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22/01/2018

Um novo ano: recomeçar

“A vida cristã é um constante começar e recomeçar, uma renovação em cada dia.” (Cristo que passa, 114).


Desde a nossa primeira decisão consciente de viver integralmente a doutrina de Cristo, é certo que avançámos muito pelo caminho da fidelidade à sua Palavra. Mas não é verdade que restam ainda tantas coisas por fazer? Não é verdade que resta, sobretudo, tanta soberba? É precisa, sem dúvida, uma outra mudança, uma lealdade maior, uma humildade mais profunda, de modo, que, diminuindo o nosso egoísmo, cresça em nós Cristo, pois illum oportet crescere, me autem minui, é preciso que Ele cresça e que eu diminua. (...)

A conversão é coisa de um instante; a santificação é tarefa para toda a vida. A semente divina da caridade, que Deus pôs nas nossas almas, aspira a crescer, a manifestar-se em obras, a dar frutos que correspondam em cada momento ao que é agradável ao Senhor. Por isso, é indispensável estarmos dispostos a recomeçar, a reencontrar – nas novas situações da nossa vida – a luz, o impulso da primeira conversão. E essa é a razão pela qual havemos de nos preparar com um exame profundo, pedindo ajuda ao Senhor para podermos conhecê-Lo melhor e conhecer-nos melhor a nós mesmos. Não há outro caminho para nos convertermos de novo. (Cristo que passa, 58)


Ao falar diante do presépio sempre procurei ver Cristo Nosso Senhor desta maneira, envolto em paninhos sobre a palha da manjedoura, e, enquanto ainda menino e não diz nada, vê-Lo já como doutor, como mestre. Preciso de considerá-Lo assim, porque tenho de aprender d’Ele. E para aprender d’Ele é necessário conhecer a sua vida: ler o Santo Evangelho, meditar no sentido divino do caminho terreno de Jesus.

Na verdade, temos de reproduzir na nossa, a vida de Cristo, conhecendo Cristo à força de ler a Sagrada Escritura e de a meditar, à força de fazer oração, como agora estamos fazendo diante do presépio. É preciso entender as lições que Jesus nos dá já desde menino, desde recém-nascido, desde que os seus olhos se abriram para esta bendita terra dos homens.

Jesus, crescendo e vivendo como um de nós, revela-nos que a existência humana, a vida corrente e ordinária, tem um sentido divino. Por muito que tenhamos pensado nestas verdades, devemos encher-nos sempre de admiração ao pensar nos trinta anos de obscuridade que constituem a maior parte da passagem de Jesus entre os seus irmãos, os homens. Anos de sombra, mas, para nós, claros como a luz do Sol. Mais: resplendor que ilumina os nossos dias e lhes dá uma autêntica projecção, pois somos cristãos correntes, com uma vida vulgar, igual à de tantos milhões de pessoas nos mais diversos lugares do Mundo. (Cristo que passa, 14)


Vocês sabem por experiência pessoal – e têm-me ouvido repetir com frequência, para evitar desânimos – que a vida interior consiste em começar e recomeçar todos os dias; e notam no vosso coração, como eu noto no meu, que precisamos de lutar continuamente. Terão observado no vosso exame – a mim acontece-me o mesmo: desculpem que faça referências a mim próprio, mas enquanto falo convosco vou pensando com Nosso Senhor nas necessidades da minha alma – que sofrem repetidamente pequenos reveses, que às vezes parecem descomunais, porque revelam uma evidente falta de amor, de entrega, de espírito de sacrifício, de delicadeza. Fomentem as ânsias de reparação, com uma contrição sincera, mas não percam a paz. (Amigos de Deus, 13)


Para a frente, aconteça o que acontecer! Bem agarrado ao braço do Senhor, considera que Deus não perde batalhas. Se, por qualquer motivo, te afastas d'Ele, reage com a humildade de começar e de recomeçar; de fazer de filho pródigo todos os dias, inclusive repetidamente nas vinte e quatro horas do dia; de reconciliar o teu coração contrito na Confissão, verdadeiro milagre do Amor de Deus. Neste Sacramento maravilhoso, o Senhor limpa a tua alma e inunda-te de alegria e de força para não desanimares na tua luta e para voltares de novo sem cansaço a Deus, mesmo quando tudo te pareça obscuro. Além disso, a Mãe de Deus, que é também nossa Mãe, protege-te com a sua solicitude maternal e dá-te confiança no teu caminhar. (Amigos de Deus, 214)



Temas para reflectir e meditar

Obediência


A obediência implica sempre o sacrifício da nossa vontade, e isso explica suficientemente porque o homem tem repugnância em obedecer.

Obedecer é sempre ceder.


(GEORGES GHEVROT, Jesus e a Samaritana, Éfeso 1956 pg 176)




Evangelho e comentário

Tempo Comum


Evangelho: Mc 3, 22-30

22 E os doutores da Lei, que tinham descido de Jerusalém, afirmavam: «Ele tem Belzebu!» E ainda: «É pelo chefe dos demónios que expulsa os demónios.» 23 Então, Jesus chamou-os e disse-lhes em parábolas: «Como pode Satanás expulsar Satanás? 24 Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode perdurar; 25 e se uma família se dividir contra si mesma, essa família não pode subsistir. 26 Se, portanto, Satanás se levanta contra si próprio, está dividido e não poderá subsistir; é o seu fim. 27 Ninguém consegue entrar em casa de um homem forte e roubar-lhe os bens sem primeiro o amarrar; só depois poderá saquear-lhe a casa. 28 Em verdade vos digo: todos os pecados e todas as blasfémias que proferirem os filhos dos homens, tudo lhes será perdoado; 29 mas, quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão: é réu de pecado eterno.» 30 Disse-lhes isto porque eles afirmavam: «Tem um espírito maligno.»

Comentário:

Este trecho de São Marcos demonstra bem até onde pode chegar o espírito retorcido e malévolo, a ausência critério e, até o simples senso comum.

Na ânsia de criticar, descobrir algo passível de reprovação chega-se ao extremo de apresentar argumentos sem nexo nem lógica.

Não interessa, o que não se quer entender e muito menos aceitar: tem de ser denegrido qualquer forma.

Também, hoje em dia não faltam estes "iluminados" por umas teorias e ideologias que pretendem ser a "nova ordem" pela qual o mundo se tem de reger.

Atenção às palavras de Cristo: tais pecados que revelam total ausência respeito devido a Deus e mantêm o homem voluntariamente afastado dele, não terão perdão!


(AMA, comentário sobre Mc 3, 22-30, Carvide, 27,01.2017)







Leitura espiritual

CAPÍTULO IV

«ELE É O VERDADEIRO DEUS
                          E A VIDA ETERNA»            

Divindade de Cristo e anúncio da eternidade

3. Passar do dogma para a vida

Como continua actual e preciosa esta “joia” da cristologia bíblica que está desabrochando, sob os nossos olhos, no tronco do dogma tradicional!
De repente, o dogma entra no âmbito da vida de cada homem.
Todavia, nem todos são ainda capazes nem estão preparados para notar a importância de se tornarem «participantes da natureza divina» [i].
Quem é que hoje em dia se exalta ainda, como acontecia no tempo de S. Gregório Nazianzeno, ao pensar que se tornará «por assim dizer, Deus?» [ii]

Porém, logo que reflectem nisso, todos sentem o dramatismo do tempo que passa e a precaridade da vida humana.
E observam como são verdadeiras para todos, indistintamente, as palavras com que um poeta descrevia a situação e o estado de espírito dos soldados entrincheirados, na frente, na primeira guerra mundial:

Estamos aqui
Como as folhas
Nas árvores no Outono.
                                     (G. Ungaretti)

Portanto, se hoje em dia nem todos estão sensibilizados para a perspectiva de se tornarem «participantes da natureza divina», pelo contrário, estão sensibilizados para a perspectiva de se tornarem (assim parafraseava S. Máximo, Confessor, a expressão de 2Pd1,4) «participantes da eternidade divina» [iii]

A um amigo que lhe censurava o seu ardente anseio pela eternidade, como se isso fosse uma forma de orgulho e de presunção, M.de Unamuno respondeu certa vez:
«Não digo que nós merecemos um além, nem que a lógica no-lo demonstra; digo só que temos necessidade dele, quer o mereçamos ou não, e isso basta. Digo que aquilo que passa não me satisfaz, que tenho sede de eternidade, e que, sem ela, tudo me é indiferente. Tenho sede, muita sede de eternidade! Sem ela não tenho alegria de viver, nada mais tem interesse. É muito fácil afirmar: ‘O que é preciso é viver, temos que nos contentar com a vida’. E aqueles que não estão contentes com ela?» [iv]
Não é quem deseja a eternidade que denota desprezar o mundo e a vida terrena, mas sim quem não a deseja:
«Gosto tanto de viver – escreveu o mesmo autor – que perder a vida me parece o pior dos males. Aqueles que gozam a vida, dia a dia, sem se importarem com o facto de terem que a perder um dia, não gostam verdadeiramente dela» [v]

«Para que serve – dizia também Stº Agostinho – viver bem se não é possível viver sempre?»
Mas como passar, então, do dogma para a vida, do amor “por si” ao “amor por mim” de Cristo?
Como fazer brotar o grito e a promessa: «Eternidade, eternidade!» daquilo que já meditámos sobre Cristo?
Trata-se de aplicar ao conceito de eternidade aquilo que os Padres afirmavam de divindade de Cristo, com a doutrina da “permuta”.
Eles gostavam de repetir frequentemente: «Deus fez-Se homem para que o homem se tornasse Deus» [vi].

Nós podemos dizer: a eternidade entrou no tempo para que o tempo pudesse obter a eternidade, não só para no-la mostrar em Si; tal como veio para nos dar a vida divina e não só para no-la mostrar em Si.
O salto da eternidade para o tempo torna possível o salto do tempo para a eternidade.
A esperança da nossa eternidade, é, por isso, parte integrante do dogma cristológico, e brota dele como sua finalidade e seu fruto.
A esperança da eternidade é o triunfo da fé na encarnação.

O Iluminismo tinha posto a célebre questão de como seria possível alcançar a eternidade, quando se está no tempo, e como seria possível dar um ponto de partida histórico para uma consciência eterna [vii].
Noutras palavras: como seria possível justificar a posição da fé cristã que promete uma vida eterna e ameaça com uma pena também eterna, por actos praticados no tempo.
A única resposta válida para este problema, chamado “nó górdio da fé cristã”, é a que se fundamenta na fé na encarnação de Deus.
Em Cristo, o eterno apareceu no tempo; Ele mereceu para o homem uma salvação eterna.
Perante Ele, portanto,  mas somente perante Ele – é possível colocar um acto que, embora praticado no tempo, determina a eternidade [viii].

Tal acto consiste, na prática, em crer na divindade de Cristo:
«Estas coisas que vos escrevo dizia o evangelista João – para que saibais que tendes a vida eterna, vós que credes no nome do Filho de Deus» [ix]; e ainda:
«Todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá eternamente» [x].
A fé na divindade de Cristo abre a porta da vida eterna, permite dar o salto infinito.
Perante Jesus Cristo, precisamente porque Ele é homem e Deus ao mesmo tempo, é possível tomar uma decisão que tem repercussões eternas.

4. Eternidade, eternidade!

Eis-nos chegados, agora ao momento em que é preciso colher finalmente o fruto de todo o caminho percorrido: a eternidade.
Vamos deter aqui a nossa reflexão. Iremos acercar-nos desta palavra, até a fazermos reviver. Iremos aquecê-la, por assim dizer, com o nosso hálito, a fim de que ela seja reanimada.
Porque eternidade é uma palavra morta; deixámo-la morrer, como se deixa morrer uma criança abandonada e que já não é amamentada.
Do mesmo modo que na caravela em busca de novos mundos, quando já não havia esperança alguma de chegar a uma meta, ressoou, de improviso, o brado do vigia: “Terra, terra!”, e assim é preciso que na Igreja ressoe também o brado: “Eternidade, eternidade!”.

Que terá sucedido a esta palavra que era antigamente o motor secreto, ou a vela que fazia mover a Igreja no tempo, que era o pólo de atracção do pensamento dos crentes, a “massa” que fazia erguer os corações, como a lua cheia faz levantar as águas na maré alta?
A lâmpada foi silenciosamente colocada sob o alqueire, e a bandeira dobrada, como num exército em retirada.
«O além tornou-se um gracejo, uma exigência tão incerta que não só já ninguém a respeita, como até já ninguém a põe em perspectiva, ao ponto que até nos diverte pensar que houve uma época em que esta ideia transformava toda a existência» [xi].

Este fenómeno tem um nome bem preciso. Definido em relação ao tempo, chama-se secularismo ou temporalismo; definido em relação ao espaço, chama-se imanentismo.
Este é, hoje, o momento em que a fé, depois de ter recebido uma cultura peculiar, deve mostrar também saber contestá-la desde o seu íntimo, levando-a a superar as suas barreiras arbitrárias e as suas incoerências.

(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] 2Pd 1,4
[ii] Cfr. S Gregório Nazianzeno, Oratio, 1,5 (Pg 35,398); 7,23 (PG 15,485 B), S. Basilio, De Spir, S., 9,23 (PG 90, 109 C).
[iii] S. Máximo, Confessor, Capita, I, 42 (PG 90, 1193).
[iv] M. Unamuno, «Cartas a J. Bundain».
[v] Ibidem, p. 150
[vi] Cfr. Stº Ireneu, Adv. Aher., III, 19,1, V, praef.; S.Máximo, Confessor. , Cap. Theol., 2,25 (PG90), 1136 B)
[vii] G. E. Lessing, Uber den Beweis des geistes und der kraft, ed. Lachmann, X, p. 36
[viii] Cfr. C. Fabro, Introd. Às obras de Kierkegard, op. Cit. P. XLVI.
[ix] 1Jo 5,13
[x] Jo 11,26
[xi] S. Kierkegaard, «Postilla conclusiva», 4, in Obras, op. cit., p.458

Diálogos apostólicos

O DIVÓRCIO – 6 

A. O PROBLEMA DO DIVÓRCIO


Pergunto:

Mas, se não há divórcio, não poderá manter relações sexuais.


Respondo:

Esta dificuldade não se costuma colocar no momento do divórcio. Todos sabem que é fácil encontrar relações sexuais e a pouca felicidade que essas relações proporcionam.