Páginas

Tantos anos a lutar...

Surgiram nuvens negras de falta de vontade, de perda de entusiasmo. Caíram aguaceiros de tristeza, com a clara sensação de te encontrares atado. E, como remate, vieram os desânimos, que nascem de uma realidade mais ou menos objectiva: tantos anos a lutar... e ainda estás tão atrasado, tão longe! Tudo isso é necessário, e Deus conta com isso. Para conseguirmos o "gaudium cum pace" – a paz e a alegria verdadeiras – havemos de acrescentar à certeza da nossa filiação divina, que nos enche de optimismo, o reconhecimento da nossa própria fraqueza pessoal. (Sulco, 78)

Mesmo nos momentos em que percebemos mais profundamente a nossa limitação, podemos e devemos olhar para Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, sabendo-nos participantes da vida divina. Nunca existe razão suficiente para voltarmos atrás: o Senhor está ao nosso lado. Temos que ser fiéis, leais, encarar as nossas obrigações, encontrando em Jesus o amor e o estímulo para compreender os erros dos outros e superar os nossos próprios erros. Assim, todos esses desalentos – os teus, os meus, os de todos os homens – servem também de suporte ao reino de Cristo.


Reconheçamos as nossas fraquezas, mas confessemos o poder de Deus. O optimismo, a alegria, a convicção firme de que o Senhor quer servir-se de nós têm de informar a vida cristã. Se nos sentirmos parte dessa Igreja Santa, se nos considerarmos sustentados pela rocha firme de Pedro e pela acção do Espírito Santo, decidir-nos-emos a cumprir o pequeno dever de cada instante: semear todos os dias um pouco. E a colheita fará transbordar os celeiros. (Cristo que passa, 160)

Reflectindo - 267

Ansiedade

Muitas vezes deixamos que a ansiedade tome conta de nós e nos condicione o bem-estar.

Algo que estamos à espera que aconteça, alguém que ficou de telefonar ou vir ter connosco, enfim, a vida corrente de todos os dias.

Há que ter bem presente que o quer que seja que nos põe nesse estado acontecerá, ou não, independentemente da nossa ânsia.

Se o assunto é importante, encomendemos ao Anjo da Guarda, à Santíssima Virgem, e descansemos tranquilamente.

Ganharemos muito, sobretudo na tranquilidade que necessitamos para enfrentar algum revés que eventualmente suceda.


(AMA, reflexões, Carvide, 27.01.2017)


Evangelho e comentário

Tempo Comum


Evangelho: Mt 11, 25-27

25Naquela ocasião, Jesus tomou a palavra e disse: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos. 26Sim, ó Pai, porque isso foi do teu agrado. 27Tudo me foi entregue por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.»

Comentário:

Pode parecer que se as revelações de Jesus tivessem sido feitas aos sábios – os chefes do povo – estes poderiam ter acreditado e, assim, conduzirem por caminho seguro aqueles que deles dependiam.

Mas, de facto, o Senhor falou sempre para todos e, a prova disso, é que vários chefes – do Sinédrio, como Nicodemos, ou de sinagogas – ouviram, entenderam e acreditaram.

Mas, também de facto, os que acreditaram em Jesus e O seguiram foram muito mais gente do povo anónimo, talvez sem grande instrução, mas sequiosos de uma doutrina que lhes trouxesse esperança e alívio ao mesmo tempo.

Quem sabe muito tem muito maior responsabilidade, esta é a verdade, mas quem sabe pouco tem em si mesmo uma muito maior disposição para ver e ouvir e, sobretudo, acreditar no que vêm e ouvem.


(AMA, comentário sobre Mt 11, 25-27, 16.03.2017)

UM ANÚNCIO DA DEGRADAÇÃO

Vi na televisão, recentemente, um anúncio de uma conhecida bebida, que é o exemplo “perfeito” de como este mundo caminha a passos largos para a total degradação.


O anúncio consta de um homem que está a trabalhar numa piscina, quase em troco nu, e que via limpando o suor da sua cara. Obviamente o actor é um suposto modelo de homem, passe o termo, irresistível!
Vê-se então uma rapariga nova, (que depois se depreende ser a filha da família que vive na casa), que olha atentamente, podemos dizer, excitadamente, para o “trabalhador” em causa.
Noutra janela, um rapaz, (que depois se depreende ser o filho da família que vive na casa), com uma postura nitidamente efeminada, faz a mesma coisa que a rapariga, ou seja, olha atenta e excitadamente para o “limpador” da piscina.
Na cena seguinte, ambos, a rapariga e o rapaz, correm para o frigorífico, para ir buscar uma garrafa da tal bebida, e fazem uma corrida, com alguns percalços, para ver qual é o primeiro a servir o “trabalhador”, na mira óbvia de lhe agradar para os fins que se percebem.

Espantamo-nos então porque ao chegarem perto do homem, verificam que ele já está a beber a tal bebida, que lhe foi trazida por aquela que se presume ser a mãe dos jovens, e que também está “embevecida” com a figura do referido homem.

Não preciso explicar a ninguém o que tudo isto significa de degradação moral, mas ainda posso acrescentar que, como é óbvio numa mensagem destas, produzida para este mundo cada vez mais amoral, a figura do pai não existe!


E assim nos entra pela casa adentro a agenda política e social de um mundo em degradação.
Chamam-lhe “politicamente correcto”, o que em boa verdade se chama e é apenas a “obra do diabo”!


Até mesmo, com tristeza o digo, algumas vozes da Igreja defendem que a Palavra de Deus, os ensinamentos de Cristo, devem ser reinterpretados à “luz” do mundo, ou seja, deste mundo amoral.
(Antes que alguém se aproveite deste escrito, aviso desde já que não me refiro de modo nenhum ao Papa Francisco.)


Caminhamos apressadamente para o “fim do império romano”, ou seja, uma degradação que não terá retorno, a não ser quando de alguma forma “implodir” a sociedade de hoje, para renascer uma nova sociedade.

E quem se levantar para dizer algo, para protestar, para tentar mostrar a imoralidade da mensagem, etc., é “apontado a dedo”, é gozado, é perseguido pelas inúmeras organizações criadas por gente política com uma agenda bem precisa de degradação da sociedade.


E, no entanto, a Palavra de Deus “nunca” foi tão actual:

«Envio-vos como ovelhas para o meio dos lobos; sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. Tende cuidado com os homens: hão-de entregar-vos aos tribunais e açoitar-vos nas suas sinagogas; sereis levados perante governadores e reis, por minha causa, para dar testemunho diante deles e dos pagãos.
Mas, quando vos entregarem, não vos preocupeis nem como haveis de falar nem com o que haveis de dizer; nessa altura, vos será inspirado o que tiverdes de dizer. Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós. O irmão entregará o seu irmão à morte, e o pai, o seu filho; os filhos hão-de erguer-se contra os pais e hão-de causar-lhes a morte. E vós sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo.» Mt 10, 16-22

«Então, irão entregar-vos à tortura e à morte e, por causa do meu nome, todos os povos irão odiar-vos. Nessa altura, muitos sucumbirão e hão-de trair-se e odiar-se uns aos outros. Surgirão muitos falsos profetas, que hão-de enganar a muitos. E porque se multiplicará a iniquidade, vai resfriar o amor de muitos; mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvoMt 24, 9-13

Não nos calemos, não deixemos sobretudo de dar testemunho cristão, repitamos uns aos outros “não tenhas medo”, porque a nossa força, a nossa confiança, a nossa esperança, vem de Deus, do Deus que nos criou no Seu amor.

«Foi-me dado todo o poder no Céu e na Terra. Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos.» Mt 28, 19-20



(Joaquim Mexia Alves, Marinha Grande, 17 de Julho de 2017)

Epístolas de São Paulo – 106

Carta aos Hebreus - cap 10

APÊNDICE (13,1-25)

Últimas recomendações


- 1 Que permaneça a caridade fraterna. 2 Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos. 3 Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos que são maltratados, porque também vós tendes um corpo. 4 Seja o matrimónio honrado por todos e imaculado o leito conjugal, pois Deus julgará os impuros e os adúlteros. 5 Vivei sem avareza, contentando-vos com o que possuís, porque o próprio Deus disse: Não te deixarei nem te abandonarei. 6 Assim, podemos dizer confiadamente: O Senhor é o meu auxílio; não temerei; que poderá fazer-me um homem? 7 Recordai-vos dos vossos guias, que vos pregaram a palavra de Deus; observai o êxito da sua conduta e imitai a sua fé. 8 Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e pelos séculos. 9 Não vos deixeis levar por doutrinas diversas e estranhas, porque é bom que o coração seja fortalecido pela graça e não por alimentos, que de nada aproveitaram aos que insistiam nessa observância. 10 Nós temos um altar do qual não têm o direito de comer os que servem na tenda. 11 De facto, os corpos dos animais, cujo sangue é levado pelo Sumo Sacerdote ao santuário para a expiação dos pecados, são queimados fora do acampamento. 12 Por isso, também Jesus, para santificar o povo com o seu próprio sangue, padeceu fora das portas. 13 Saiamos, então, ao seu encontro fora do acampamento, suportando a sua humilhação, 14 porque não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura. 15 Por meio dele, ofereçamos continuamente a Deus um sacrifício de louvor, ist o é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome. 16 Não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir com os outros, pois são esses os sacrifícios que agradam a Deus. 17 Sede submissos e obedecei aos que vos guiam, pois eles velam pelas vossas almas, das quais terão de prestar contas; que eles o façam com alegria e não com gemidos, o que não seria vantajoso para vós. 18 Rezai por nós, pois estamos convencidos de ter uma boa consciência e desejamos comportar-nos bem em tudo. 19 Exorto-vos com maior insistência a que o façais, para que eu vos seja restituído mais depressa. 

Epístolas de São Paulo – 105

Carta aos Hebreus - cap 10

IV. A FÉ PERSEVERANTE (10,19-12,29)

A fé exemplar dos antepassados


- 1 Ora a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem. 2 Foi por ela que os antigos foram aprovados. 3 Pela fé, sabemos que o mundo foi organizado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê provém de coisas não visíveis. 4 Pela fé, Abel ofereceu a Deus um sacrifício maior que o de Caim; com base nela, foi declarado justo, porque Deus aceitou os seus dons e, por meio dela, fala ainda depois da morte. 5 Pela fé, Henoc foi arrebatado, para não ver a morte, e não foi encontrado porque Deus o tinha levado. Porém, antes de ser levado, obtivera o testemunho de que tinha agradado a Deus. 6 Ora, sem a fé é impossível agradar-lhe; e quem se aproxima de Deus tem de acreditar que Ele existe e recompensa aqueles que o procuram. 7 Pela fé, Noé, avisado acerca de coisas que ainda se não viam, e, tomando o aviso a sério, construiu uma Arca para salvar a sua família; por essa fé, condenou o mundo e tornou-se herdeiro da justiça que se obtém pela fé. 8 Pela fé, Abraão, ao ser chamado, obedeceu e partiu para um lugar que havia de receber como herança e partiu sem saber para onde ia. 9 Pela fé, estabeleceu-se como estrangeiro na Terra Prometida, habitando em tendas, tal como Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma promessa, 10 pois esperava a cidade bem alicerçada, cujo arquitecto e construtor é o próprio Deus. 11 Pela fé, também Sara, apesar da sua avançada idade, recebeu a possibilidade de conceber, porque considerou fiel aquele que lho tinha prometido. 12 Por isso, de um só homem, e já marcado pela morte, nasceu uma multidão tão numerosa como as estrelas do céu e incontável como a areia da beira-mar. 13 Foi na fé que todos eles morreram, sem terem obtido os bens prometidos, mas tendo-os somente visto e saudado de longe, confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. 14 Ora, os que assim falam mostram que procuram uma pátria. 15 Se eles tivessem pensado naquela que tinham deixado, teriam tido oportunidade de lá voltar; 16 mas agora eles aspiram a uma pátria melhor, isto é, à pátria celeste. Por isso, Deus não se envergonha de ser chamado o «seu Deus», porque preparou para eles uma cidade. 17 Pela fé, Abraão, quando foi posto à prova, ofereceu Isaac, e estava preparado para oferecer o seu único filho, ele que tinha recebido as promessas e 18 a quem tinha sido dito: Por meio de Isaac será assegurada a tua descendência. 19 De facto, ele pensava que Deus tem até poder para ressuscitar os mortos; por isso, numa espécie de prefiguração, recuperou o seu filho. 20 Pela fé, Isaac abençoou Jacob e Esaú, relativamente às coisas futuras. 21 Pela fé, Jacob, estando para morrer, abençoou cada um dos filhos de José e prostrou-se, apoiando-se na extremidade do seu bastão. 22 Pela fé, José, no fim da vida, evocou o êxodo dos filhos de Israel e deu instruções acerca dos seus ossos. 23 Pela fé, Moisés, acabado de nascer, foi escondido durante três meses pelos seus pais, porque viram que o menino era belo e não tiveram medo do decreto do rei. 24 Pela fé, Moisés, já crescido, recusou ser chamado filho da filha do Faraó, 25 preferindo ser maltratado com o povo de Deus, a desfrutar por breve tempo o gozo do pecado. 26 Ele considerou a humilhação de Cristo uma riqueza maior do que os tesouros do Egipto, pois tinha os olhos fixos na recompensa. 27 Pela fé, deixou o Egipto, sem temer a ira do rei, mantendo-se firme, como se contemplasse o Invisível. 28 Pela fé, celebrou a Páscoa e fez a aspersão do sangue, a fim de que o Exterminador não tocasse nos primogénitos de Israel. 29 Pela fé, atravessaram o Mar Vermelho como se fosse terra seca, ao passo que os egípcios foram engolidos quando tentavam passar. 30 Pela fé, caíram as muralhas de Jericó, depois de terem sido circundadas durante sete dias. 31 Pela fé, Raab, a prostituta, não pereceu com os incrédulos, por ter acolhido pacificamente os espiões. 32 Que mais direi? Faltar-me-ia o tempo se quisesse falar acerca de Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, David e Samuel e dos profetas, 33 os quais, pela fé, conquistaram reinos, exerceram a justiça, alcançaram promessas, fecharam a boca de leões, 34 extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza, recobraram a força, tornaram-se fortes na guerra, e puseram em fuga exércitos estrangeiros. 35 Algumas mulheres recuperaram os seus mortos por meio da ressurreição. Alguns foram torturados, não querendo aceitar a libertação, para obterem uma ressurreição melhor; 36 outros sofreram a prova dos escárnios e dos flagelos, das cadeias e da prisão. 37 Foram apedrejados, serrados ao meio, mortos ao fio da espada; andaram errantes cobertos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, atribulados e maltratados; 38 homens de quem o mundo não era digno, andaram vagueando pelos desertos, pelos montes, pelas grutas e pelas cavidades da terra. 39 E todos estes, apesar de terem recebido um bom testemunho, graças à sua fé, não alcançaram a realização da promessa, 40 porque Deus tinha previsto algo de melhor para nós, de modo que eles não alcançassem a perfeição sem nós.

Pequena agenda do cristão

Quarta-Feira



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)






Propósito:

Simplicidade e modéstia.


Senhor, ajuda-me a ser simples, a despir-me da minha “importância”, a ser contido no meu comportamento e nos meus desejos, deixando-me de quimeras e sonhos de grandeza e proeminência.


Lembrar-me:
Do meu Anjo da Guarda.


Senhor, ajuda-me a lembrar-me do meu Anjo da Guarda, que eu não despreze companhia tão excelente. Ele está sempre a meu lado, vela por mim, alegra-se com as minhas alegrias e entristece-se com as minhas faltas.

Anjo da minha Guarda, perdoa-me a falta de correspondência ao teu interesse e protecção, a tua disponibilidade permanente. Perdoa-me ser tão mesquinho na retribuição de tantos favores recebidos.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?







Fátima: Centenário - Vida de Maria - 30



Centenário das aparições da Santíssima 

Virgem em Fátima


Visitação


A voz do Magistério

O Magnificat é um cântico que revela em filigrana a espiritualidade dos anawim bíblicos, isto é, daqueles fiéis que se reconhecem "pobres" não só no desapego de qualquer idolatria da riqueza e do poder, mas também na humildade profunda do coração, despojado da tentação do orgulho, aberto à irrupção da graça divina que salva…

O primeiro movimento do cântico mariano [i] é uma espécie de voz solista que se eleva em direcção ao céu para alcançar o Senhor. Ouvimos precisamente a voz de Nossa Senhora que fala assim do seu Salvador, que fez maravilhas na sua alma e no seu corpo. Com efeito, observe-se o ressoar constante da primeira pessoa: "A minha alma... o meu espírito... meu salvador... chamar-me-ão bem-aventurada... fez grandes coisas em mim...". A alma da oração é, portanto, a celebração da graça divina que transbordou no coração e na existência de Maria, tornando-a a Mãe do Senhor.

A estrutura íntima do seu canto é, portanto, o louvor, o agradecimento, a alegria agradecida. Mas este testemunho pessoal não é solitário, intimista ou puramente individualista, porque a Virgem Mãe está consciente de ter uma missão a cumprir pela humanidade e de que a sua vida se insere na história da salvação. E assim pode dizer: "A sua misericórdia estende-se de geração em geração sobre aqueles que o temem"[ii]. Com este louvor ao Senhor, Nossa Senhora dá voz a todas as criaturas redimidas, que no seu Fiat, assim como na figura de Jesus nascido da Virgem, encontram a misericórdia de Deus.

Neste ponto desenvolve-se o segundo movimento poético e espiritual do Magnificat[iii]. Ele possui uma tonalidade mais coral, como que se à voz de Maria se associasse a da inteira comunidade dos fiéis que celebram as escolhas surpreendentes de Deus. No original grego do Evangelho de Lucas temos sete verbos no aoristo [iv], que indicam igual número de acções que o Senhor realiza de modo permanente na história: "Manifestou o poder do seu braço... dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu-os de bens... despediu os ricos... acolheu Israel".

Nestas sete acções divinas é evidente o "estilo" no qual o Senhor da história inspira o seu comportamento: ele declara-se do lado dos últimos. O seu projecto com frequência está escondido sob o terreno obscuro das vicissitudes humanas, que vêem triunfar "os soberbos, os poderosos e os ricos". Contudo a sua força secreta está destinada a revelar-se no final, para mostrar quem são os verdadeiros predilectos de Deus: "Os que o temem", fiéis à sua palavra; "os humildes, os famintos, Israel seu servo", isto é, a comunidade do povo de Deus que, como Maria, está constituída por aqueles que são "pobres", puros e simples de coração. É aquele "pequeno rebanho" que está convidado a não temer, porque ao Pai aprouve conceder-lhe o seu reino[v]. E assim este cântico convida a associarmo-nos a este pequeno rebanho, a ser realmente membros do Povo de Deus na pureza e na simplicidade do coração no amor de Deus.

Aceitemos então o convite, que no seu comentário ao texto do Magnificat, nos dirige santo Ambrósio. O grande Doutor da Igreja diz: "Esteja em cada um a alma de Maria que engrandece o Senhor, esteja em todos o espírito de Maria que exulta em Deus; se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo; de facto, cada uma acolhe em si o Verbo de Deus... A alma de Maria engrandece o Senhor, e o seu espírito exulta em Deus, porque, consagrada com a alma e com o espírito ao Pai e ao Filho, ela adora com afecto devoto um só Deus, do qual tudo provém, e um só Senhor, em virtude do qual todas as coisas existem"[vi].

Neste maravilhoso comentário do Magnificat de santo Ambrósio sensibiliza-me de modo particular a palavra surpreendente: "Se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo: de facto cada uma acolhe em si o Verbo de Deus". Assim o santo Doutor, interpretando as palavras de Nossa Senhora, convida-nos a fazer com que o Senhor encontre um abrigo na nossa alma e na nossa vida. Não devemos apenas levá-lo no coração, mas devemos levá-lo ao mundo, de forma que também nós possamos gerar Cristo para o nosso tempo. Peçamos ao Senhor que nos ajude a magnificá-lo com o Espírito e com a alma de Maria e a levar de novo Cristo ao nosso mundo.

Bento XVI (séc. XXI), Discurso na audiência geral, 15-II-2006.




[i] cf. Lc 1, 46-50
[ii] v. 50
[iii] cf. vv. 51-55
[iv] NT: um dos tempos pretéritos da conjugação grega
[v] cf. Lc 12, 32
[vi] Exposição do Evangelho segundo Lucas, 2, 26-27: SAEMO, XI, Milão-Roma 1978, p. 169