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21/03/2023

Quaresma Semana 3 Segunda F

 


(Re Mt XVIII)

O servo de Zaqueu

 

Há muitos anos que sirvo em casa de Zaqueu. Confesso que não é um trabalho muito agradável e não fora o excelente salário há muito teria procurado outro. Mas… também tenho de reconhecer que me afeiçoei ao meu amo não só porque me trata bem, mas principalmente porque tenho a noção que sou o único amigo – e, às vezes, confidente – que tem.

O meu amo é «chefe dos publicanos» o que não lhe granjeia grandes simpatias junto do povo pelo que tem muito poucos amigos.

Não obstante ser «um homem rico» e possuir uma excelente casa, onde nada falta, e uma mesa farta, vive de facto quase isolado e só.

Claro que eu sei muito bem que todos suspeitam que os meios de fortuna lhe vêm directamente do exercício da sua profissão de cobrador de impostos e não só das “comissões” que os romanos lhe pagam para os cobrar, mas também porque muitas vezes se “aproveita” de algumas situações cobrando mais do que o devido, arrecadando para si esses dinheiros. Talvez, até, os seus colegas lhe entreguem parte do que eles próprios também cobram a mais. Aconteceu, porém, que um dos seus subordinados – um tal conhecido por Mateus – tinha subitamente abandonado a profissão e, isto, em circunstâncias relatadas por muita gente do povo. Claro que Mateus veio ter com o seu chefe – o meu amo – e contou-lhe o que sucedera e o levara a tal decisão de mudar de vida.

Desde então, o meu amo nunca mais teve sossego por causa de uma ideia fixa que se lhe instalara no espírito: tinha de conhecer esse homem a que chamavam Jesus o Nazareno, esse mesmo que fora “o responsável” pela mudança de vida de Mateus que agora o seguia para onde quer que fosse. De facto, «procurava conhecer de vista Jesus»  porque, julgava ele, um contacto pessoal não seria possível: um judeu falar com um publicano!!!

Um dia, no mercado da cidade próxima, Jericó, deparei-me com uma agitação fora do comum e informaram-me que esse Jesus ia passar por ali pelo que toda a gente se juntava no caminho à saída da cidade para o ver e, se possível, fazer-lhe algum pedido. Voltei a toda a pressa para casa e informei o meu amo dizendo-lhe que ali estava a oportunidade porque tanto ansiava.

Ele não hesitou um minuto sequer e «Correndo adiante, subiu a um sicómoro para O ver» quando passasse por ali. Confesso que fiquei espantado com tal atitude e percebi-me que o seu desejo de ver Jesus era de tal forma genuíno que não se importou com o que outros pudessem dizer por se colocar, assim, empoleirado numa árvore, algo inesperado por parte de uma pessoa tão importante.

O cortejo que seguia Jesus aproximava-se e, então, aconteceu uma coisa extraordinária: Jesus parou mesmo debaixo do sicómoro onde o meu amo se empoleirara e «levantando os olhos disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, porque convém que Eu fique hoje em tua casa».

O meu amo, radiante «desceu a toda a pressa, e recebeu-O alegremente»

Foi um dia memorável que jamais esquecerei. Os dois, Jesus e Zaqueu, conversaram longamente como se fossem “velhos amigos” e era bem notória a alegria e, ao mesmo tempo, a serenidade que o meu amo ostentava. Não lhe importando os murmúrios que os circunstantes deixavam escapar, as críticas e os “remoques”, pondo-se subitamente «de pé diante do Senhor, disse-Lhe: Eis, Senhor, que dou aos pobres metade dos meus bens e, naquilo em que tiver defraudado alguém, restituir-lhe-ei o quádruplo». Os murmúrios cessaram de repente e as pessoas comentavam admiradas e algo incrédulas o que acabavam de ouvir. Mas, a verdade, é que logo que Jesus se afastou o meu amo começou a tratar das coisas tal como tinha dito e prometido.

O que posso dizer é que o meu amo nunca mais foi o mesmo homem; a mudança na sua vida, no seu modo de proceder foi tal que, aos poucos muitas pessoas que – como atrás disse – evitavam qualquer contacto, passaram a ser visitas de sua casa e, muitas vezes assisti, com pedidos de auxílio e assistência que nunca lhes negava.

 

 

(AMA, 2018)

 

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