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26/04/2022

Publicações em Abril 26

 


 

Dentro do Evangelho

 

(Re Lc X, 25 – 37)

 

O bom samaritano

25 Levantou-se, então, um doutor da Lei e perguntou-lhe, para o experimentar: «Mestre, que hei-de fazer para possuir a vida eterna?» 26 Disse-lhe Jesus: «Que está escrito na Lei? Como lês?» 27 O outro respondeu: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.» 28 Disse-lhe Jesus: «Respondeste bem; faz isso e viverás.» 29 Mas ele, querendo justificar a pergunta feita, disse a Jesus: «E quem é o meu próximo?» 30 Tomando a palavra, Jesus respondeu: «Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o meio morto. 31 Por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote que, ao vê-lo, passou ao largo. 32 Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar e, ao vê-lo, passou adiante. 33 Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. 34 Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. 35 No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao estalajadeiro, dizendo: ‘Trata bem dele e, o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar.’ 36 Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?» 37 Respondeu: «O que usou de misericórdia para com ele.» Jesus retorquiu: «Vai e faz tu também o mesmo.»

 

Personagem 1.1

O Estalajadeiro.

Talvez possa parecer estranho ter escolhido este “papel” que, obviamente, parece não ser “central” na parábola. Mas, eu, que nada sei nem de parábolas nem de personagens, muito menos me sinto capaz de lhes atribuir mérito ou demérito, ou grau de importância que possam ter, apaixono-me por este.

Imagino-me à porta do meu estabelecimento onde recebo hóspedes, normalmente viajantes que percorrem os caminhos poeirentos e agrestes da Palestina e que procuram um lugar onde tomar uma refeição, descansar um pouco ou passar a noite com um mínimo de conforto. Estando ali, no meu posto de trabalho, deparo-me com uma cena estranha: Um homem que se aproxima a pé, conduzindo a sua cavalgadura pela arreata e mal se mantendo direito em cima desta, um outro homem com os vestidos em farrapos, cheio de feridas vendadas com panos embebidos em azeite e vinho num estado lastimoso. Apresso-me a ir ao seu encontro e tenho logo uma primeira reacção de enorme dúvida: quem conduz o ferido é um Samaritano!

O que faz um Samaritano dirigir-se ao meu estabelecimento? Sim, eu, que sou judeu, não “morro de amores” pelos samaritanos que, aliás, me pagam na mesma moeda. Um antagonismo ancestral – que ninguém sabe exactamente quando começou e porquê – divide os filhos de Israel: Samaritanos e Judeus. Mas, surpreendentemente, o Samaritano aproxima-se de mim e diz-me: ‘Encontrei este teu irmão estendido na vera do caminho porque «caiu nas mãos dos ladrões, que o despojaram, o espancaram e retiraram-se, deixando-o meio morto» (Cfr. Lc 10, 30). Tentei prestar-lhe o auxílio possível ligando-lhe «as feridas, deitando nelas azeite e vinho», mas não podia deixá-lo ali naquele estado por isso pu-lo sobre o meu jumento e trouxe-o até esta estalagem para melhor cuidar dele. (Cfr. Lc 10, 34) Ajuda-me a levá-lo para dentro e encontra uma acomodação confortável onde o possamos fazer’. Fiquei atónito, sem palavras e levei algum tempo a reagir. Como que por encanto desvaneceram-se as minhas dúvidas e pruridos e ajudei a transportar o ferido para a melhor habitação de que dispunha. Deitámos o homem numa cama, despimos-lhe os farrapos, arranjei uma túnica lavada que lhe vestimos e, enquanto o Samaritano observava de novo as feridas renovando as ligaduras e unguentos fui à cozinha buscar um caldo de sopa que a custo conseguiu engolir. Tendo caído num sono profundo, deixámo-lo a descansar e retiramo-nos; o samaritano para uma acomodação na parte superior da casa, eu para o meu posto à entrada da estalagem. A noite ia adiantada e como não era de prever aparecessem novos hóspedes, também fui deitar-me. Mas não conseguia conciliar o sono pensando em tudo quanto acontecera e algo apreensivo quanto ao dia seguinte.

Logo pela manhã o samaritano preparou-se para seguir viagem mas, antes que eu pudesse perguntar o que fosse, abriu a sua bolsa, «tirou dois denários, e deu-mos dizendo: Cuida dele; quanto gastares a mais, eu to pagarei quando voltar(Lc X, 35) Ainda hoje, passado tanto tempo, me admiro com a minha atitude! Nem por um momento me ocorreu que o Samaritano não faria exactamente como me disse e que não ficaria por receber o que viesse a gastar com o pobre coitado agora a meu cargo. Sim, eu que sou judeu e tenho um negócio, não posso dar-me ao luxo de receber hóspedes sem ter a certeza que serei ressarcido das despesas de estadia tanto mais que estas seriam bastante fora do “normal”: os tratamentos, ligaduras, unguentos e outros cuidados que seriam necessários. Volto a repetir: Ainda hoje, passado tanto tempo, me admiro com a minha atitude!

Pela noitinha o doente estava visivelmente melhor e começou por perguntar-me como tinha ido ali parar, o que acontecera… Contei-lhe tudo, claro, e o seu espanto foi tão grande como tinha sido o meu no dia anterior quando o estranho “cortejo” aparecera à minha porta. Não se lembrava de nada, tão súbita e violenta tinha sido a acção dos salteadores, nem sequer quanto tempo estivera prostrado por terra. Mas achava estranho que ninguém o tivesse visto naquela situação, já que o caminho onde tudo acontecera era muito concorrido.

Eu também – pensando melhor – achei estranho, mas como estou habituado à indiferença das pessoas perante as necessidades dos outros não me custava acreditar que alguns o terão visto e ao dar-se conta da situação tivessem optado por seguir adiante livrando-se de “trabalhos” e incómodos. De facto há tanta gente que vai pelos caminhos da vida tão cheios de si próprios, absorvidos com os seus assuntos que olhando não vêm e, se acaso vêm, ficam indiferentes ao que, pensam, não lhes diz respeito.

Tomei uma decisão: A partir de agora a porta da minha estalagem estará sempre aberta a quem tiver necessidade de entrar, não a fecharei a ninguém por motivos de raça, cor da pele ou religião e independentemente de possuírem meios ou recursos para cobrir as despesas que porventura façam.  Esta decisão consola-me muito porque penso que, um dia, pode acontecer-me o mesmo que ao pobre homem assaltado e espancado pelos salteadores e, então precisarei de alguém – um Samaritano… talvez… – que se condoa de mim e me preste assistência.

 

Reflexão

É correcto desejar ter meios de fortuna?

 

*Pode-se, por exemplo, jogar no Euro-milhões?

Quanto à primeira questão julgo que não é incorrecto em princípio dependendo, naturalmente da finalidade desses meios.

Se, por exemplo, o objectivo se concentra em adquirir bens supérfluos, então diria que está errado.

Se, por outro lado, se deseja distribuir, repartir ou de qualquer modo ajudar alguém ou uma iniciativa de solidariedade então penso que não é incorrecto.

Há, contudo, uma condição importante: que o dinheiro gasto não faça falta para algo importante como, por exemplo, o sustento familiar.

Por isso mesmo, é fundamental a contenção e moderação independentemente do que se possui, tendo sempre presente que os bens são meios e não um fim em si mesmos e que devemos dar estritas contas de como os administrámos.

A riqueza não é, pois, uma coisa má em si mesma, mas o que pode ser mau ou bom será o uso que dela se fizer.

(AMA, reflexões, 13.07.2017)

 

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