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26/04/2016

Publicações Abr 26

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São Josemaria – Textos

Próximo, São Gregório Magno

AMA - Comentários ao Evangelho Jo 14 27-31, Confissões - Santo Agostinho

Bento XVI - Pensamentos espirituais

São Tomás de Aquino – Suma Teológica, Suma Teológica - Tratado da Vida de Cristo - Do género de vida que Cristo levou - Quest 46 Art. 1

Celibato eclesiástico

Ideologias 4

Apostolado

AT - Génesis


Agenda Terça-Feira

Os demónios do apostolado

 
2. O Activismo

O demónio do activismo não significa ser muito activo ou muito trabalhador, ou ter muitas ocupações e apostolados diversos. Ser activo, apostólico, não é ser “activista” como tentação.

O activismo produz-se na medida em que aumenta a distância e a incoerência entre o que um apóstolo faz e diz, entre o que ele é e o que ele vive como cristão. É verdade que na condição humana aceitamos como normal a inadequação entre o “ser” e o “agir” mas, no caso do activismo, ela é acentuada e tende a crescer, não a diminuir, como seria o ideal do processo cristão.

O activismo tem muitas expressões. Uma delas é a falta de renovação na vida pessoal do apóstolo. Neste caso, normalmente a oração é insuficiente e deficiente. Não há momentos prolongados de silêncio e retiro. Não se cultiva o estudo, apenas se lê. Nem sequer se deixa tempo para descansar o suficiente e repor-se. Paralelamente, há sobrecarga de trabalho, de actividades múltiplas, e a agenda de compromissos costuma estar cheia. O activista dá a impressão de que é necessário, como estilo de vida, um grande volume de trabalho externo. Daí a criação de um círculo vicioso, cuja origem – excessiva actividade ou negligência em renovar-se – não é fácil identificar: por um lado está o aumento de actividades que torna cada vez mais difícil tomar as medidas de renovação interior, e que são as que conduzem ao crescimento no “ser”; por outro lado a incapacidade (que tende a crescer) de renovar-se tende a compensar-se e disfarçar-se com a entrega a um activismo desenfreado. Em última análise, o activismo é a desculpa do “escapismo”.

O activismo também se exprime numa das distorções mais radicais do apostolado: colocar toda a alma nos meios de acção e de apostolado, no que se organiza e se faz, esquecendo-se de Deus, quem é, afinal de contas, por quem se faz, se organiza e se trabalha. Com isso, o apóstolo transforma-se num profissional que multiplica iniciativas, habitualmente boas, não parando para discernir, para perguntar a Deus se são necessárias ou oportunas ou se é preciso fazê-las agora e desta maneira. Assim, os meios do apostolado acabam obscurecendo seu sentido e seu fim.

Outra expressão do demónio do activismo é não trabalhar ao ritmo de Deus, substituindo-o pelo próprio ritmo. Isso ocorre quando se vai mais rápido ou mais lento do que Deus. Normalmente, o activista, pelo menos num primeiro momento, costuma pecar por aceleração. É o resultado da desproporção, sempre existente, entre a visão e os projectos do apóstolo e a realidade das pessoas envolvidas. O normal é que um agente de pastoral tenha mais visão que a sua comunidade e que o seu povo, e saiba antes e melhor que eles onde e como chegar. Além disso, as pessoas não respondem ao ritmo que a gente quer, pois o ritmo do crescimento corresponde ao ritmo de Deus e não das nossas previsões. O ritmo de Deus é constante, mas de um processo lento. Os seres humanos, como as plantas e o resto da criação, não mudam e nem crescem à força, artificialmente, queimando etapas. É preciso esperar e ter paciência sem, com isso, deixar de educar, cultivar e exigir: é preciso ser como Deus, adequando-nos ao seu ritmo e forma de agir e transmitir a vida.

Pedagogicamente, esta forma de activismo pode ser desastrosa. Ao acelerar o ritmo das pessoas e dos processos, não somente se dificulta o crescimento destas pessoas, como se pode também destruir e “queimar” muitas delas; outras afastar-se-ão e será muito difícil recuperá­las. Em todo caso, dado o aparente fracasso de seu projecto, o activista, uma vez tendo experimentado o demónio da impaciência apostólica, facilmente cai na tentação do desânimo. “Aqui, com essa gente, não se pode fazer nada”. Pois, a impaciência e o desânimo são gémeos. Ambos são filhos do orgulho, da auto-suficiência, do esquecer que “tanto o que planta como o que rega não são nada, e sim Deus que faz crescer” [1].

Fonte: prebíteros

(revisão da versão portuguesa por ama)

Este texto é um extracto do livro do teólogo chileno segundo galilea, Tentación y Discernimiento, Narcea, Madrid 1991, p. 29-67.



[1] Cfr. 1 Cor 3, 7

Antigo testamento / Génesis

Génesis 26

Isaac e Abimeleque

1 Houve fome naquela terra, como tinha acontecido no tempo de Abraão. Por isso Isaac foi para Gerar, onde Abimeleque era o rei dos filisteus.

2 O Senhor apareceu a Isaac e disse: "Não desças ao Egipto; procura estabelecer-te na terra que eu te indicar.

3 Permanece nesta terra mais um pouco, e eu estarei contigo e te abençoarei. Porque a ti e aos teus descendentes darei todas estas terras e confirmarei o juramento que fiz a teu pai, Abraão.

4 Tornarei os teus descendentes tão numerosos como as estrelas do céu e lhes darei todas estas terras; e por meio da tua descendência todos os povos da terra serão abençoados, porque Abraão me obedeceu e guardou os meus preceitos, os meus mandamentos, os meus decretos e as minhas leis".

5 Assim Isaac ficou em Gerar.

6 Quando os homens do lugar lhe perguntaram sobre a sua mulher, ele disse: "Ela é minha irmã". Teve medo de dizer que era sua mulher, pois pensou: "Os homens deste lugar podem matar-me por causa de Rebeca, por ser ela tão bonita".

7 Isaac estava em Gerar há já muito tempo. Certo dia, Abimeleque, rei dos filisteus, estava olhando do alto de uma janela quando viu Isaac acariciando Rebeca, sua mulher.

9 Então Abimeleque chamou Isaac e disse-lhe: "Na verdade ela é tua mulher! Por que me disseste que ela era tua irmã?"
Isaac respondeu: "Porque pensei que eu poderia ser morto por causa dela".

10 Então disse Abimeleque: "Tens ideia do que nos fizeste? Qualquer homem bem poderia ter-se deitado com a tua mulher, e terias trazido culpa sobre nós".

11 E Abimeleque advertiu todo o povo: "Quem tocar neste homem ou na sua mulher certamente morrerá!"

12 Isaac formou lavoura naquela terra e no mesmo ano colheu a cem por um, porque o Senhor o abençoou.

13 O homem enriqueceu, e a sua riqueza continuou a aumentar, até que ficou riquíssimo.

14 Possuía tantos rebanhos e servos que os filisteus o invejavam.

15 Estes taparam todos os poços que os servos de Abraão, pai de Isaac, tinham cavado na sua época, enchendo-os de terra.

16 Então Abimeleque pediu a Isaac: "Sai da nossa terra, pois já és poderoso demais para nós".

17 Por isso Isaac mudou-se de lá, acampou no vale de Gerar e ali se estabeleceu.

18 Isaac reabriu os poços cavados no tempo de seu pai, Abraão, os quais os filisteus fecharam depois que Abraão morreu, e deu-lhes os mesmos nomes que seu pai lhes tinha dado.

19 Os servos de Isaac cavaram no vale e descobriram um veio d'água.

20 Mas os pastores de Gerar discutiram com os pastores de Isaac, dizendo: "A água é nossa!" Por isso Isaac deu ao poço o nome de Eseque, porque discutiram por causa dele.

21 Então os seus servos cavaram outro poço, mas eles também discutiram por causa dele; por isso o chamou Sitna.

22 Isaac mudou-se dali e cavou outro poço, e ninguém discutiu por causa dele. Deu-lhe o nome de Reobote, dizendo: "Agora o Senhor abriu-nos espaço e prosperare­mos na terra".

23 Dali Isaac foi para Berseba.

24 Naquela noite, o Senhor apareceu-lhe e disse: "Eu sou o Deus de teu pai, Abraão. Não temas, porque estou contigo; eu te abençoarei e multiplicarei os teus descendentes por amor ao meu servo Abraão".

25 Isaac construiu nesse lugar um altar e invocou o nome do Senhor. Ali armou acampa­mento, e os seus servos cavaram outro poço.

26 Por aquele tempo, veio ter com ele Abimeleque, de Gerar, com Auzate, seu conselheiro pessoal, e Ficol, o comandante dos seus exércitos.

27 Isaac perguntou-lhes: "Por que me vieram ver, uma vez que foram hostis e me mandaram embora?"

28 Eles responderam: "Vimos claramente que o Senhor está contigo; por isso dissemos: Façamos um juramento entre nós. Queremos firmar um acordo contigo:

29 Tu não nos farás mal, assim como nada te fizemos, mas sempre te tratamos bem e te despedimos em paz. Agora sabemos que o Senhor te tem abençoado".

30 Então Isaac ofereceu-lhes um banquete, e eles comeram e beberam.

31 Na manhã seguinte os dois fizeram juramento. Depois Isaac despediu-os e partiram em paz.

32 Naquele mesmo dia, os servos de Isaac vieram falar-lhe sobre o poço que tinham cavado e disseram: "Achamos água!"

33 Isaac deu-lhe o nome de Seba e, por isso, até o dia de hoje aquela cidade é conhecida como Berseba.

34 Tinha Esaú quarenta anos de idade quando escolheu por mulher Judite, filha de Beeri, o hitita, e também a Basemate, filha de Elom, o hitita.

35 Elas amarguraram a vida de Isaac e de Rebeca.


(Revisão da versão portuguesa por ama)








Pequena agenda do cristão


TeRÇa-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:
Aplicação no trabalho.

Senhor, ajuda-me a fazer o que devo, quando devo, empenhando-me em fazê-lo bem feito para to poder oferecer.

Lembrar-me:
Os que estão sem trabalho.

Senhor, lembra-te de tantos e tantas que procuram trabalho e não o encontram, provê às suas necessidades, dá-lhes esperança e confiança.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?





Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 14, 27-31

27 «Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe o vosso coração, nem se assuste. 28 Ouvistes que Eu vos disse: Vou e voltarei a vós. Se vós Me amásseis, certamente vos alegraríeis de Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que Eu. 29 Eu vo-lo disse agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis. 30 Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe deste mundo. Ele não pode nada contra Mim, 31 mas é preciso que o mundo conheça que amo o Pai e que faço como Ele Me ordenou. Levantai-vos, vamo-nos daqui.

Comentário:

Jesus Cristo frisa muitas vezes a razão pela qual revela aos discípulos certas coisas que acontecerão no futuro:

«disse-vo-lo agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis».

Ninguém pode dizer tal coisa a não ser o próprio Deus que é o Senhor do passado, do presente e do futuro.

Noutro local já se abordou a questão dos que procuram “adivinhos” ou “pessoas de virtude” numa vã tentativa de saber o que se irá passar num futuro próximo ou longínquo.

Que fique claro:

A Igreja proíbe essas práticas que além de inúteis são um desrespeito grave para com Deus.


(ama, comentário sobre Jo 14, 27-31, 2015.05.05)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

CAPÍTULO XIV

A profundidade das Escrituras

Admirável profundidade das tuas palavras! A sua aparência nos acaricia, como se acariciam as crianças! Sim, admirável profundidade, meu Deus, admirável profundidade! O meditá-las causa um arrepio sagrado, tremor de respeito, estremecimento de amor. Odeio com veemência os seus inimigos. Oh! Se pudesses fazê-los morrer sob o teu gládio de dois gumes, para que não tivessem mais inimigos! Desejaria que eles morressem para si mesmos, e que vivessem só para ti.

Mas há outros que não censuram mas, pelo contrário, exaltam o livro do Génesis, e que dizem: “Não é isto que quis dizer com essas palavras o Espírito de Deus, que as inspirou a teu servo Moisés. Não, o que ele quis dizer não é o que dizes, mas o que nós dizemos” – Eis, ó Deus de todos nós, o que eu lhes respondo: sê nosso árbitro.

CAPÍTULO XV

O que dizem os teus inimigos

Ousareis apontar como falso o que, com voz clara, a Verdade disse ao ouvido da minha alma sobre a verdadeira eternidade do Criador: ou seja, que a sua substância não varia no tempo, e que a sua vontade se confunde com a sua substância? E que por isso ele não quer ora isto, ora aquilo, mas quer o que sempre quis, simultaneamente e para sempre. A sua vontade não se exerce repetidas vezes, não se propõe ora esta, ora aquela finalidade, não quer o que antes não queria, nem deixa de querer o que antes queria, uma vez que tal vontade seria mutável, e o que é mutável não é eterno; ora, o nosso Deus é eterno.

Tereis por falazes as palavras da Verdade faladas ao ouvido da minha alma: que a espera das coisas futuras se torna contemplação, quando presentes, e que depois se transforma em memória, quando passadas? Que todo o pensamento que varia assim é mutável, e que nada do que é mutável é eterno? Ora, o nosso Deus é eterno. E, reunindo e condensando estas verdades, deduzo que o meu Deus, o Deus eterno, não criou o mundo por um novo acto de volição, e que a sua ciência não admite nada que seja transitório.

Que respondeis, então, meus contraditores? Será isso falso? – Não, dizem eles. – Mas então? Será que erro afirmar que toda a criatura que tem forma, que toda a matéria susceptível de a ter recebe o seu ser somente daquele que é Bondade soberana, porque ele é Ente supremo? – Também não o negamos. – Então, que negais? Negais talvez que haja uma criatura sublime, unida por um casto amor ao Deus verdadeiro e eterno, sem lhe ser co-eterna, que dele não se separa nem se desvia para as várias vicissitudes do tempo, mas, pelo contrário, repousa apenas na sua contemplação? Com efeito, ama-te tanto quanto pedes, ó Deus, e mostras-lhe a tua face e a sacias, e ela jamais se afasta de ti, nem ruma a si mesma. Ela é a morada de Deus, não terrena, e nem formada de substância do céu material, habitáculo espiritual que participa da tua eternidade, imaculada por toda a eternidade. Tu a fundaste pelos séculos dos séculos; estabeleceste uma ordem, que não passará jamais. Contudo, essa lei não é co-eterna, porque teve princípio, foi criada.

Não encontramos o tempo antes dessa criação, porque a sabedoria foi a primeira de todas as tuas criações. E é claro que não me refiro à Sabedoria da qual és Pai, ó nosso Deus, e que te é perfeitamente igual e co-eterna, por quem todas as coisas foram criadas, e que é o princípio em que criaste o céu e a terra; refiro-me à sabedoria criada, dessa essência intelectual que, pela contemplação da luz, também é luz; a esta, embora criada, também a chamamos sabedoria. E assim como a luz que ilumina difere da luz reflectida, a sabedoria criada difere da sabedoria incriada; e a justiça justificante difere da justiça nascida da justificação. Nós fomos também chamados pela tua justiça. Porque um dos teus servos disse: “Para que, em Cristo, nos tornemos a justiça de Deus”. – Há portanto, uma sabedoria criada antes de todas as coisas, e ela foi criada como espírito racional e inteligente, que habita a tua cidade santa, nossa mãe, que está no alto, livre e eterna nos céus – e em que céus, senão aos céus dos céus, que te louvam, esse céu que pertence ao Senhor? – Se não encontramos o tempo antes dessa sabedoria, é porque ela precede a criação do tempo, tendo sido criada primeiro, mas antes dela há a eternidade do seu Criador, de quem recebeu a sua origem, e não do tempo, pois este ainda não existia, mas pela sua condição de criatura criada.

Ela procede pois, de ti, nosso Deus, embora seja de essência absolutamente diversa da tua. Não encontramos nenhum tempo, não apenas antes dela, mas nela própria, porque ela é capaz de contemplar sempre a tua face sem jamais se apartar de ti, sendo incólume às mudanças e às variações. Contudo, há nela certa mutabilidade que poderia torná-la tenebrosa e gélida, não fosse o grande amor que a une a ti e que brilha como meridiana luz e calor.

Ó morada luminosa e pura! Amei a tua beleza e o lugar onde mora a glória do meu Senhor, teu criador e possuidor. Por ti eu suspiro durante o meu exílio! Peço àquele que te criou que me possua também em ti, pois também me criou. Errei como ovelha desgarrada, mas espero ser reconduzido a ti nos ombros do meu pastor, teu arquitecto.

Que me respondeis a isto, meus contraditores, vós que, também considerais Moisés um servo piedoso de Deus, e os seus livros como oráculos do Espírito Santo? Não será esta a casa de Deus que, sem lhe ser co-eterna, é contudo, á sua maneira, eterna nos céus? Em vão buscais aí as vicissitudes do tempo, pois não as encontrareis, uma vez que ela transcende toda extensão, toda volubilidade do tempo, e a sua felicidade é estar intimamente unida a Deus para sempre.

– Assim é – dizem eles.

Mas então, qual das verdades que o meu coração proclamou diante de Deus, quando escutava no meu íntimo a voz que canta só glória, podeis apontar como falsa? O que disse sobre matéria informe, na qual não podia haver ordem por carecer de forma? Mas onde não havia ordem não podia haver vicissitude de tempo; mas esse quase nada, enquanto não era o nada absoluto, provinha certamente daquele de onde nasce tudo o que, de algum modo, existe.

– Tampouco negamos isto – dizem eles.

CAPÍTULO XVI

Outros adversários das Escrituras

Quero discutir diante de ti apenas com os que reconhecem como verdadeiras as afirmações que a tua verdade revelou à minha inteligência. Os que o negam, que ladrem quanto quiserem, até ficar roucos. Tentarei persuadi-los a que se acalmem, e deem acesso nos seus corações à tua palavra. Se não o quiserem e me repelirem, peço-te, meu Deus, que não te cales, não te afastes de mim. Fala com verdade no meu coração, porque só tu podes falar assim. E eu os deixarei fora, soprando o pó e levantando terra contra os próprios olhos. Retirar-me-ei em mim mesmo, levantando-te cânticos de amor, soluçando altos gemidos durante o meu exílio, lembrando-me de Jerusalém, voltando para ela o meu coração – Jerusalém, minha pátria e minha mãe – e para ti, que reinas sobre ela, seu pai, sua luz, seu tutor, seu esposo, suas castas e grandes delícias, sua firme alegria, enfim, todos seus bens inefáveis, porque és o único, soberano e verdadeiro Bem. Não me apartarei de ti até que reúnas todas as partes dispersas e deformadas do meu ser na paz dessa mãe muito amada, onde estão as primícias do meu espírito, e de onde me vêm todas as certezas, e nela me reformes e confirmes por toda a eternidade, ó meu Deus, minha misericórdia.

Àqueles que, sem negar essas verdades, respeitando a tua Escritura Sagrada, obra do piedoso Moisés, e reconhecendo nela, connosco, a mais alta autoridade a seguir, e contudo nos opõem salguma objecções, dirijo estas palavras: “Tu, que és nosso Deus, serás árbitro entre as minhas confissões e suas objecções”.

CAPÍTULO XVII

Opiniões diversas sobre o céu e a terra

Eles dizem: “Sem dúvida, isso é verdade, mas não era isso que Moisés queria exprimir quando, inspirado pelo Espírito Santo, escreveu: “No princípio criou Deus e céu e a terra” – Pela palavra céu, não quis significar essa criatura espiritual ou intelectual, que contempla eternamente a face de Deus; e pela palavra terra, uma matéria informe.

 – Que quis dizer então? –

O que nós afirmamos – respondem – isso é o que Moisés quis dizer, e o que expressou naquelas palavras. – E que é que afirmais? – Pelas palavras céu e terra quis significar, em primeiro lugar, globalmente e de forma concisa, todo o mundo visível, para em seguida pormenorizar, enumerando os dias, ponto por ponto, esse conjunto que aprouve ao Espírito Santo designar com uma expressão global. O povo rude e carnal ao qual falava era constituído de homens tais que julgou conveniente dar-lhes a conhecer apenas as obras visíveis de Deus”.

Quanto a esta terra invisível e informe, a este abismo de trevas, com que, durante seis dias, foram sucessivamente criadas e ordenadas todas as coisas visíveis que são conhecidas de todos, eles concordam comigo em que se pode entender com isso, sem erro, essa matéria informe de que falei.

Algum outro dirá, talvez, que a realidade invisível e visível não foi chamada impropriamente céu e terra, e portanto, que o universo criado por Deus na sabedoria, isto é, no princípio, está compreendido sob esses dois termos. Porém as coisas não foram feitas da substância de Deus, mas do nada, e não se confundem com Deus, e nelas existe o princípio da mutabilidade, quer permaneçam como morada eterna de Deus, quer mudando-se como a alma e o corpo do homem.

Por isso a matéria comum a todas as coisas invisíveis e visíveis, matéria ainda informe, mas susceptível de forma, e de onde se fariam o céu e a terra – noutras palavras, a criação invisível e visível – mas uma e outra tendo recebido forma, foi designada por essas expressões de terra invisível e informe, e de trevas reinando sobre o abismo. Com a seguinte distinção: por terra invisível e informe deve-se entender a matéria corpórea antes de ser qualificada pela forma; e por trevas reinando sobre o abismo, a matéria espiritual antes da restrição da sua, digamos, imoderada fluidez, e antes de ser iluminada pela sabedoria.

Poderia alguém afirmar, se quisesse: Esses termos céu e terra não significam realidades perfeitas e acabadas, lá onde lemos: No princípio Deus criou o céu e a terra – mas um esboço ainda informe, uma matéria passível de receber forma e servir para a criação; nela já existiam, como que um embrião, sem distinção de formas e de qualidades, essas criaturas, uma espiritual, e outra material que, ordenadas como estão agora, são chamadas céu e terra.

(Revisão de versão portuguesa por ama)


Tratado da vida de Cristo 97

Questão 46: Da Paixão de Cristo

Em seguida devemos tratar do concernente à partida de Cristo, deste mundo. E primeiro, da sua paixão. Segunda, da sua morte. Terceiro, da sua sepultura. Quarto, da descida aos infernos. Sobre a paixão temos três considerações a fazer. Primeiro, da sua paixão em si mesma. Segunda, da causa eficiente da paixão. Terceiro, do fruto da paixão.


Na primeira questão discutem-se doze artigos:


Art. 1 — Se era necessário Cristo sofrer pela libertação do género humano.
Art. 2 — Se era possível outro modo da libertação humana que não fosse a paixão de Cristo.
Art. 3 — Se havia outro modo mais conveniente da liberação humana do que pela paixão de Cristo.
Art. 4 — Se Cristo devia ter sofrido na cruz.
Art. 5 — Se Cristo sofreu todos os sofrimentos.
Art. 6 — Se a dor da paixão de Cristo foi maior que todas as outras dores.
Art. 7 — Se Cristo sofreu em toda a sua alma.
Art. 8 — Se a alma de Cristo, durante o tempo da sua paixão, fruía totalmente o gozo da bem-aventurança.
Art. 9 — Se Cristo sofreu no tempo conveniente.
Art. 10 — Se Cristo sofreu no lugar conveniente.
Art. 11 — Se foi conveniente Cristo ser crucificado com os ladrões.
Art. 12 — Se a paixão deve ser atribuída à sua divindade.

Art. 1 — Se era necessário Cristo sofrer pela libertação do género humano.

 O primeiro discute-se assim. Parece que não era necessário Cristo sofrer pela libertação do género humano.

1. — Pois, só Deus podia liberar o género humano, segundo a Escritura: Porventura não sou eu o Senhor e não é assim que não há outro Deus senão eu? Deus justo e salvador não no há fora de mim. Ora, Deus não está sujeito a nenhuma necessidade, o que lhe repugnaria à omnipotência. Logo, não era necessário que Cristo sofresse.

2. Demais. — O necessário opõe-se ao voluntário. Ora, Cristo sofreu por vontade própria, como o diz a Escritura: Foi oferecido porque ele mesmo quis. Logo, não foi necessário que sofresse.

3. Demais. — Como diz a Escritura, todos os caminhos do Senhor são misericórdia e verdade. Ora, não era necessário que sofresse, por parte da misericórdia divina, a qual, assim como distribui os seus dons gratuitamente, assim também há-de gratuitamente perdoar as dívidas sem satisfação. Nem por parte da justiça divina, pela qual o homem merecera a condenação eterna. Logo, parece que não era necessário ter Cristo sofrido pela libertação dos homens.

4. Demais. — A natureza angélica é mais excelente que a humana, como ensina Dionísio. Ora, Cristo não sofreu para reparar a natureza angélica, que tinha pecado. Logo, parece que não lhe fora também necessário sofrer pela salvação do género humano.

Mas, em contrário, o Evangelho: Como Moisés no deserto levantou a serpente, assim importa que seja levantado o Filho do homem, para que todo o que crê nele não pereça, mas tenha a vida eterna. O que se entende da exaltação na cruz. Logo, parece que Cristo devia ter sofrido.

SOLUÇÃO. — Como o ensina o Filósofo, a palavra necessária é susceptível de muitas acepções. — Numa, significa o que não pode por sua natureza, apresentar-se de modo diferente. E, nesse sentido, é claro que não foi necessário Cristo ter sofrido, nem da parte de Deus nem da do homem. — Noutra, o necessário é-o em virtude de uma causa exterior. Se essa causa for eficiente ou motriz, produz a necessidade de coacção; tal o caso de quem não pode andar por causa da violência do que o detém. Se porém essa causa exterior geratriz da necessidade for o fim, o necessário sê-lo-á pela suposição do fim; isto é, quando o fim de nenhum modo pode ser atingido sem esse meio necessário, ou não o pode convenientemente, senão recorrendo a tal meio. Logo, que Cristo sofresse não era necessário por uma necessidade de coacção: nem por parte de Deus, que o determinou a sofrer, nem por parte do próprio Cristo, que sofreu voluntariamente.

Necessário, porém o foi pela necessidade de fim. O que podemos entender de três modos. — Primeiro, relativamente a nós, que fomos liberados pela sua paixão, segundo o Evangelho: Importa que seja levantado o Filho do homem, para que todo o que crê nele não pereça, mas tenha a vida eterna. — Segundo, relativamente ao próprio Cristo, que pelas humilhações da paixão mereceu a glória da exaltação. E a isso se refere o Evangelho quando pergunta: Porventura não importava que o Cristo sofresse estas coisas e que assim entrasse na sua glória? — Terceiro, relativamente a Deus, cuja determinação concernente à paixão de Cristo foi profetizada nas Escrituras e prefigurada, nas observâncias do Velho Testamento. E é o que diz o Evangelho: O Filho do homem vai segundo o que está decretado. E mais adiante: É o que queriam dizer as palavras que eu vos dizia quando ainda estava convosco, que era necessário que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés e nos profetas e nos salmos. E ainda: Assim é que estava escrito que importava que o Cristo padecesse e que ressurgisse dos mortos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. - A objecção colhe, quanto à necessidade imposta pela coacção, da parte de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção colhe, quanto à necessidade imposta pela coacção, da parte do homem Cristo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Liberar o homem pela paixão de Cristo, convinha tanto à misericórdia como à justiça de Cristo. À justiça, porque com a sua paixão Cristo satisfez pelo pecado do género humano; e assim o homem foi libertado pela justiça de Cristo. À misericórdia, por seu lado, porque não podendo o homem por si mesmo satisfazer pelo pecado de toda a natureza humana, como se disse, Deus lhe deu o seu Filho único como reparador, segundo o Apóstolo: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça, pela redenção que tem em Jesus Cristo, ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue. O que implicava uma misericórdia mais abundante que se tivesse perdoado os pecados, sem satisfação. Donde o dizer o Apóstolo: Deus, que é rico em misericórdia, pela sua extremada caridade, com que nos amou, ainda quando estávamos mortos pelos pecados, nos deu vida juntamente em Cristo.

RESPOSTA À QUARTA. — O pecado do anjo não era reparável, como o era o do homem, como resulta do que foi dito na Primeira Parte.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.