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10/03/2015

2015.03.10






O que pode ver hoje em NUNC COEPI







Não cries necessidades - São Josemaria – Textos

Evangelho, coment. L esp. (Exort. Apost. Evangelli gaudium) - AMA - Comentários ao Evangelho Mt 18 21-25, Exort. Apost. Evangelii gaudium (Papa Francisco)


Temas para meditar 389 - Hom. sobre S. Mateus (S. João Crisóstomo), Perseverança, São João Crisóstomo

Bento VXI – Pensamentos espirituais 41 - Bento XVI - Pensamentos espirituais

Reflectindo na Quaresma 5 - AMA - Reflectindo na Quaresma 5 - Reconvenção

Tratado do verbo encarnado 137 - Suma Teológica - Tratado do Verbo Encarnado - Quest 22 - Art 5, São Tomás de Aquino


Pequena agenda do cristão - Agenda Terça-Feira

Não cries necessidades

Não esqueças: tem mais aquele que precisa de menos. – Não cries necessidades. (Caminho, 630)

Há muitos anos – mais de vinte e cinco – eu costumava passar por um refeitório de caridade, para mendigos que não comiam em cada dia outro alimento senão o que ali lhes davam. Tratava-se de um local grande, entregue aos cuidados de um grupo de senhoras bondosas. Depois da primeira distribuição, acudiam outros mendigos, para recolher as sobras. Entre os deste segundo grupo houve um que me chamou a atenção: era proprietário de uma colher de lata! Tirava-a cuidadosamente do bolso, com avareza, olhava-a com satisfação e, quando acabava de saborear a sua ração, voltava a olhar para a colher com uns olhos que gritavam: é minha! Dava-lhe duas lambedelas para a limpar e guardava-a de novo, satisfeito, nas pregas dos seus andrajos. Efectiva mente era sua! Um pobre miserável que, entre aquela gente, companheira de desventura, se considerava rico.

Por essa altura, conhecia também uma senhora com título nobiliárquico, Grande de Espanha. Isto não conta nada diante de Deus: somos todos iguais, todos filhos de Adão e Eva, criaturas débeis, com virtudes e com defeitos, capazes dos piores crimes, se o senhor nos abandona. Desde que Cristo nos redimiu, não há diferença de raça, nem de língua, nem de cor, nem de estirpe, nem de riquezas... Somos todos filhos de Deus. Essa pessoa de que vos falo agora residia numa casa solarenga, mas não gastava consigo mesma nem duas pesetas por dia. Por outro lado, pagava muito bem aos seus empregados e o resto destinava-o a ajudar os necessitados, passando ela própria privações de todo o género. A esta mulher não lhe faltavam muitos desses bens que tantos ambicionam, mas ela era pessoalmente pobre, muito mortificada, completamente desprendida de tudo. Compreendestes bem? Aliás, basta escutar as palavras do Senhor: bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus.


Se desejas alcançar esse espírito, aconselho-te a que sejas sóbrio contigo e muito generoso com os outros. Evita os gastos supérfluos por luxo, por capricho, por vaidade, por comodidade...; não cries necessidades. Numa palavra, aprende com S. Paulo a viver na pobreza e a viver na abundância, a ter fartura e a passar fome, a ter de sobra e a padecer necessidade. Tudo posso naquele que me conforta. E, como o Apóstolo, também sairemos vencedores da luta espiritual, se mantivermos o coração desapegado, livre de ataduras. (Amigos de Deus, nn. 123–124)

Reflectindo na Quaresma 5

 

Vejo com meridiana clareza a tarefa enorme que me espera e não consigo entender como Senhor ma propõe:

Refiro-me a uma reconvenção séria e detalhada de toda a minha vida!

Mas sei absolutamente que Ele nunca pede nada impossível e animado por esta certeza ponho “mãos à obra” começando exactamente pelo propósito firme de “apesar dos pesares” levar a cabo o que Ele me pede.

Conseguirei? Não sei nem isso me importa muito desde que chegado a Domingo de Páscoa possa dizer com verdade:

‘Senhor… eu tentei’!


(ama, Reflectindo na Quaresma, 2015.03)

Tratado do verbo encarnado 137 – Mar 10

Questão 22: Do sacerdócio de Cristo

Art. 5 — Se o sacerdócio de Cristo permanece eternamente.

O quinto discute-se assim. — Parece que o sacerdócio de Cristo não permanece eternamente.

1. — Pois, como se disse, só precisam do efeito do sacerdócio os contaminados pela enfermidade do pecado, que pode ser expiada pelo sacrifício do sacerdote. Ora, isso não se dará nunca, porque os santos não tem nenhum pecado, segundo a Escritura: O teu povo serão todos os justos; e quanto ao pecado dos pecadores será inexpiável, porque não há para o inferno nenhuma redenção. Logo, o sacerdócio de Cristo não é eterno.

2. Demais. — O sacerdócio de Cristo manifestou-se sobretudo pela sua paixão e morte, quando pelo seu próprio sangue entrou no santuário, como diz o Apóstolo. Ora, Cristo não sofrerá paixão nem morrerá eternamente, segundo o Apóstolo: Tendo Cristo ressurgido dos mortos, já não morre. Logo, o sacerdócio de Cristo não é eterno.

3. Demais. — Cristo é sacerdote, não enquanto Deus, mas enquanto homem. Ora, Cristo algum tempo não foi homem, isto é, no tríduo da sua morte. Logo, o sacerdócio de Cristo não é eterno.

Mas, em contrário, a Escritura: Tu és sacerdote eternamente.

No ofício do sacerdote podemos considerar duas coisas: primeiro, a própria oblacção; do sacrifício; segundo, a consumação do sacrifício, consistente em lhe alcançarem o fim aqueles por quem é oferecido. Ora, o fim do sacrifício que Cristo ofereceu não foram os bens temporais, mas os eternos, que pela sua morte alcançamos. Por isso diz o Apóstolo, que Cristo é o Pontífice presente dos bens vindouros; em razão do que se diz ser eterno o sacerdócio de Cristo. E essa consumação do sacrifício de Cristo foi prefigurada no próprio facto de que o pontífice da lei entrava uma vez por ano no santo dos santos com o sangue de um bode e de um novilho, como lemos na Escritura; embora o bode e o novilho não os imolasse no santo dos santos, mas fora. Semelhantemente, Cristo entrou no santo dos santos, isto é, no céu, e preparou-nos o caminho para nele entrarmos por virtude do seu sangue, que por nós derramou na terra.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os santos que estiverem na pátria, não precisam mais de expiar, pelo sacerdócio de Cristo; mas, tendo já expiado, precisarão de consumar, mediante o mesmo Cristo, de quem lhes depende a glória. Donde o dizer a Escritura: A claridade de Deus a alumia, isto é, a cidade dos santos, e a lâmpada dela é o Cordeiro.

RESPOSTA À SEGUNDA· — Embora a paixão e a morte de Cristo não devam renovar-se no futuro, contudo a virtude de uma tal vítima, já oferecida, permanece eternamente; pois, como diz o Apóstolo, com uma só oferenda fez perfeitos para sempre os que tem santificado.

Donde se deduz clara A RESPOSTA À TERCEIRA OBJECÇÃO. — Mas a unidade dessa oblacção era figurada na lei pelo facto de uma vez no ano o pontífice da lei entrar no santo dos santos com a solene oblação, como se lê na Escritura. Mas a verdade da figuração não era completa por essa vítima não ter uma virtude sempiterna, e por isso haver necessidade de ser renovada anualmente.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Temas para meditar 389

Perseverança 



Continua fazendo as mesmas exortações e nunca com preguiça; actua sempre com amabilidade e graça. Não vês com que quando os pintores umas vezes borram os seus traços, outras retocam-nos, quando tratam de reproduzir um belo rosto? Não te deixes ganhar pelos pintores. Porque se eles põem tanto cuidado na pintura de uma imagem corporal, com maior razão nós, que tratamos de formar a imagem de uma alma, não deixaremos pedra por mover a fim de consegui-la perfeita.


(s. joão crisóstomo, Homílias sobre o Evangelho de S. Mateus, 30)

O que é o pecado? 1

Pecado original, pessoal, venial, mortal, capital... O que é que tudo isso quer dizer?

O conceito de pecado é bastante simples: basicamente, o pecado é um ato de egoísmo exagerado.
É preferir-se a si mesmo e antepor-se a Deus e aos outros, cedendo às paixões desordenadas que nos colocam no centro da nossa própria existência e negando a nossa natureza, que só se completa quando se abre ao próximo e a Deus.
O pecado é a recusa a instaurar com Deus e com os outros uma relação de amor.
O pecado é um "converter-se às criaturas" e "rejeitar o Criador".
Em geral, o pecador só deseja os prazeres proporcionados pelas criaturas, e não necessariamente quer rejeitar o Criador.
No entanto, ao se deixar seduzir por satisfações fugazes proporcionadas pelas criaturas, o pecador sabe, implicitamente, que está agindo contra o amor do Criador, pois sente que o prazer terreno não o preenche e, mesmo assim, não resiste a ele.

É por isso que o pecado fere o próprio pecador, afastando-o da plenitude oferecida por Deus.
E é por isso que o pecado ofende a Deus: não porque Deus, como Deus, seja diminuído, mas porque nós próprios, ao pecar, nos diminuímos diante da grandeza que Deus nos oferece.

Para Jesus, o pecado nasce no interior do homem[i].
É por isso que é necessária a transformação interior, do coração. Para Jesus, o pecado é uma escravidão: o homem se deixa ficar em poder do maligno, valorizando falsamente as coisas deste mundo, deixando-se arrastar pelo imediato, por satisfações sensíveis que não saciam a nossa sede de amor e de plenitude.

(cont)

Fonte: ALETEIA

(Revisão da versão portuguesa por ama)



[i] cf. Mt 15, 10-20

Evangelho, coment. L esp. (Exort. Apost. Evangelli gaudium)

Tempo de Quaresma III Semana

São João de Deus

Evangelho: Mt 18 21-25

21 Então, aproximando-se d'Ele Pedro, disse: «Senhor, até quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?». 22 Jesus respondeu-lhe: «Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23 «Por isso, o Reino dos Céus é comparável a um rei que quis fazer as contas com os seus servos. 24 Tendo começado a fazer as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. 25 Como não tivesse com que pagar, o seu senhor mandou que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo o que tinha, e se saldasse a dívida. 26 Porém, o servo, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei tudo”. 27 E o senhor, compadecido daquele servo, deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. 28 «Mas este servo, tendo saído, encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários e, lançando-lhe a mão, sufocava-o dizendo: “Paga o que me deves”. 29 O companheiro, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei”. 30 Porém ele recusou e foi mandá-lo meter na prisão, até pagar a dívida. 31 «Os outros servos seus companheiros, vendo isto, ficaram muito contristados e foram referir ao seu senhor tudo o que tinha acontecido. 32 Então o senhor chamou-o e disse-lhe: “Servo mau, eu perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste. 33 Não devias tu também compadecer-te do teu companheiro, como eu me compadeci de ti?”. 34 E o seu senhor, irado, entregou-o aos guardas, até que pagasse toda a dívida. 35 «Assim também vos fará Meu Pai celestial, se cada um não perdoar do íntimo do seu coração ao seu irmão»


Comentário:

O perdão é uma capacidade exclusiva do ser humano porque lhe advém da sua imagem e semelhança com Deus.

Perdoar é, no fim e ao cabo, amar, e Deus é amor, perdão.

Quem não ama não se sente urgido a perdoar nem sente a necessidade de ser perdoado.

È tão triste ver essas pessoas carregando uma enorme lista de agravos e ofensas de que se considera alvo e, quanto mais a carrega e nela se detém, mais acrescenta até que, coisas mínimas e sem nenhuma importância – a maior parte das vezes não passam de diferenças de opinião – adquirem um volume e um peso enormes.

O egoísmo e amor próprios são os responsáveis por estas atitudes que tornam as pessoas cada vez mais separadas da realidade, as afasta gradualmente do convívio com os outros e as convertem em pessoas insuportáveis e antipáticas.

Quase sempre, se não arrepiam caminho, acabam sozinhas, sem amigos e, até, sem família que lhes queira verdadeiramente.

(ama, cometário sobre Mt 18, 21-35, 2013.03.05)


Leitura espiritual



EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE O ANÚNCIO

Outros desafios eclesiais

102. A imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Ao seu serviço, está uma minoria: os ministros ordenados. Cresceu a consciência da identidade e da missão dos leigos na Igreja. Embora não suficiente, pode contar-se com um numeroso laicado, dotado de um arreigado sentido de comunidade e uma grande fidelidade ao compromisso da caridade, da catequese, da celebração da fé. Mas, a tomada de consciência desta responsabilidade laical que nasce do Baptismo e da Confirmação não se manifesta de igual modo em toda a parte; nalguns casos, porque não se formaram para assumir responsabilidades importantes, noutros por não encontrar espaço nas suas Igrejas particulares para poderem exprimir-se e agir por causa dum excessivo clericalismo que os mantém à margem das decisões. Apesar de se notar uma maior participação de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflecte na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e económico; limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade. A formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio pastoral.

103. A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens. Por exemplo, a especial solicitude feminina pelos outros, que se exprime de modo particular, mas não exclusivamente, na maternidade. Vejo, com prazer, como muitas mulheres partilham responsabilidades pastorais juntamente com os sacerdotes, contribuem para o acompanhamento de pessoas, famílias ou grupos e prestam novas contribuições para a reflexão teológica. Mas ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Porque «o génio feminino é necessário em todas as expressões da vida social; por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no âmbito do trabalho»[i] e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais.

104. As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem iludir superficialmente. O sacerdócio reservado aos homens, como sinal de Cristo Esposo que Se entrega na Eucaristia, é uma questão que não se põe em discussão, mas pode tornar-se particularmente controversa se se identifica demasiado a potestade sacramental com o poder. Não se esqueça que, quando falamos da potestade sacerdotal, «estamos na esfera da função e não na da dignidade e da santidade».[ii] O sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus utiliza ao serviço do seu povo, mas a grande dignidade vem do Baptismo, que é acessível a todos. A configuração do sacerdote com Cristo Cabeça – isto é, como fonte principal da graça – não comporta uma exaltação que o coloque por cima dos demais. Na Igreja, as funções «não dão justificação à superioridade de uns sobre os outros».[iii] Com efeito, uma mulher, Maria, é mais importante do que os Bispos. Mesmo quando a função do sacerdócio ministerial é considerada «hierárquica», há que ter bem presente que «se ordena integralmente à santidade dos membros do corpo místico de Cristo».[iv] A sua pedra de fecho e o seu fulcro não são o poder entendido como domínio, mas a potestade de administrar o sacramento da Eucaristia; daqui deriva a sua autoridade, que é sempre um serviço ao povo. Aqui está um grande desafio para os Pastores e para os teólogos, que poderiam ajudar a reconhecer melhor o que isto implica no que se refere ao possível lugar das mulheres onde se tomam decisões importantes, nos diferentes âmbitos da Igreja.

105. A pastoral juvenil, tal como estávamos habituados a desenvolvê-la, sofreu o impacto das mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os jovens habitualmente não encontram respostas para as suas preocupações, necessidades, problemas e feridas. A nós, adultos, custa-nos a ouvi-los com paciência, compreender as suas preocupações ou as suas reivindicações, e aprender a falar-lhes na linguagem que eles entendem. Pela mesma razão, as propostas educacionais não produzem os frutos esperados. A proliferação e o crescimento de associações e movimentos [v] predominantemente juvenis podem ser interpretados como uma acção do Espírito que abre caminhos novos em sintonia com as suas expectativas e a busca de espiritualidade profunda e dum sentido mais concreto de pertença. Todavia é necessário tornar mais estável a participação destas agregações no âmbito da pastoral de conjunto da Igreja.[vi]

106. Embora nem sempre seja fácil abordar os jovens, houve crescimento em dois aspectos: a consciência de que toda a comunidade os evangeliza e educa, e a urgência de que eles tenham um protagonismo maior. Deve-se reconhecer que, no actual contexto de crise do compromisso e dos laços comunitários, são muitos os jovens que se solidarizam contra os males do mundo, aderindo a várias formas de militância e voluntariado. Alguns participam na vida da Igreja, integram grupos de serviço e diferentes iniciativas missionárias nas suas próprias dioceses ou noutros lugares. Como é bom que os jovens sejam «caminheiros da fé», felizes por levarem Jesus Cristo a cada esquina, a cada praça, a cada canto da terra!

107. Em muitos lugares, há escassez de vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Frequentemente isso fica-se a dever à falta de ardor apostólico contagioso nas comunidades, pelo que estas não entusiasmam nem fascinam. Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas. Mesmo em paróquias onde os sacerdotes não são muito disponíveis nem alegres, é a vida fraterna e fervorosa da comunidade que desperta o desejo de se consagrar inteiramente a Deus e à evangelização, especialmente se essa comunidade vivente reza insistentemente pelas vocações e tem a coragem de propor aos seus jovens um caminho de especial consagração. Por outro lado, apesar da escassez vocacional, hoje temos noção mais clara da necessidade de uma melhor selecção dos candidatos ao sacerdócio. Não se podem encher os seminários com qualquer tipo de motivações, e menos ainda se estas estão relacionadas com insegurança afectiva, busca de formas de poder, glória humana ou bem-estar económico.

108. Como já disse, não pretendi oferecer um diagnóstico completo, mas convido as comunidades a completarem e a enriquecerem estas perspectivas a partir da consciência dos desafios próprios e das comunidades vizinhas. Espero que, ao fazê-lo, tenham em conta que, todas as vezes que intentamos ler os sinais dos tempos na realidade actual, é conveniente ouvir os jovens e os idosos. Tanto uns como outros são a esperança dos povos. Os idosos fornecem a memória e a sabedoria da experiência, que convida a não repetir tontamente os mesmos erros do passado. Os jovens chamam-nos a despertar e a aumentar a esperança, porque trazem consigo as novas tendências da humanidade e abrem-nos ao futuro, de modo que não fiquemos encalhados na nostalgia de estruturas e costumes que já não são fonte de vida no mundo actual.

109. Os desafios existem para ser superados. Sejamos realistas, mas sem perder a alegria, a audácia e a dedicação cheia de esperança. Não deixemos que nos roubem a força missionária!

CAPÍTULO III
O ANÚNCIO DO EVANGELHO

110. Depois de considerar alguns desafios da realidade actual, quero agora recordar o dever que incumbe sobre nós em toda e qualquer época e lugar, porque «não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor» e sem existir uma «primazia do anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização».[vii] Recolhendo as preocupações dos Bispos asiáticos, João Paulo II afirmou que, se a Igreja «deve realizar o seu destino providencial, então uma evangelização entendida como o jubiloso, paciente e progressivo anúncio da Morte salvífica e Ressurreição de Jesus Cristo há-de ser a vossa prioridade absoluta».[viii] Isto é válido para todos.

I. todo o povo de deus anuncia o evangelho

111. A evangelização é dever da Igreja. Este sujeito da evangelização, porém, é mais do que uma instituição orgânica e hierárquica; é, antes de tudo, um povo que peregrina para Deus. Trata-se certamente de um mistério que mergulha as raízes na Trindade, mas tem a sua concretização histórica num povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a necessária expressão institucional. Proponho que nos detenhamos um pouco nesta forma de compreender a Igreja, que tem o seu fundamento último na iniciativa livre e gratuita de Deus.

Um povo para todos

112. A salvação, que Deus nos oferece, é obra da sua misericórdia. Não há acção humana, por melhor que seja, que nos faça merecer tão grande dom. Por pura graça, Deus atrai-nos para nos unir a Si.[ix] Envia o seu Espírito aos nossos corações, para nos fazer seus filhos, para nos transformar e tornar capazes de responder com a nossa vida ao seu amor. A Igreja é enviada por Jesus Cristo como sacramento da salvação oferecida por Deus.[x] Através da sua acção evangelizadora, ela colabora como instrumento da graça divina, que opera incessantemente para além de toda e qualquer possível supervisão. Bem o exprimiu Bento XVI, ao abrir as reflexões do Sínodo: «É sempre importante saber que a primeira palavra, a iniciativa verdadeira, a actividade verdadeira vem de Deus e só inserindo-nos nesta iniciativa divina, só implorando esta iniciativa divina, nos podemos tornar também – com Ele e n’Ele – evangelizadores».[xi] O princípio da primazia da graça deve ser um farol que ilumine constantemente as nossas reflexões sobre a evangelização.

113. Esta salvação, que Deus realiza e a Igreja jubilosamente anuncia, é para todos,[xii] e Deus criou um caminho para Se unir a cada um dos seres humanos de todos os tempos. Escolheu convocá-los como povo, e não como seres isolados.[xiii] Ninguém se salva sozinho, isto é, nem como indivíduo isolado, nem por suas próprias forças. Deus atrai-nos, no respeito da complexa trama de relações interpessoais que a vida numa comunidade humana supõe. Este povo, que Deus escolheu para Si e convocou, é a Igreja. Jesus não diz aos Apóstolos para formarem um grupo exclusivo, um grupo de elite. Jesus diz: «Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos»[xiv]. São Paulo afirma que no povo de Deus, na Igreja, «não há judeu nem grego (...), porque todos sois um só em Cristo Jesus»[xv]. Eu gostaria de dizer àqueles que se sentem longe de Deus e da Igreja, aos que têm medo ou aos indiferentes: o Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor!

114. Ser Igreja significa ser povo de Deus, de acordo com o grande projecto de amor do Pai. Isto implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de ter respostas que encorajem, dêem esperança e novo vigor para o caminho. A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho.

Um povo com muitos rostos

115. Este povo de Deus encarna-se nos povos da Terra, cada um dos quais tem a sua cultura própria. A noção de cultura é um instrumento precioso para compreender as diversas expressões da vida cristã que existem no povo de Deus. Trata-se do estilo de vida que uma determinada sociedade possui, da forma peculiar que têm os seus membros de se relacionar entre si, com as outras criaturas e com Deus. Assim entendida, a cultura abrange a totalidade da vida dum povo.[xvi] Cada povo, na sua evolução histórica, desenvolve a própria cultura com legítima autonomia[xvii] Isso fica-se a dever ao facto de que a pessoa humana, «por sua natureza, necessita absolutamente da vida social»[xviii] e mantém contínua referência à  sociedade, na qual vive uma maneira concreta de se relacionar com a realidade. O ser humano está sempre culturalmente situado: «natureza e cultura encontram-se intimamente ligadas».[xix] A graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe.

116. Ao longo destes dois milénios de cristianismo, uma quantidade inumerável de povos recebeu a graça da fé, fê-la florir na sua vida diária e transmitiu-a segundo as próprias modalidades culturais. Quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua cultura com a força transformadora do Evangelho. E assim, como podemos ver na história da Igreja, o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural, mas «permanecendo o que é, na fidelidade total ao anúncio evangélico e à tradição da Igreja, o cristianismo assumirá também o rosto das diversas culturas e dos vá- rios povos onde for acolhido e se radicar».[xx] Nos diferentes povos, que experimentam o dom de Deus segundo a própria cultura, a Igreja exprime a sua genuína catolicidade e mostra «a beleza deste rosto pluriforme».[xxi] Através das manifestações cristãs dum povo evangelizado, o Espírito Santo embeleza a Igreja, mostrando-lhe novos aspectos da Revelação e presenteando-a com um novo rosto. Pela inculturação, a Igreja «introduz os povos com as suas culturas na sua própria comunidade»,[xxii] porque «cada cultura oferece formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido».[xxiii] Assim, «a Igreja, assumindo os valores das diversas culturas, torna-se sponsa ornata monilibus suis, a noiva que se adorna com suas joias [xxiv]».[xxv]

117. Se for bem entendida, a diversidade cultural não ameaça a unidade da Igreja. É o Espírito Santo, enviado pelo Pai e o Filho, que transforma os nossos corações e nos torna capazes de entrar na comunhão perfeita da Santíssima Trindade, onde tudo encontra a sua unidade. O Espírito Santo constrói a comunhão e a harmonia do povo de Deus. Ele mesmo é a harmonia, tal como é o vínculo de amor entre o Pai e o Filho.[xxvi] É Ele que suscita uma abundante e diversificada riqueza de dons e, ao mesmo tempo, constrói uma unidade que nunca é uniformidade, mas multiforme harmonia que atrai. A evangelização reconhece com alegria estas múltiplas riquezas que o Espírito gera na Igreja. Não faria justiça à lógica da encarnação pensar num cristianismo monocultural e monocórdico. É verdade que algumas culturas estiveram intimamente ligadas à pregação do Evangelho e ao desenvolvimento do pensamento cristão, mas a mensagem revelada não se identifica com nenhuma delas e possui um conteúdo transcultural. Por isso, na evangelização de novas culturas ou de culturas que não acolheram a pregação cristã, não é indispensável impor uma determinada forma cultural, por mais bela e antiga que seja, juntamente com a proposta do Evangelho. A mensagem, que anunciamos, sempre apresenta alguma roupagem cultural, mas às vezes, na Igreja, caímos na vaidosa sacralização da própria cultura, o que pode mostrar mais fanatismo do que autêntico ardor evangelizador.

118. Os Bispos da Oceânia pediram que a Igreja neste continente «desenvolva uma compreensão e exposição da verdade de Cristo partindo das tradições e culturas locais», e instaram todos os missionários «a trabalhar de harmonia com os cristãos indígenas para garantir que a doutrina e a vida da Igreja sejam expressas em formas legítimas e apropriadas a cada cultura».[xxvii] Não podemos pretender que todos os povos dos vá- rios continentes, ao exprimir a fé cristã, imitem as modalidades adoptadas pelos povos europeus num determinado momento da história, porque a fé não se pode confinar dentro dos limites de compreensão e expressão duma cultura.[xxviii] É indiscutível que uma única cultura não esgota o mistério da redenção de Cristo.

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)

Notas: 



[i] 72 Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 295.
[ii] João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 51: AAS 81 (1989), 493.
[iii] Congr. para aDoutrina da Fé, Decl. sobre a questão da admissão das mulheres ao sacerdócio ministerial Inter Insigniores
[iv] João Paulo II, Carta ap. Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988), 27: AAS 80 (1988), 1718.85
[v] (15 de Outubro de 1976), VI: AAS 69 (1977), 115, citado por João Paulo II na Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 51 (nota 190): AAS 81 (1989)
[vi] Cf. Propositio 51.86
[vii]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 19: AAS 92 (2000), 478.
[viii] Ibid., 2: o. c., 451.90 
[ix] Cf. Propositio 4. 
[x] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 1.
[xi] Meditação na primeira Congregação geral da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (8 de Outubro de 2012): AAS 104 (2012), 897.
[xii] Cf. Propositio 6; Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.
[xiii] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 9.92
[xiv] Mt 28, 19
[xv] Gal 3, 28
[xvi] Cf. III Conferência Geral do Episcopado Latino- -americano e do Caribe, Documento de Puebla (23 de Março de 1979), 386-387.
[xvii] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 36.  
86 Ibid., 25.
[xix] Ibid., 53.
[xx] João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 40: AAS 93 (2001), 294-295.
[xxi] Ibid., 40: o. c., 295.
[xxii] João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 52: AAS 83 (1991), 300. Cf. Exort. ap. Catechesi tradendae (16 de Outubro de 1979), 53: AAS 71 (1979), 1321.
[xxiii] João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Oceania (22 de Novembro de 2001), 16: AAS 94 (2002), 384.
[xxiv] cf. Is 61, 10
[xxv] João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Africa (14 de Setembro de 1995), 61: AAS 88 (1996), 39.
[xxvi] «Excluído o Espírito Santo, que é o vínculo de ambos, não se pode entender a concórdia da unidade entre o Pai e o Filho» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I, q. 39, a. 8 cons. 2; veja-se também ibid., I, q. 37, a. 1, ad 3).
[xxvii] João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Oceania (22 de Novembro de 2001), 17: AAS 94 (2002), 385.
[xxviii] Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 20: AAS 92 (2000), 478-482.