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01/09/2018

Pequena agenda do cristão

SÁBADO



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)



Propósito:
Honrar a Santíssima Virgem.

A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da Sua serva, de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas, santo é o Seu nome. O Seu Amor se estende de geração em geração sobre os que O temem. Manifestou o poder do Seu braço, derrubou os poderosos do seu trono e exaltou os humildes, aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel Seu servo, lembrado da Sua misericórdia, como tinha prometido a Abraão e à sua descendência para sempre.

Lembrar-me:

Santíssima Virgem Mãe de Deus e minha Mãe.

Minha querida Mãe: Hoje queria oferecer-te um presente que te fosse agradável e que, de algum modo, significasse o amor e o carinho que sinto pela tua excelsa pessoa.
Não encontro, pobre de mim, nada mais que isto: O desejo profundo e sincero de me entregar nas tuas mãos de Mãe para que me leves a Teu Divino Filho Jesus. Sim, protegido pelo teu manto protector, guiado pela tua mão providencial, não me desviarei no caminho da salvação.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?





Tratado dos dons do Espírito Santo


Questão 68: Dos dons.

Em seguida devemos tratar dos dons. E sobre esta questão oito artigos se discutem.
Art. 1 — Se os dons se distinguem das virtudes.
Art. 2 — Se os dons são necessários à salvação do homem.
Art. 3 — Se os dons do Espírito Santo são hábitos.
Art. 4 — Se são convenientemente enumerados os sete dons do Espírito Santo.
Art. 5 — Se os dons são conexos.
Art. 6 — Se os dons do Espírito Santo permanecem na pátria.
Art. 7 — Se a dignidade dos dons se funda na enumeração de Isaías, cap. XI.
Art. 8 — Se as virtudes têm preeminência sobre os dons.

Art. 1 — Se os dons se distinguem das virtudes.
O primeiro discute-se assim. — Parece que os dons não se distinguem das virtudes.

1. — Pois, Gregório, expondo sobre de Job (Job 1, 2) — E nasceram-lhe sete filhos e três filhas — diz: Nascem-se sete filhos quando pela concepção do bom pensamento surgem em nós as sete virtudes do Espírito Santo [2]. E cita a Escritura (Is 11, 2): E descansará sobre ele o espírito de entendimento, etc., onde se enumeram os sete dons do Espírito Santo. Logo, estes sete dons são virtudes.

2. Demais. — Agostinho, expondo sobre a Escritura (Mt 12, 45)Então vai, e ajunta a si outros sete espíritos etc. — diz: Sete vícios são contrários às sete virtudes do Espírito Santo [3], i. é, aos sete dons. Ora, esses sete vícios são contrários às virtudes consideradas em sentido geral. Logo, os dons não se distinguem das virtudes consideradas nesse sentido.

3. Demais. — Sujeitos a que convém a mesma definição são idênticos. Ora, a definição da virtude convém aos dons; pois, o dom é uma boa qualidade da mente, pela qual vivemos rectamente, etc [4]. Semelhantemente, a definição do dom convém às virtudes infusas; pois, o dom é uma doação irretribuível, segundo o Filósofo [5]. Logo, as virtudes não se distinguem dos dons.

4. Demais. — Alguns dos chamados dons são virtudes. Pois, como já se disse [6], a sabedoria, o intelecto e a ciência são virtudes intelectuais; o conselho pertence à prudência; a piedade é uma espécie de justiça; e por fim, a coragem é uma virtude moral. Logo, as virtudes não se distinguem dos dons.

Mas, em contrário, Gregório distingue os sete dons, designados, diz, pelos sete filhos de Job, das três virtudes teologais, representadas pelas três filhas do mesmo [7]. E noutro lugar, distingue os mesmos sete dons, das quatro virtudes cardeais, representadas, diz, pelos quatro ângulos da casa [8].

SOLUÇÃO. — Se considerarmos o dom e a virtude, quanto às suas noções, nenhuma oposição há entre esta e aquele. Pois, a virtude, por essência, é assim chamada por conferir ao homem a perfeição de agir rectamente, como já dissemos [9]; ao passo que o dom essencialmente é relativo à causa de onde procede. Ora, nada impede, que o precedente, como dom, de uma certa causa, confira a quem o recebe a perfeição de agir rectamente; sobretudo que, como já dissemos [10], certas virtudes são infundidas em nós por Deus. Donde, a esta luz, o dom não pode ser distinto da virtude.

E por isso alguns ensinaram não devem os dons ser distintos das virtudes. — Mas nem por isso deixa de lhes ser menor a dificuldade, quando se trata de dar a razão de se considerarem algumas virtudes, e não todas, como dons; e de alguns dons não se contarem evidentemente entre as virtudes, como, p. ex., o temor.

E daí o dizerem outros que os dons se devem distinguir das virtudes, mas sem darem suficiente causa de distinção, de tal modo comum às virtudes que de nenhum modo conviesse aos dons, e vice-versa. E então outros, considerando que, dentre os sete dons, quatro — a sabedoria, a ciência, o intelecto e o conselho — pertencem à razão; e três — a coragem, a piedade e o temor — à potência apetitiva, disseram que dons fortificam o livre arbítrio, enquanto faculdade racional, e as virtudes, enquanto faculdade voluntária. E isso por descobrirem só duas virtudes — a fé e a prudência — na razão ou intelecto, pertencendo às outras à potência apetitiva ou afectiva. Ora, seria necessário, se esta distinção fosse pertinente, que todas as virtudes pertencerem à potência apetitiva, e todos os dons, à razão.

Outros ainda, tiveram em vista o lugar de Gregório seguinte: o dom do Espírito Santo que forma, na mente que lhe é obediente, a prudência, a temperança, a justiça e a fortaleza, também a mune, pelos sete dons, contra todas as tentações [11]. E consideraram então as virtudes como ordenadas a obrar bem e os dons, a resistir às tentações. — Mas esta distinção também não é suficiente. Pois, também as virtudes resistem às tentações, que induzem aos pecados e que as contrariam pois cada um resiste ao que lhe é contrário, como bem vemos suceder com a caridade, da qual se diz (Ct 8, 7): as muitas águas não puderam extinguir a caridade. Outros, por fim, reflectindo que a Escritura nos transmite esses dons como existiram em Cristo, disseram que as virtudes se ordenam, absolutamente, ao bem agir; ao passo que os dons nos tornam semelhantes a Cristo, principalmente quanto aos seus sofrimentos, pois os dons de que tratamos resplenderam principalmente na sua paixão. Mas também isto não é suficiente. Pois, o próprio Senhor nos induz precipuamente a assemelhar-nos com ele pela humildade e pela mansidão, conforme está na Escritura (Mt 11, 29): aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e também pela caridade, conforme (Jo 13, 34): Que vos amei uns aos outros, assim como eu vos amei. Ora, estas virtudes resplandeceram, precipuamente, na paixão de Cristo.

E portanto, para distinguir os dons, das virtudes, devemos seguir o modo de falar da Escritura, que no-los transmite, não sob o nome de dons, mas antes, sob o de espíritos. Assim, diz Isaias (11, 2): E descansará sobre ele o espírito de sabedoria e de entendimento etc. Essas palavras dão manifestamente a entender que tal enumeração dos sete dons os supõe existentes em nós por inspiração divina; e a inspiração implica uma moção externa. Ora, devemos considerar que há no homem um duplo princípio motor: um, interior — a razão; outro exterior — Deus, como já disse [12]; e o Filósofo também diz o mesmo [13]. Ora, como é manifesto, todo o movido deve necessariamente ser proporcionado ao motor; e a perfeição do móvel, como tal, consiste em ter uma disposição que o faça bem receber o movimento do motor. Quanto mais elevado porém for o motor, tanto mais necessariamente, e por uma disposição mais perfeita, o móvel se lhe há-de proporcionar; assim, vemos ser necessário o discípulo dispor-se tanto mais perfeitamente, a receber a doutrina do mestre, quanto mais perfeita ela for. Ora, é manifesto que as virtudes humanas aperfeiçoam o homem, ao qual é natural ser movido pela razão, em todos os seus actos, interior ou exteriormente. Logo, é necessário que existam no homem perfeições mais altas que o disponham a ser movido por Deus. E tais perfeições chamam-se dons, não só por serem infundidos por Deus, mas também por disporem o homem a deixar-se facilmente mover pela inspiração divina, como diz Isaías (50, 5): O Senhor me abriu o ouvido, e eu o não contradigo; não me retirei para traz. E o Filósofo também diz: quando movidos por inspiração divina não devemos buscar conselho na razão humana, mas seguir essa inspiração, porque somos movidos por um principio superior [14] à razão humana. E assim o entendem os que dizem os dons aperfeiçoarem o homem para actos superiores aos da virtude.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os dons em questão também se denominam virtudes, conforme a noção comum de virtude. Tem contudo algo de supereminente a essa noção, por serem algumas virtudes divinas que aperfeiçoam o homem, enquanto movido por Deus. E por isso o Filósofo introduz, além da virtude comum, uma virtude heróica ou divina, que faz alguns serem chamados homens divinos [15].

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os vícios sendo contrários aos bens da razão também contrariam as virtudes; como contrários, porém, à divina inspiração, contrariam os dons. Ora, contrariar a Deus é também contrariar a razão, cujo lume deriva de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A definição em apreço dá-se da virtude quanto ao seu modo comum de ser. Donde, se quisermos restringir a definição às virtudes, enquanto distintas dos dons, diremos que a expressão — pela qual vivemos rectamente — deve ser entendida da rectidão da vida conforme a regra da razão. Semelhantemente, o dom, enquanto distinto da virtude infusa, pode ser considerado como o dado por Deus para lhe recebermos a moção, que leva o homem a seguir rectamente as suas inspirações.

RESPOSTA À QUARTA. — A sabedoria chama-se virtude intelectual, enquanto procede do juízo da razão. Chama-se porém, dom, enquanto obra por instinto divino. E o mesmo se deve dizer nos demais casos.

(Revisão da versão portuguesa por AMA)


[1] (III Sent., dist. XXXIV, q. 1, a. 1; In Isaiam, cap. XI; Ad Galat., cap. V lect. VI).
[2] I Moral. (c. XXVII).
[3] I De quaestion. Evangel. (quaest. VIII).
[4] Q. 55, a. 4.
[5] Lib. IV Topic. Cap. IV.
[6] Q. 57, a. 2.
[7] I Moral. (ubi supra).
[8] II Moral. (cap. XLIX).
[9] Q. 55, a. 3, 4.
[10] Q. 63, a. 3.
[11] II Moral. (cap. XLIX).
[12] Q. 9, a. 4, 6.
[13] In cap. De bona fortuna (Ethic. Eudem, lib. VII, cap. XIV. 
[14] VII Ethic. (lect. I).
[15] In cap. De bona fortuna (loc. cit.).

Temas para reflectir e meditar


Cair em mim

Imagino-me sentado num lugar alto a observar tudo à minha volta. Principalmente a observar-me a mim.
Estou curioso e, ao mesmo tempo, expectante.
Será que olham para mim?
Reparam que eu estou ali?
Alguém está pendente do que eu possa dizer?
Fui convidado porque gostam de mim?

E, envergonhado, avalio esta tremenda postura de orgulho que me irrita e faz mal.

Quero, desejo com todas as minhas forças ser simples, amável, simpático e agradecido.

‘António, sê sério, porta-te bem, convence-te que as pessoas gostam de ti, que não querem que sejas outra coisa que aquilo que realmente és.
Vá! Desce do palanque e toma o teu lugar à mesa dos que querem a tua companhia.’

AMA, reflexões, 26.11.2017

Evangelho e comentário


Tempo comum


Evangelho: Mt 25, 14-30

14 «Será também como um homem que, ao partir para fora, chamou os servos e confiou-lhes os seus bens. 15 A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade; e depois partiu. 16 Aquele que recebeu cinco talentos negociou com eles e ganhou outros cinco. 17 Da mesma forma, aquele que recebeu dois ganhou outros dois. 18 Mas aquele que apenas recebeu um foi fazer um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. 19 Passado muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e pediu-lhes contas. 20 Aquele que tinha recebido cinco talentos aproximou-se e entregou-lhe outros cinco, dizendo: ‘Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que eu ganhei.’ 21 O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’ 22 Veio, em seguida, o que tinha recebido dois talentos: ‘Senhor, disse ele, confiaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que eu ganhei.’ 23 O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’ 24 Veio, finalmente, o que tinha recebido um só talento: ‘Senhor, disse ele, sempre te conheci como homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. 25 Por isso, com medo, fui esconder o teu talento na terra. Aqui está o que te pertence.’ 26 O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho onde não espalhei. 27 Pois bem, devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e, no meu regresso, teria levantado o meu dinheiro com juros.’ 28 ‘Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. 29 Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30 A esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’»

Comentário:

Há quem muito se desculpe que os “talentos” que recebeu não são nem suficientes nem bastantes para o se lhe apresenta pela frente.

Entendamo-nos: Nunca nos serão pedidas contas por algo que não possuímos, isso seria uma injustiça!

Mas, a questão, reside em que poucos ou muitos, notórios ou de escassa relevância, todos os talentos que nos estão reservados são para serem utilizados e, mais, para que pelos nossos actos e desejos de bem fazer são “afinados”, melhorados”, dando-lhes melhor eficácia.

Não o fazer é “enterrar o talento na terra”, não ganhamos nada, não damos nada, teremos pesadas contas a prestar.

Conheço muitas crianças que se aplicam a sério nos estudos e só se sentem verdadeiramente contentes quando vêm os seus esforços coroados de êxito.
Fazem-no por vaidade?
Não… de modo nenhum!
Fazem-no porque os seus pais lhes incutiram o dever de estudar dando o melhor de si mesmos para conseguirem os objectivos,

Ah! Se todos nós fossemos como essas crianças!!!

(AMA, comentário sobre Mt 25, 14-30,19.11.2017)




A família: santificar o lar dia a dia

“Cada lar cristão – disse S. Josemaria numa homilia pronunciada em 1970 – deveria ser um remanso de serenidade, em que se notassem, por cima das pequenas contrariedades diárias, um carinho e uma tranquilidade, profundos e sinceros, fruto de uma fé real e vivida.". (Cristo que passa, 22, 4)

É verdadeiramente infinita a ternura de Nosso Senhor. Olhai com que delicadeza trata os seus filhos. Fez do matrimónio um vínculo santo, imagem da união de Cristo com a sua Igreja, um grande sacramento em que se fundamenta a família cristã, que há-de ser, com a graça de Deus, um ambiente de paz e de concórdia, escola de santidade. Os pais são cooperadores de Deus. Daí nasce o amável dever de veneração, que corresponde aos filhos. Com razão, o quarto mandamento pode chamar-se – escrevi-o há tantos anos – o dulcíssimo preceito do Decálogo. Se se vive o matrimónio como Deus quer, santamente, o lar será um lugar de paz, luminoso e alegre. (Cristo que passa, 78, 6)

Famílias que viveram de Cristo e que deram a conhecer Cristo. Pequenas comunidades cristãs que foram centros de irradiação da mensagem evangélica. Lares iguais aos outros lares daqueles tempos, mas animados de um espírito novo que contagiava aqueles que os conheciam e com eles conviviam. Assim foram os primeiros cristãos e assim havemos de ser os cristãos de hoje: semeadores de paz e de alegria, da paz e da alegria que Cristo nos trouxe. (Cristo que passa, 30, 5)

Comove-me que o Apóstolo qualifique o matrimónio cristão como «sacramentum magnum», sacramento grande. Também daqui deduzo que o trabalho dos pais de família é importantíssimo.

– Participais do poder criador de Deus e, por isso, o amor humano é santo, nobre e bom: uma alegria do coração, à qual Nosso Senhor, na sua providência amorosa, quer que outros livremente renunciemos.

Cada filho que Deus vos concede é uma grande bênção divina: não tenhais medo aos filhos! (Forja, 691)

Ao pensar nos lares cristãos, gosto de imaginá-los luminosos e alegres, como foi o da Sagrada Família. A mensagem de Natal ressoa com toda a força: Glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na terra aos homens de boa vontade. Que a Paz de Cristo triunfe nos vossos corações, escreve o Apóstolo. Paz por nos sabermos amados pelo nosso Pai, Deus, incorporados em Cristo, protegidos pela Virgem Santa Maria, amparados por S. José. Esta é a grande luz que ilumina as nossas vidas e que, perante as dificuldades e misérias pessoais, nos impele a seguir animosamente para diante. Cada lar cristão deveria ser um remanso de serenidade, em que se notassem, por cima das pequenas contrariedades diárias, um carinho e uma tranquilidade, profundos e sinceros, fruto de uma fé real e vivida. (Cristo que passa, 22, 4)

Santificar o lar no dia-a-dia, criar, com carinho, um autêntico ambiente de família: é disso precisamente que se trata. Para santificar cada um dos dias, é necessário exercitar muitas virtudes cristãs; em primeiro lugar, as teologais e, depois, todas as outras: a prudência, a lealdade, a sinceridade, a humildade, o trabalho, a alegria... (Cristo que passa, 23, 4)

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá


CRISTO QUE PASSA

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Estamos no Natal.
Acodem-nos à memória os diversos factos e circunstâncias que rodearam o nascimento do Filho de Deus e o olhar detém-se na gruta de Belém, no lar de Nazaré. Maria, José, Jesus Menino ocupam de modo muito especial o centro do nosso coração.
Que diz, que nos ensina a vida, simples e admirável ao mesmo tempo, dessa Sagrada Família?

Entre as muitas considerações que poderíamos fazer, agora quero escolher sobretudo uma.
Como refere a Escritura, o nascimento de Jesus significa o início da plenitude dos tempos, o momento escolhido por Deus para manifestar plenamente o seu amor aos homens, entregando-nos o seu próprio Filho.
Essa vontade divina realiza-se no meio das circunstâncias mais normais e correntes: uma mulher que dá à luz, uma família, uma casa.
A omnipotência divina, o esplendor de Deus passam através das coisas humanas, unem-se às coisas humanas.
Desde esse momento, nós, os cristãos, sabemos que, com a graça do Senhor, podemos e devemos santificar todas as realidades sãs da nossa vida.
Não há situação terrena, por mais pequena e vulgar que pareça, que não possa ser a ocasião de um encontro com Cristo e uma etapa da nossa caminhada para o Reino dos Céus.

Por isso, não é de estranhar que a Igreja se alegre, que rejubile, contemplando a modesta morada de Jesus, Maria e José.
É grato - reza-se no Hino de matinas desta festa - recordar a pequena casa de Nazaré e a existência simples que ali se vive, celebrar com cânticos a singeleza que rodeia Jesus, a sua vida escondida.
Foi ali que, ainda criança, aprendeu o ofício de José; foi ali que cresceu em idade e partilhou o trabalho de artesão.
Junto d'Ele, sentava-se a sua doce Mãe; junto a José, vivia a sua Esposa bem-amada, feliz por poder ajudá-lo e prestar-lhe os seus cuidados.

Ao pensar nos lares cristãos, gosto de imaginá-los luminosos e alegres, como foi o da Sagrada Família.
A mensagem de Natal ressoa com toda a força: Glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na terra aos homens de boa vontade.
Que a Paz de Cristo triunfe nos vossos corações, escreve o Apóstolo. Paz por nos sabermos amados pelo nosso Pai, Deus, incorporados em Cristo, protegidos pela Virgem Santa Maria, amparados por S. José. Esta é a grande luz que ilumina as nossas vidas e que, perante as dificuldades e misérias pessoais, nos impele a seguir animosamente para diante.
Cada lar cristão deveria ser um remanso de serenidade, em que se notassem, por cima das pequenas contrariedades diárias, um carinho e uma tranquilidade, profundos e sinceros, fruto de uma fé real e vivida.

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Para o cristão o matrimónio não é uma simples instituição social e menos ainda um remédio para as fraquezas humanas: é uma autêntica vocação sobrenatural.
Sacramento grande em Cristo e na Igreja, como diz S. Paulo, é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, contrato que um homem e uma mulher fazem para sempre, pois, quer queiramos quer não, o matrimónio instituído por Jesus Cristo é indissolúvel, sinal sagrado que santifica, acção de Jesus, que invade a alma dos que se casam e os convida a segui-Lo, transformando toda a vida matrimonial num caminhar divino pela Terra.

Os casados estão chamados a santificar o seu matrimónio e a santificar-se nessa união: cometeriam, por isso, um grave erro. se edificassem a sua vida espiritual à margem do lar.
A vida familiar, as relações conjugais, o cuidado e a educação dos filhos, o esforço por sustentar, manter e melhorar economicamente a família, as relações com as outras pessoas que constituem a comunidade social, tudo isso são situações humanas e correntes que os esposos cristãos devem sobrenaturalizar.

A fé e a esperança hão-de manifestar-se na serenidade com que se focam os grandes ou pequenos problemas que surgem em todos os lares, no empenho com que se persevera no cumprimento do dever. A caridade há-de encher tudo e levará: a partilhar as alegrias e os possíveis dissabores; a saber sorrir, esquecendo-se das preocupações pessoais para atender os outros; a escutar o outro cônjuge ou os filhos, mostrando-lhes que são amados e compreendidos deveras; a passar por alto pequenos atritos sem importância, que o egoísmo poderia transformar em montanhas; a fazer com grande amor os pequenos serviços de que se compõe a convivência diária.

Santificar o lar no dia-a-dia, criar, com carinho, um autêntico ambiente de família: é disso precisamente que se trata.
Para santificar cada um dos dias, é necessário exercitar muitas virtudes cristãs; em primeiro lugar, as teologais e, depois, todas as outras: a prudência, a lealdade, a sinceridade, a humildade, o trabalho, a alegria...

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Santidade do amor humano

Ao falar do matrimónio, da vida matrimonial, é necessário começar por referir-nos claramente ao amor dos cônjuges.

O amor puro e limpo dos esposos é uma realidade santa, que eu, como sacerdote, abençoo com ambas as mãos.
A tradição cristã viu frequentemente na presença de Jesus nas bodas de Caná uma confirmação do valor divino do matrimónio: O nosso Salvador foi às bodas - escreve S. Cirilo de Alexandria - para santificar o princípio da geração humana.

O matrimónio é um sacramento que faz de dois corpos uma só carne: como diz com expressão forte a teologia, são os próprios corpos dos contraentes que constituem a sua matéria.
O Senhor santifica e abençoa o amor do marido à mulher e o da mulher ao marido; e ordenou não só a fusão das suas almas, mas também a dos seus corpos.
Nenhum cristão, esteja ou não chamado à vida matrimonial, pode deixar de a estimar.

O Criador deu-nos a inteligência, centelha do entendimento divino, que nos permite - com vontade livre, outro dom de Deus - conhecer e amar; e deu ao nosso corpo a possibilidade de gerar, que é como uma participação do seu poder criador.
Deus quis servir-se do amor conjugal para trazer novas criaturas ao mundo e aumentar o corpo da Igreja.
O sexo não é uma realidade vergonhosa; é uma dádiva divina que se orienta limpamente para a vida, para o amor, para a fecundidade.

Esse é o contexto, o pano de fundo, em que se situa a doutrina cristã sobre a sexualidade.
A nossa fé não desconhece nada do que de belo, de generoso, de genuinamente humano há neste mundo.
Ensina-nos que a regra do nosso viver não deve ser a procura egoísta do prazer, porque só a renúncia e o sacrifício levam ao verdadeiro amor; Deus amou-nos e convida-nos a amá-Lo e a amar os outros com a verdade e a autenticidade com que Ele nos ama.
Quem conserva a sua vida, perdê-la-á; e quem perde a sua vida por meu amor voltará a encontrá-la, escreveu S. Mateus no seu Evangelho, com frase que parece paradoxal.

As pessoas que estão pendentes de si mesmas, que actuam procurando, antes de mais, a sua própria satisfação, põem em jogo a sua salvação eterna e, mesmo aqui na Terra, são inevitavelmente infelizes e desgraçadas.
Só quem se esquece de si e se entrega a Deus e aos outros - no matrimónio também - pode ser ditoso na Terra, com uma felicidade que é preparação e antecipação do Céu.

Durante o nosso caminhar terreno, a dor é pedra de toque do amor. No estado matrimonial, considerando as coisas de maneira descritiva, poderíamos afirmar que há anverso e reverso: por um lado, a alegria de se saber amado, o entusiasmo por edificar e sustentar um lar, o amor conjugal, a consolação de ver crescer os filhos; por outro, dores e contrariedades, o decurso do tempo que consome os corpos e ameaça azedar os caracteres, a monotonia dos dias, aparentemente sempre iguais.

Formaria um pobre conceito do matrimónio e do amor humano quem pensasse que ao tropeçar com essas dificuldades, o carinho e o contentamento se acabam.
É precisamente então que os sentimentos que animavam aquelas criaturas revelam a sua verdadeira natureza, que a doação e a ternura se enraízam e se manifestam com um afecto autêntico e profundo, mais poderoso que a morte.

(cont)