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Não deixes de rezar, eu escuto-te


Os santos, anormais?... Chegou a hora de acabar com esse preconceito! Havemos de ensinar, com a naturalidade sobrenatural da ascética cristã, que nem sequer os fenómenos místicos são anormais; têm a naturalidade própria desses fenómenos, tal como outros processos psíquicos ou fisiológicos têm a sua (Sulco, 559)

Eu falo da vida interior de cristãos normais e correntes, que habitualmente se encontram em plena rua, ao ar livre; e que na rua, no trabalho, na família e nos momentos de diversão estão unidos a Jesus todo o dia. E o que é isto senão vida de oração contínua? Não é verdade que compreendeste a necessidade de ser alma de oração, numa intimidade com Deus que te leva a endeusar-te? (...)

A princípio custará. É preciso esforçarmo-nos por nos dirigir ao Senhor, por lhe agradecermos a sua piedade paternal e concreta para connosco. Pouco a pouco o amor de Deus torna-se palpável – embora isto não seja coisa de sentimentos – como uma estocada na alma. É Cristo que nos persegue amorosamente: Eis que estou à porta e chamo. Como anda a tua vida de oração? Não sentes às vezes, durante o dia, desejos de falar mais devagar com Ele? Não Lhe dizes: logo vou contar-te isto e aquilo; logo vou conversar sobre isso contigo?

Nos momentos dedicados expressamente a esse colóquio com o Senhor o coração expande-se, a vontade fortalece-se, a inteligência – ajudada pela graça – enche a realidade humana com a realidade sobrenatural. E, como fruto, sairão sempre propósitos claros, práticos, de melhorares a tua conduta, de tratares delicadamente, com caridade, todos os homens, de te empenhares a fundo – com o empenho dos bons desportistas – nesta luta cristã de amor e de paz.

A oração torna-se contínua como o bater do coração, como as pulsações. Sem essa presença de Deus não há vida contemplativa. E sem vida contemplativa de pouco vale trabalhar por Cristo, porque em vão se esforçam os que constroem se Deus não sustenta a casa. (Cristo que passa, 8)



Leitura espiritual


O HOMEM BOM



O ESPELHO DOS NOSSOS DEFEITOS





Estamos vendo que a falta de bondade se manifesta, entre outras coisas, pela reacção que os defeitos alheios provocam em nós: umas vezes, de impaciência; outras, de desprezo ou cansaço.
Ejá percebemos que tais reacções não são propriamente “provocadas” pelos defeitos dos outros, mas são “activadas” pelo nosso egoísmo ou pelo nosso orgulho.
Talvez compreendamos melhor o que se passa connosco se percebermos que, devido ao nosso egoísmo e à nossa auto-suficiência, a primeira coisa que notamos nos outros é a sombra que os seus defeitos projectam sobre o espelho dos nossos próprios defeitos.
Por outras palavras, os defeitos alheios incomodam-nos precisamente porque ferem um defeito nosso.
Alguns exemplos podem esclarecer-nos.
Não é raro que um marido se sinta tremendamente aborrecido quando, ao chegar a casa cansado no fim do expediente, a mulher se dedica a martelar-lhe os ouvidos com uma longa cantilena de reclamações e lamentos: o elenco das contrariedades do dia.
A reacção espontânea do marido é perder o bom humor:
 “Por que não me deixa em paz?
Será que não compreende que tenhodireito a um pouco de tranquilidade após um dia de trabalho estafante?”
Aparentemente, este marido tem razão.
E certamente a esposa faria bem se guardasse para si as suas queixas e se ocupasse em tornar mais amável o convívio familiar.
Mas também é verdade que a reacção de impaciência e desgosto do marido não nasceu do amor: a ladainha enfadonha da mulher projectou-lhe uma sombra sobre o seu comodismo, feriu o seu comodismo, e por isso o perturbou.
Fosse um homem de coração generoso, e a fraqueza da mulher se projectaria sobre o espelho do amor compreensivo, e nesse caso a reacção seria outra.
Poderíamos falar também da impaciência do pai que recebe o boletim do colégio do filho enfeitado de vermelhos.
É natural que esse mau desempenho nos estudos preocupe o pai e até que o deixe indignado.
É lógico que tenha uma conversa menos suave com o filho.
Mas, ao mesmo tempo, seria muito bom que analisasse o seu coração e se perguntasse: estou reagindo só por amor ao filho, pelo seu bem, ou porque me humilha que o meu garoto seja dos últimos da classe, e isso projecta uma sombra no espelho da minha vaidade?
Pode muito bem acontecer que o sentimento predominante seja este último, e então a impaciência é a reacção de um defeito pessoal atingido.
O mesmo poderíamos dizer quando notamos que possuímos uma grande facilidade para “ver” que os nossos colegas são antipáticos, pouco inteligentes, maçantes e desleais..., quando, na realidade, o que “não vemos” é que estamos deixando-nos dominar pela inveja, pois o que nos aborrece é que, apesar de tantas deficiências que observamos neles, estão-se saindo melhor do que nós e tendo maior sucesso no seu trabalho.
Já dizia o Padre Vieira que “os olhos vêem pelo coração; e assim como quem vê por vidros de diversas cores, todas as coisas lhe parecem daquela cor, assim as vistas se tingem dos mesmos humores de que estão bem ou mal c os corações” (Sermão da quinta Quarta-feira, 1669).
Quando o coração é limpo e bom, enxerga as coisas limpas e boas do mundo, especialmente as coisas limpas e boas dos outros.
Se está manchado, projecta a sua sujidade em tudo.
Se fôssemos mais humildes e esquecidos de nós mesmos, ao percebermos que as fraquezas e os erros dos outros fazem saltar como uma mola os nossos próprios defeitos, começaríamos por tentar limpar esses nossos defeitos.
Um pequeno insecto pousado sobre uma ferida aberta incomoda muito.
Mas se curarmos essa ferida, a presença do insecto sobre a pele sadia será quase imperceptível.
Meditando nestes aspectos, Santo Agostinho sugeria um sistema excelente:
“Procurai adquirir as virtudes que julgais faltarem aos vossos irmãos, e já não vereis os seus defeitos, porque vós mesmos não os tereis” (Enarrat. in Psalmis, 30, 2, 7).
Vale a pena tentar essa experiência. Suponhamos, por exemplo, que estamos a conviver com uma pessoa ríspida.
Fala bruscamente, agride com comentários, critica tudo.
Isso “provoca-nos” e impele-nos a retrucar com a mesma moeda: quase sem repararmos, também nós nos tornamos agressivos e azedos.
 Esforcemo-nos por dar uma virada.
Tentemos, como ensina São Paulo, vencer o mal com o bem (Rom 12, 21).
Iniciemos decididamente uma campanha de paciência, amabilidade e mansidão.
É muito provável que aconteçam duas coisas: primeiro, que a pessoa que nos “provoca” fique desarmada perante a nossa afabilidade, e mude; segundo, que nós mesmos, com a alma limpa de preocupações egoístas, venhamos a descobrir que aquela rispidez “incompreensível” outra coisa não era senão a amargura de alguém que não sentia reconhecido e valorizado o seu trabalho; ou então era o queixume surdo de quem tinha ânsias de um pouco mais de atenção que ninguém lhe dava.
Uma vez feita essa constatação, já não veremos mais um defeito que aborrece, mas uma carência que, com carinho, procuraremos aliviar. Passaremos a olhar o problema com o calor aconchegante da bondade.
Como dizia alguém, “somente nos irritam os nossos defeitos”. As agulhadas e impertinências dos outros são “cutucões” sobre os nossos defeitos, que Deus permite para que os vejamos melhor e nos decidamos a vencê-los.
Se arrancarmos os nossos defeitos, as “pedras” do nosso campo – da nossa alma –, não sentiremos mais os “pontapés” dos outros, porque não terão onde tropeçar.
Se todos nós compreendêssemos estas verdades simples, haveria mais paz nas famílias e, em geral, no convívio humano, e muitas desavenças crónicas abririam passagem à harmonia.
Francisco Faus [i]


[i] Francisco Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.


Evangelho e comentário


TEMPO DE NATAL


Santos Inocentes

Evangelho: Mt 2, 13-18

13 Depois de partirem, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egipto e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o menino para o matar.» 14 E ele levantou-se de noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egipto, 15 permanecendo ali até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta: Do Egipto chamei o meu filho. 16 Então Herodes, ao ver que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o seu território, da idade de dois anos para baixo, conforme o tempo que, diligentemente, tinha inquirido dos magos. 17 Cumpriu-se, então, o que o profeta Jeremias dissera: 18 Ouviu-se uma voz em Ramá, uma lamentação e um grande pranto: É Raquel que chora os seus filhos e não quer ser consolada, porque já não existem.

Comentário:

«Em sonhos» já referimos que ao Varão Ilustre, Deus lhe fazia conhecer a Sua Vontade em sonhos.

Parece estranho, talvez, que algo tão importante seja assim transmitido.

Será que São José não "mereceria" uma comunicação "directa" através de um anjo, por exemplo, como Zacarias ou a Santíssima Virgem?

Penso que não se trata de "merecimento" mas antes da soberana vontade e disposição do Senhor em comunicar com os Seus filhos.

O sonho foi quase sempre o "modo" escolhido e não tem que se inferir que terá mais ou menos "categoria".

Hoje talvez que o nome apropriado seja "inspirações" que é o modo como o Espírito Santo comunica com homens.

Saber reconhecer e interpretar o que o Senhor nos quer dizer, isso, é que é importante e deveras interessa.


(AMA, comentário sobre Mt 2, 13-18, 28.12.2016)




Temas para reflectir e meditar

Sacerdócio



O sacerdócio é um sacramento, não um poder do qual a Igreja pode dispor segundo a sua complacência.


(bento xviconversa com os párocos de Roma, 2006.03.02)   


Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)




Propósito:

Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?