Páginas

19/02/2015

A dor de corrigir

Esconde-se uma grande comodidade – e às vezes uma grande falta de responsabilidade – naqueles que, constituídos em autoridade, fogem da dor de corrigir, com a desculpa de evitar o sofrimento alheio. Talvez poupem desgostos nesta vida..., mas põem em jogo a felicidade eterna – a deles e a dos outros – pelas suas omissões que são verdadeiros pecados. (Forja, 577)


O santo, para a vida de muitos, é "incómodo". Mas isto não significa que tenha de ser insuportável.

O seu zelo nunca deve ser amargo; a sua correcção nunca deve ferir; o seu exemplo nunca deve ser uma bofetada moral, arrogante, na cara do próximo. (Forja, 578)

Portanto, quando nos apercebemos de que na nossa vida ou na dos outros alguma coisa corre mal, alguma coisa precisa do auxílio espiritual e humano, que nós, filhos de Deus, podemos e devemos prestar, uma clara manifestação de prudência consistirá em dar-lhe remédio oportuno, a fundo, com caridade e com fortaleza, com sinceridade. Não valem as inibições. É errado pensar que com omissões ou adiamentos se resolvem os problemas.


Sempre que a situação o requeira, a prudência exige que se aplique o remédio totalmente e sem paliativos, depois de pôr a chaga a descoberto. Ao notar os menores sintomas do mal, sede simples, verazes, quer sejais vós a curar os outros, quer sejais vós a receber essa assistência. Nesses casos, deve-se permitir à pessoa que está em condições de curar em nome de Deus que aperte de longe a zona infectada e depois de mais perto, até sair todo o pus, de modo que o foco da infecção acabe por ficar bem limpo. Em primeiro lugar, temos que proceder assim connosco mesmos e com quem, por motivos de justiça ou caridade, temos obrigação de ajudar. Rezo nesse sentido especialmente pelos pais e por quem se dedica a tarefas de formação e de ensino. (Amigos de Deus, 157)

Tratado do verbo encarnado 126

Questão 19: Da unidade de operação em Cristo

Art. 3 — Se a acção humana de Cristo podia ser meritória.

O terceiro discute-se assim. — Parece que a acção humana de Cristo não podia ser meritória.

1. — Pois, Cristo, antes da sua morte, já gozava da visão beatífica tal como agora a goza. Ora, quem goza da visão beatífica não pode merecer. Pois, a sua caridade é o prémio da bem-aventurança, porquanto nesta se funda o gozo da visão, portanto, não pode ser princípio de merecimento, porque o mérito não se confunde com o prémio. Logo, Cristo, antes da paixão não merecia, como actualmente não merece.

2. Demais. — Não merecemos o que nos é devido. Ora, por natureza Filho de Deus, Cristo tem direito à herança eterna que os outros homens merecem pelas suas boas obras. Logo, Cristo, que desde o princípio foi Filho de Deus, nada podia merecer para si.

3. Demais. — Se temos um bem principal, não merecemos propriamente o que desse bem resulta. Ora, Cristo tinha a glória da alma, da qual ordinariamente resulta a glória do corpo, como diz Agostinho, em Cristo, porém, por excepção, a glória da alma não derivava para o corpo. Logo, Cristo não mereceu a glória do corpo.

4. Demais. — A manifestação da excelência de Cristo não é um bem do próprio Cristo, mas, dos que o conhecem. Pois, como prémio aos seus amantes Cristo promete que há-de manifestar-se-lhes, como está no Evangelho: Aquele que me ama será amado de meu Pai e eu o amarei também e me manifestarei a ele. Logo, Cristo não mereceu a manifestação da sua grandeza.

Mas, em contrário, o Apóstolo diz: Feito obediente até a morte, pelo que Deus também o exaltou. Logo, obedecendo mereceu a sua exaltação e, portanto, algo para si mereceu.

Ter um bem, por si mesmo, é mais nobre que tê-lo por outrem, pois, como diz Aristóteles, a coisa que por si mesma é-o, é mais nobre que a que o é mediante outro. Ora, dizemos que tem uma causa por si mesmo quem de certo modo é causa dela, para si próprio. Ora, a causa primeira de todos os nossos bens como autor deles, é Deus. E, assim, nenhuma criatura tem qualquer bem por si mesma, segundo aquilo da Escritura: Que tens tu que não recebesses? Mas, podemos, de modo secundário, ser a causa de um bem que tenhamos, como um resultado da nossa colaboração com Deus, e então, o que temos pelo nosso próprio mérito nós temo-lo de certo modo por nós mesmos. Donde, o que temos por mérito o temos mais nobremente que o que temos sem mérito.

Ora, devemos atribuir a Cristo toda perfeição e toda nobreza. Logo e consequentemente, também ele terá por mérito o que os outros por mérito têm, salvo se se tratar daquilo cuja carência mais prejudique à dignidade e à perfeição de Cristo do que a aumente, pelo mérito. Por isso, Cristo não mereceu a graça, nem a ciência, nem a bem-aventurança da alma, nem a divindade, pois, como não merecemos senão o que não temos, havia Cristo, algum tempo, de ter carecido desses bens, ora, carecer deles mais diminui a dignidade de Cristo, do que a aumenta o merecê-las. A glória do corpo porém, ou de um bem semelhante, é menor que a dignidade de merecer, que pertence à virtude da caridade. Donde devemos concluir, que Cristo teve por mérito a glória do corpo e o que implica uma excelência exterior sua, como a ascensão, a veneração e bens tais. Donde é claro que podia merecer para si.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O gozo, que é um acto de caridade, pertence à glória da alma, que Cristo não mereceu. Donde, de ter merecido pela caridade, não se segue a confusão do mérito e do prémio. Mas não mereceu pela caridade, enquanto era a sua caridade a de quem frui da visão beatífica, mas a do viandante. Pois, ao mesmo tempo foi viandante e vidente, como demonstramos. Logo, como já agora não é viandante, não está em estado de merecer.

RESPOSTA À SEGUNDA· — A Cristo, enquanto Filho de Deus e Deus por natureza é devida a glória divina e o domínio sobre todas as coisas, como ao primeiro e supremo Senhor. Nem por isso, contudo, deixa de lhe ser devida a glória, como a quem é bem-aventurado, e essa, de certo modo, devia tê-la sem mérito, e certamente outro, com mérito, como do sobredito se colige.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O redundar da glória, da alma para o corpo, resulta da ordenação divina, em conformidade com os méritos humanos. Assim, como merecemos pelo acto, que a alma exerce sobre o corpo, assim, também somos remunerados pela glória, redundante, da alma, para o corpo. E por isso, não somente a glória da alma, mas também a do corpo é susceptível de mérito, segundo o Apóstolo: Dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito, que habita em vós. E assim podia ser merecida por Cristo.

RESPOSTA À QUARTA. — A manifestação da excelência de Cristo inclui-se-lhe no bem, que lhe resulta do conhecimento dos outros, embora mais principalmente pertença ao bem dos que o conhecem, pelo ser que em si mesmos tem. Mas isso mesmo se refere a Cristo, enquanto membros dele.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Temas para meditar - 370

Quaresma


Leiamos constantemente a Paixão do Senhor. Que rico ganho, quanto proveito tiraremos! Porque ao contemplá-Lo sarcasticamente adorado, com gestos e com acções, e pálido de troças, e depois desta farsa esbofeteado e submetido aos últimos tormentos, ainda que sejas mais duro que uma pedra, tornar-te-ás mais brando que a cera, e expulsarás toda a soberba da tua alma.



(são joão crisóstomo, Homílias sobre S. Mateus, 87, 1)

Evangelho, coment. L esp (Vida de Maria VII)

Tempo de Cinzas

Evangelho: Lc 9 22-25

22 «É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas, que seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, que seja morto e ressuscite ao terceiro dia. 23 Depois, dirigindo-Se a todos disse: «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias, e siga-Me.24 Porque quem quiser salvar a sua vida, a perderá; e quem perder a sua vida por causa de Mim, salvá-la-á. 25 Que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se se perde a si mesmo ou se faz dano a si?

Comentário

Haverá quem queira seguir Jesus?

Com este “programa”, com estas condições!

A verdade e que ao longo dois tempos têm sido muitos milhares e, destes, não poucos pagaram com a própria vida a sua escolha.
São loucos?

Bem ao contrário, o prémio excede e em muito todo o sacrifício.

(ama, comentário sobre Lc 9, 22-25, 2013.07.08)


Leitura espiritual


Santíssima Virgem

Octávio César Augusto ordenou o censo dos habitantes da urbe romana. A ordem estende-se a todos: do mais rico ao mais pobre. Na Palestina, tem de se fazer de acordo com os hábitos judaicos: cada um na sua cidade de origem. José foi também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, que se chama Belém, porque era da casa e da família de David para se recensear juntamente com Maria, sua esposa, que estava grávida (Lc 2, 4-5).

Assim, com esta simplicidade, o evangelista começa a narração do acontecimento que iria mudar a história da humanidade. A viagem era longa, uns cento e vinte quilómetros. Quatro dias de caminho — se tudo decorresse normalmente — nalguma das caravanas que viajavam da Galileia para o sul. Maria não era obrigada a realizá-la; era dever do chefe de família. Mas como deixá-la sozinha, se estava quase a dar à luz? E, sobretudo, como não acompanhar José até à cidade onde — segundo as Escrituras — havia de nascer o Messias? José e Maria devem ter descoberto naquele estranho capricho do longínquo imperador a mão do Altíssimo, que lhes guiava todos os seus passos,.

O REI DE ISRAEL, O DESEJADO DE TODAS AS NAÇÕES, O FILHO ETERNO DE DEUS, VEM AO MUNDO NUM LUGAR PRÓPRIO PARA ANIMAIS.
Belém era uma pequena aldeia. Mas, em virtude do recenseamento, tinha adquirido uma desusada animação. José dirigiu-se com Maria ao oficial imperial para pagar o tributo e inscrever-se com a sua mulher no livro dos súbditos do imperador. Depois, começou a procurar um lugar onde passar a noite. A tradição apresenta-o batendo infrutiferamente de porta em porta. Finalmente vai ao khan ou hospedaria pública, onde sempre se pode encontrar um canto. Não era mais do que um pátio fechado por muros. No centro, uma cisterna fornecia água; à sua volta acomodavam-se os animais de carga e, encostados à parede, uns alpendres para os viajantes, cobertos por um tecto rudimentar. Com frequência estavam divididos por tabiques formando compartimentos, onde cada grupo de hóspedes gozava de uma certa independência.

Não era o lugar oportuno para que a Virgem desse à luz. Imaginamos o sofrimento de José, ao aproximar-se a hora do parto, por não encontrar um lugar adequado. Não havia para eles lugar na hospedaria (Lc 2, 7), escreve laconicamente São Lucas. Alguém, talvez o próprio dono do khan, deve ter-lhes indicado que nas proximidades da aldeia,, havia grutas que se utilizavam para albergar o gado nas noites frias; poderiam talvez acomodar-se nalguma delas, até que diminuísse a aglomeração de pessoas e se libertasse algum lugar na cidade.

A divina Providência serviu-se destas circunstâncias para mostrar a pobreza e humildade com que o Filho de Deus tinha decidido vir à terra. Todo um exemplo para os que o seguiriam através dos séculos, como explica São Paulo: conheceis a liberalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, fez-se pobre por vós, a fim de que vós fosseis ricos pela Sua pobreza (2 Cor 8, 9). O Rei de Israel, o Desejado de todas as nações, o Filho eterno de Deus, vem ao mundo num lugar próprio para animais. E a Sua Mãe vê-se obrigada a oferecer-Lhe, como primeiro berço, uma manjedoura estreita.

OS ÚLTIMOS DA TERRA, NÓMADAS COM OS REBANHOS QUE GUARDAVAM POR CONTA DE OUTROS, SERÃO OS PRIMEIROS A RECEBER O ANÚNCIO DESSE ENORME PORTENTO: O NASCIMENTO DO MESSIAS PROMETIDO.
Mas o Omnipotente não quer que passe totalmente inadvertido este acontecimento singular. Naquela mesma região havia uns pastores, que velavam e faziam de noite a guarda ao seu rebanho (Lc 2, 8). Eles, os últimos da terra, nómadas com os rebanhos que guardavam por conta de outros, serão os primeiros a receber o anúncio desse enorme portento: o nascimento do Messias prometido.

Apareceu-lhes um anjo do Senhor e a glória do Senhor os envolveu com a sua luz e tiveram grande temor. Porém o anjo disse-lhes: "Não temais porque vos anuncio uma boa nova, que será de grande alegria para todo o povo..." (Lc 2, 9-10). E, depois de lhes comunicar a Boa Nova, deu-lhes um sinal pelo qual poderiam reconhecê-Lo: encontrareis o Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura (Lc 2, 12). Imediatamente, diante dos seus olhos assombrados, apareceu uma multidão de anjos que louvava a Deus dizendo: glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens, objecto da boa vontade de Deus (Lc 2, 14).

Puseram-se a caminho. Talvez arranjassem uns presentes para obsequiar a mãe e o recém-nascido. A homenagem foi, para Maria e para José, a prova de que Deus velava pelo Seu Filho. Também eles se encheriam de gozo perante o júbilo ingénuo daquelas pessoas e ponderariam no seu coração como o Senhor se compraz nos pobres e humildes.

Quando acabou a festa, os pastores regressaram ao cuidado dos seus rebanhos, louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto (Lc 2, 20). Depois de dois mil anos, também nós somos convidados a proclamar as maravilhas divinas. Amanheceu um dia santo; vinde, gentes e adorai o Senhor; porque uma grande luz desceu hoje à terra (Terceira Missa de Natal, aclamação antes do Evangelho).

J.A. Loarte
***



Estava próxima a hora de nasceres, Senhor, e "como não havia lugar na hospedaria..." Tua Mãe santíssima, decerto preocupada, mas serenamente confiante, levou-Te ainda no seu seio para uma gruta que servia de estábulo. E aí nascesTe Senhor.

O meu Deus, o meu Senhor, o meu Salvador!
"Como não havia lugar na hospedaria..."
Porque não haveria lugar?
Por a cidade estar cheia de forasteiros que ali iam recensear-se?
Por não aparentarem, aquela jovem mulher e o seu marido, posses ou posição social?
Sim, com um simples burrico por transporte, uma pequena trouxa de magros pertences, não o seriam por certo.
Talvez fosse por estas duas principais razões, talvez. É um facto que a cidade estaria cheia de gente.
Mas então, Maria e José foram tão imprudentes que não esperaram uns dias até que Tu nascesses para então fazerem a viagem!?
Não procuraram assegurar estadia em casa de algum parente ou conhecido!
Não, não terão feito nada disto. Provavelmente porque não podiam, as comunicações eram difíceis e, depois, porque se tratava de duas criaturas de extrema simplicidade. Não era seu hábito programar a vida, medir os passos, organizar em detalhe as coisas futuras.
Com uma confiança ilimitada na providência de Deus, sabiam perfeitamente que haverias de nascer quando e onde quisesses, Senhor, e que haverias de prover todas as necessidades que ocorressem.
Mas não havia, de facto, lugar na hospedaria?
Não seria possível descobrir um pequeno recanto, uma água-furtada, um esconso onde a jovem mãe pudesse, com recato e algum conforto, dar à luz o seu Filho!?

Quantas vezes, Senhor, eu não tive lugar para Ti?
Quantas vezes!
Sempre cheio de coisas, de preocupações, ambições, desejos, devaneios, ouvi eu, entendi eu que eras Tu ali, à porta do meu coração, pedindo um bocadinho, um pequeno espaço, para poderes nascer!
Quantas vezes quiseste nascer dentro de mim e, eu, pobre de mim, não deixei, não quis!
Ah! Senhor, eu sei que não sou digno, mas uma simples palavra Tua e este pobre coração cheio de mazelas e pecados, ficará radioso de brancura e Tu poderás, ainda que por momentos, nascer dentro d'Ele.
Bate, Senhor, com força à minha porta, eu abrir-Te-ei e deixar-Te-ei entrar e aqui farás o teu Presépio.
Não desejo outra coisa, Senhor, senão sentir-Te dentro de mim, irradiando a Tua Paz e o teu calor de amor.

Oh! minha mãe, Maria Santíssima, descansa aqui um pouco, deixa-me por momentos o teu Filho que eu O embalarei com o meu amor, a minha dedicação inteira, a minha devoção profunda.

Podes tu, José meu pai e senhor, confiar-me o teu excelente Filho adoptivo, eu tomarei boa conta d'Ele, embora fique estático e estarrecido por tamanha ventura e tão grande honra.
A minha alma anseia que assim seja.
Naqueles dias saiu um édito da parte de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino gover­nador da Síria. E iam todos recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Ora José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, até à Judeia, à cidade de David chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de recensear-se com Maria, sua esposa, que se achava grávida. E, quando eles ali se encontravam, comple­taram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoira, por não haver para eles lugar na hospedaria.
Na mesma região havia uns pastores, que pernoitavam nos campos e faziam a guarda nocturna do seu rebanho. Apareceu-lhes então o Anjo do Senhor e a glória do Senhor cercou-os de luz, e eles tiveram muito medo. Disse-lhes o Anjo: Não temais, pois vos anuncio uma grande alegria, para todo o povo: nasceu-vos hoje na cidade de David um Salvador que é o Messias Senhor! "Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoira. "De súbito, juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo:
Glória a Deus nas alturas, e paz na Terra entre os homens do Seu agrado.
Quando os Anjos se afastaram deles em direcção ao Céu, começaram os pastores a dizer entre si: Vamos então até Belém e vejamos o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer. Foram, pressurosos, e encontraram Maria, José e o Menino deitado manjedoira, e, ao verem isto, deram a conhecer o que lhes tinham dito daquele Menino. Todos os que ouviram ficaram admirados do que os pastores lhes contaram.
 Maria, por seu turno, conservava todas estas palavras, ponderando-as no seu espirito.
E os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido conforme lhes fora anunciado.  [2]

E adoraram-No.

Sabem que é o Messias, Deus feito homem. O Concilio de Trento cita expressamente esta passagem da adoração dos Magos ao ensinar o culto que se deve a Cristo na Eucaristia. Jesus presente no Sacrário é O mesmo a quem encontraram nos braços de Maria, estes homens sábios.

Talvez devamos examinar como O adoramos nós quando está exposto na Custódia ou escondido no Sacrário, com que devoção e reverência nos ajoelhamos nos momentos indicados na Santa Missa, ou cada vez que passamos naqueles lugares onde está guardado o Santíssimo Sacramento. [3]
Os judeus daqueles tempos incluíam os pastores entre os pecadores e publicanos, devido a que, pela sua ignorância, eram pouco cumpridores das prescrições da Lei de Moisés. Por isso não eram admitidos como juízes nem como testemunhas (Sanhedrin, 25b). Contudo, foram os únicos, juntamente com os Magos, chamados a contemplar o Messias. [4]
O aprofundamento da fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do Filho de Deus feito homem. Com efeito o nascimento de Cristo «não diminuiu, antes consagrou a integridade virginal de Sua Mãe (Lumen Gentium, 57). A Liturgia da Igreja celebra Maria como a «Aciparthenos», a « sempre Virgem».[5]
A isso objecta-se, por vezes, que a Escritura menciona irmãos e irmãs de Jesus. A Igreja entendeu sempre estes passos como não designando outros filhos da Virgem Maria. Tiago e José, «irmãos de Jesus» (Mt 13, 55) são filhos duma Maria discípula de Cristo (Cf. Mt 27, 56) designada significativamente como «a outra Maria» (Mt 28, 1). Trata-se de parentes próximos de Jesus, segundo uma expressão conhecida do Antigo Testamento (Cf. Gn 13, 8; 14, 16; 29, 15; etc.) [6]
Jesus é o filho único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria  estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: «Ela deu à luz um Filho que Deus estabeleceu 'primogénito de muitos irmãos' (Rom 8, 29), isto é, dos fiéis para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe» (Lumen Gentium, 63) [7]

O olhar da fé pode descobrir, em ligação com o conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, no seu desígnio salvífico, quis que o Seu Filho nascesse duma vigem. Tais razões dizem respeito tanto à pessoa e missão redentora de Cristo como ao acolhimento dessa missão por Maria, para bem de todos os homens. [8]
Maria «permaneceu virgem ao conceber o seu Filho, virgem ao dá-Lo à luz, virgem ao trazê-Lo ao colo, virgem ao amamentá-Lo em seu seio, virgem sempre» (Stº Agostinho, Sermão 186, 1: PL 38, 999): de todo os seu ser, ela é a «serva do Senhor» (Lc 1, 38) [9]

Maria é verdadeiramente «Mãe de Deus», pois é Mãe do Folho eterno de Deus feito homem, O qual também é Deus. [10]
Como não reafirmar solenemente que a vida do ser humano è sagrada já desde o seu desenvolvimento sob o coração materno, desde o momento da sua concepção? Como esquecer que, justamente neste ano consagrado á criança, o número de vidas suprimidas no seio materno alcançou cumes pavorosos? É uma hecatombe silenciosa que não pode deixar indiferentes não digo já os homens da Igreja, a nós, cristãos e cristãs do mundo inteiro, mas também aos responsáveis da coisa publica, as pessoas que pensam no advir das nações. Em nome de Jesus «vivente em Maria», levado por Ela dentro do seu seio no mundo indiferente e hostil – em Belém, recusaram acolhê-lo e no palácio de Herodes tramou-se a sua morte -, em nome daquele menino, Deus e homem, eu conjuro os homens conscientes da dignidade insuprível dos homens ainda não nascidos a adoptar uma posição digna do homem, para que este período obscuro que ameaça cobrir com trevas a consciência humana possa finalmente superar-se. [11]
Jesus nasceu na humildade dum estábulo, no seio de uma família pobre. As primeiras testemunhas deste acontecimento são simples pastores. E é nesta pobreza que se manifesta a glória do Céu. A Igreja não se cansa decantar a glória desta noite:

Hoje a Virgem dá à luz o Eterno
E a Terra oferece uma gruta ao Inacessível.
Cantam-no os anjos e os pastores, e com a estrela, os magos se põem a caminho,
Porque Tu nascesTe para nós, pequenino, Deus eterno! [12]

E ao entrarem na casa, viram o Menino com Maria, Sua Mãe e, prostrando-se por terra, adoraram-No. Em seguida, abriram os cofres e ofereceram-Lhe presentes: oiro, incenso e mirra. [13]
O mistério do Natal cumpre-se em nós, quando Cristo «Se forma» em nós (Gal 4, 19). O Natal é o mistério desta «admirável permuta» (Ó permuta admirável! O Criador do género humano, tomando corpo e alma dignou-Se nascer duma Virgem; e, feito homem, tornou-nos participantes da Sua divindade) (LH, Oitava do Natal, antífona). [14]
A Igreja, imitando a sua Mãe (Maria), diariamente dá à luz novos filhos e é sempre virgem. [15]
O chamamento dos Magos, enquanto se dedicam ao seu ofício, é um facto que se repete no chamamento que Deus faz aos homens: chamá-los precisamente entre as ocupações diárias da sua vida. [16]
Quase sempre por nossa culpa; em certos momentos da nossa vida interior, acontece-nos o que aconteceu na viagem dos Reis Magos: a estrela oculta-se (...). Que havemos de fazer então? Seguir o exemplo daqueles homens santos: perguntar. Herodes serviu-se da ciência para proceder de modo injusto; os Reis Magos utilizam-na para fazer o bem. Mas nós, cristãos, não temos necessidade de perguntar a Herodes ou aos sábios da Terra. Cristo deu à Sua Igreja a segurança da doutrina, a corrente de graça do Sacramentos; e providenciou para que haja pessoas que nos orientem, que nos conduzam, que nos recordem constantemente o caminho. [17]
Tal como os Reis Magos, descobrimos uma estrela que é luz, rumo certo no céu da nossa alma.
Vimos uma estrela no Oriente e viemos adorá-Lo. Também nós tivemos esta experiência. Também nós sentimos que, a pouco e pouco, se acendia na nossa alma uma luz nova: o desejo de ser cristãos em plenitude, o desejo, por assim dizer, de tomar Deus a sério. [18]
Esta maternidade de Maria implicava uma relação pessoal e única com Deus, que a situava por cima de todo o criado, sem deixar de ser Ela mesma. (Devido a esta graça extraordinária, Maria «avantaja-se muito a todas as criaturas do Céu e da terra» (Const. Lumen gentium, nr 53)). Nossa Senhora possuía a união mais íntima que se possa dar entre Deus e os homens, salvo a união hipostática.
O Espirito Santo vinculava-a a Deus de uma maneira nova e especialíssima, e de um modo real e permanente. No Céu houve grande festa naquela noite, enquanto todos contemplavam o Filho encarnado e a Mãe de Deus, que resplandecia de graça e de gozo. E José não cabia em si de alegria. [19]

O Verbo fez-se carne» (Jo 1, 14). Esta subli­me apresentação joanina do mistério de Cristo é confirmada por todo o Novo Testamento. Assim, S. Paulo afirma que o Filho de Deus nasceu <da descendência de David segundo a carne>, (Rm 1, 3; cf. 9, 5). Se hoje, com o racionalismo que gras­sa em muitos sectores da cultura contemporâ­nea, é a fé na divindade de Cristo a encontrar mais problemas, também já houve contextos his­tóricos e culturais em que predominou a tendên­cia a reduzir ou diluir o carácter histórico concreto da humanidade de Jesus. Mas, para a fé da Igre­ja, é essencial e irrenunciável afirmar que verda­deiramente o Verbo se fez carne,> e assumiu todas as dimensões do ser humano, excepto o pecado (cf. Hb 4, 15).
Nesta perspectiva, a encarnação é verdadeira­mente um, despojar-se» (kenosis), por parte do Filho de Deus, da glória que Ele possui desde toda a eternidade (cf. Fl 2, 6-8; lPd 3, 18).
Por outro lado, esta humilhação do Filho de Deus não é fim em si mesma, mas visa a plena glorificação de Cristo, inclusivamente na sua humanidade: [20]
Desde o consentimento prestado na fé, no momento da Anunciação, e mantido sem hesitação ao pé da cruz, a maternidade de Maria estende-se aos irmãos e irmãs do seu Filho, «que, entre perigos e angústias, caminham ainda na Terra» (LG 62). Jesus, o único mediador, é o caminho da nossa oração; Maria, sua Mãe e nossa Mãe, é para Ele toda transparente: Ela «mostra o caminho» («hodoghitria»), é «o sinal» do caminho, segundo a iconografia tradicional no Oriente e no Ocidente. [21]




[1] ama, Meditação de Natal, 1999
[2] Lc 2, 1-20
[3] frederico fernandez carvajal, Hablar con Dios, Vol I, 6 Jan.
[4] francisco fernandez carvajal, Vida de Jesus, Barbosa & Xavier, Lda - Artes Gráficas, pg. 81 nota 20
[5] Catecismo da Igreja Católica, nr. 499
[6] Catecismo da Igreja Católica, nr. 500
[7] Catecismo da Igreja Católica, nr. 501
[8] Catecismo da Igreja Católica, nr. 502
[9] Catecismo da Igreja Católica, nr. 510
[10] Catecismo da Igreja Católica, nr. 509
[11] são joão paulo ii, Discurso ao sacro Colégio Cardinalício, 22 de Dezembro de 1979
[12] (Kontakion, de Romanos a Metódio) Catecismo da Igreja Católica, nr. 525
[13] Mt 2, 11
[14] Catecismo da Igreja Católica, nr. 526
[15] santo agostinho, Enchiridium, 34
[16] Bíblia Sagrada, anotada pela Fac. de Teologia da Univ. de Navarra, Comentário Mt 2, 2
[17] Cfr. são josemaría escrivá, Cristo que Passa, nr. 34
[18] são josemaría escrivá, Cristo que Passa, nr. 32
[19] francisco fernández carvajal, Vida de Jesus, Barbosa & Xavier, Lda - Artes Gráficas, pg. 80 - 81
[20] Cfr são joão paulo ii, Carta Apostólica Novo Millenio Ineunte, 22
[21] Catecismo da Igreja Católica, 2674