariedade, um clima de egoísmo, agressividade e até de corrupção, que conhecemos bem, infelizmente.
Se os direitos individuais procedem dos deveres, os direitos da família, do Estado, das autarquias, das empresas – de todos os «corpos intermédios», afinal - procedem e medem-se por critério idêntico. Muitas das nossas crises se explicam por vivermos para os direitos e não para os deveres. Já me dizia o velho porteiro: - «Éramos catorze filhos, de pais pobres, e nunca passámos fome. É o que eu digo a esta gente: olhem para os passarinhos; cada um a picar para comer… Cada um de nós procurava um serviço qualquer, e havia para todos! Mas esta gente nova fica para aí parada, à espera de subsídios!» Porque a verdade é que, se me dedico a servir as necessidades dos outros, não me falta trabalho; se me dedico a «realizar-me», nunca mais me aparece o trabalho ideal, por mais que o reclame do governo.
Ao esperarmos tudo do Estado, estamos a cavar a nossa própria sepultura. E, de facto, o Estado a que nos habituámos - e que supera muitos absolutismos passados – manda em tudo e muda a seu bel-prazer as próprias regras que estabeleceu, mas continuamos a esperar dele o que os servos da gleba esperavam dos velhos barões, encostando as casas às muralhas protectoras do seu senhor. Um encosto maior por cada crise… e temos a nação subjugada, e o Estado tornado presa de todos os problemas do país.


Pe. Hugo de Azevedo

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