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17/02/2015

Nunca actueis por medo ou por rotina

Atravessas uma etapa crítica: um certo vago temor; dificuldade em adaptares o plano de vida; um trabalho angustiante, porque não te chegam as vinte e quatro horas do dia para cumprir todas as tuas obrigações... Já experimentaste seguir o conselho do Apóstolo: "Faça-se tudo com decoro e com ordem", quer dizer, na presença de Deus, com Ele, por Ele e só para Ele? (Sulco 512)


E como é que vou conseguir – parece que me perguntas – actuar sempre com esse espírito, que me leve a concluir com perfeição o meu trabalho profissional? A resposta não é minha. Vem de S. Paulo: Trabalhai varonilmente, sede fortes. Que tudo, entre vós, se realize na caridade. Fazei tudo por Amor e livremente. Nunca actueis por medo ou por rotina: servi ao Nosso Pai Deus.

Gosto muito de repetir – porque tenho experimentado bem a sua mensagem – aqueles versos pouco artísticos, mas muito gráficos: Minha vida é toda amor / Se em amor sou entendido, / Foi pela força da dor, / Pois ninguém ama melhor / Que quem muito haja sofrido.

Ocupa-te dos teus deveres profissionais por Amor. Faz tudo por Amor – insisto – e comprovarás as maravilhas que produz o teu trabalho, precisamente porque amas, embora tenhas de saborear a amargura da incompreensão, da injustiça, da ingratidão e até do próprio fracasso humano. Frutos saborosos, sementes de eternidade!


Acontece, porém, que algumas pessoas – são boas, bondosas – afirmam por palavras que aspiram a difundir o formoso ideal da nossa fé, mas se contentam na prática com uma conduta profissional superficial e descuidada, própria de cabeças-no-ar. Se nos encontrarmos com alguns destes cristãos de fachada, temos de ajudá-los com carinho e com clareza e recorrer, quando for necessário, a esse remédio evangélico da correcção fraterna: Irmãos, se porventura alguém for surpreendido nalguma falta, vós, os espirituais, corrigi-o com espírito de mansidão; e tu, acautela-te a ti mesmo, não venhas também a cair na tentação. Levai os fardos uns dos outros e desse modo cumprireis a lei de Cristo. (Amigos de Deus, nn. 68–69)

Tratado do verbo encarnado 124

Questão 19: Da unidade de operação em Cristo

Em seguida devemos tratar da unidade de operação em Cristo.

E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se em Cristo é uma só a operação da divindade e da humanidade.
Art. 2 — Se em Cristo há várias operações humanas.
Art. 3 — Se a acção humana de Cristo podia ser meritória.
Art. 4 – Se Cristo podia merecer para os outros.

Art. 1 — Se em Cristo é uma só a operação da divindade e da humanidade.

O primeiro discute-se assim. — Parece que em Cristo é só uma a operação da divindade e da humanidade.

1. — Pois, diz Dionísio: A operação de Deus para connosco foi discernidamente benigníssima, porquanto o Verbo supersubstancial humanou-se, íntegra e verdadeiramente, assumindo uma natureza semelhante à nossa, de nós mesmos recebida, e operou e sofreu tudo o que se compadecia com a sua operação divina e humana. E isso a que chama operação humana e divina, em grego denomina-se, isto é, divino humano. Logo, parece que havia em Cristo uma operação composta.

2. Demais. — O agente principal e o instrumento têm uma mesma operação. Ora, a natureza humana em Cristo era instrumento da divina, como se disse. Logo, em Cristo, as operações divina e humana identificam-se.

3. Demais. — Havendo em Cristo duas naturezas numa só hipóstase ou pessoa, necessariamente é um mesmo o ser da hipóstase ou da pessoa, pois, só o suposto subsistente é que opera, donde o dizer o Filósofo, que agir é próprio do indivíduo. Logo, em Cristo é uma só a operação da divindade e da humanidade.

4. Demais. — Assim como o existir é próprio da hipóstase subsistente, assim também o agir. Ora, por causa da unidade da hipóstase, Cristo tem um só ser, como se disse. Logo, também pela mesma unidade, há em Cristo unidade de operação.

5. Demais. — A uma obra corresponde uma operação. Ora, uma era a obra da divindade e da humanidade, como a cura de um leproso ou a ressurreição de um morto. Logo, parece que em Cristo é uma mesma a operação da divindade e da humanidade.

Mas, em contrário, diz Ambrósio: Como pode uma mesma operação provir de potências diversas? Por ventura poderá o menor operar como o maior e haverá uma só operação onde há diversidade de substâncias?

Como dissemos, os heréticos, que atribuíram a Cristo uma só vontade, atribuíram-lhe também uma só operação. E para que melhor compreendamos quão errónea é essa opinião, devemos considerar que quando há muitos agentes ordenados, o inferior é movido pelo superior, assim, no homem, o corpo é movido pela alma e as potências inferiores pela razão. Donde, as acções e os movimentos do princípio inferior são, antes, efeitos operados, que operações, ao passo que as operações do princípio supremo são operações propriamente ditas. Assim, se disséssemos, que no homem o andar dos pés e o apalpar das mãos são operações dele, operando-os a alma — pelos pés, a primeira, e a segunda, pelas mãos. E sendo a mesma alma que opera, desses dois modos, da parte do agente, que é o primeiro princípio motor, há uma só e mesma operação, elas diferem porém quanto aos efeitos operados. Assim, pois, como, no homem, enquanto tal, o corpo é movido pela alma e o apetite sensitivo, pela razão, assim também, em Nosso Senhor Jesus Cristo, a natureza humana era movida e governada pela divina. Por isso, os referidos heréticos diziam que as operações são as mesmas, sem nenhuma diferença, relativamente à divindade que opera, mas são diversas as coisas operadas. E assim, a divindade de Cristo agia, de um modo, por si mesma, enquanto sustentava todas as coisas com o poder da palavra, e agia de outro modo, pela sua natureza humana, assim, por exemplo, andava corporalmente. Por isso, o Sexto Sínodo cita as palavras do herético Severo, que soam: As ações e as próprias operações de Cristo muito diferiam entre si. Pois, umas eram próprias de Deus e outras, do homem. Assim, andar corporalmente sobre a terra por o homem pode certamente o, mas, fazer andar os coxos e os que de nenhum modo são capazes de se mover, é próprio de Deus. Ora, Verbo incarnado fez uma e outra cousa, sem que fossem umas próprias de uma determinada natureza e outras, de outra, nem por serem diversas as obras diríamos, com acerto, que procedem de duas naturezas.

Mas, assim pensando, enganava-se. Pois, a acção do que é movido por outro é dupla: uma a tem pela sua forma própria, outra, enquanto recebe de fora o movimento. Assim, a acção do machado, pela sua própria forma, é cortar, mas, enquanto movido pelo artífice, a sua acção própria é fazer um móvel. Donde, a operação própria de um ser é a que ele realiza em virtude da sua forma, nem pertence ao motor senão na medida em que dele se serve para a sua acção própria. Assim, aquecer é operação própria do fogo, não porém, do ferreiro, senão na medida em que se serve do fogo para aquecer o ferro. Mas a operação de um ser, só enquanto movido por outro, não difere da do agente que o move, assim, fazer um móvel não é operação diferente da do artífice. Donde, sempre que o motor e o movido têm forma ou virtudes operativas diferentes, então e necessariamente, uma é a operação do motor e outra, a do movido, embora o movido participe da operação do motor e o motor se sirva da operação do movido, e assim um obre com a cooperação do outro.

Assim, pois, em Cristo, a natureza humana tem uma forma e virtude próprias, pelas quais obra, e também a natureza divina. E portanto, a natureza humana tem uma operação própria distinta da operação divina, e vice-versa. Contudo, a natureza divina serve-se da operação da natureza humana, como sendo a operação do seu instrumento, e semelhantemente, a natureza humana participa da operação da natureza divina, como o instrumento participa da operação do agente principal. E é o que diz Leão Papa: Uma e outra forma, isto é, tanto a natureza divina de Cristo como a humana, em comunhão com a outra, jaz o que lhe é próprio: o Verbo obra o que é próprio do Verbo, e a carne executa o que lhe pertence executar. Se, porém, a operação, da divindade e da humanidade fosse uma só em Cristo, deveríamos admitir ou que a natureza humana não tinha forma e virtude próprias, donde — sendo impossível dizê-lo, da natureza divina — se seguiria que em Cristo só havia a operação divina, ou que as virtudes divina e humana se fundiram em Cristo numa só virtude. Ora, tudo isso é impossível, pois, pela primeira hipótese teríamos de admitir a imperfeição da natureza humana de Cristo, e pela segunda, a confusão das naturezas.

Por isso e com razão o Sexto Sínodo condenando a opinião referida, dispõe: Glorificamos no mesmo Cristo Senhor nosso e verdadeiro Deus duas operações naturais indivisas, inconvertíveis, inconfusas, inseparáveis, isto é, uma operação divina e outra humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A operação teândrica isto é, divino humana ou humano divina, que Dionísio atribui a Cristo, ele não a funda em nenhuma confusão de operações ou de virtudes de ambas as naturezas, mas porque a divina operação de Cristo se serve da humana e a humana participa da virtude da divina. E por isso diz numa Epístola: Os seus actos humanos realizava-os de modo superior ao humano, como o demonstra a conceição sobrenatural da Virgem e o facto de ter-se sustentado à tona da água apesar do peso do seu corpo. Ora, é manifesto, que tanto conceber como andar, a natureza humana o pode, mas, uma e outra coisa Cristo a fez sobrenaturalmente, do mesmo modo, quando curou o leproso pelo simplesmente tocar, obrava humanamente, enquanto Deus. Por isso Dionísio acrescenta: Não agia divinamente, como Deus, nem humanamente, como homem, mas tendo o Deus sido feito homem, obrava, por uma nova operação, obras próprias de Deus e do homem. - Mas, que entendia serem duas as operações em Cristo — uma da natureza divina e outra, da humana, resulta claro do passo onde, declara: Do pertinente à sua acção humana nem o Pai nem o Espírito Santo participam, por nenhuma razão, salvo se disséssemos participarem, por uma benigníssima e misericordiosa vontade, isto é, enquanto que o Pai e o Espírito Santo quiseram por sua misericórdia, que Cristo agisse como homem e sofresse. Mas acrescenta: Em todas as sublimíssimas e inefáveis obras divinas que obrou, feito homem, mostra-se imutavelmente Deus e Verbo de Deus. Donde é claro que uma é a sua operação humana, da qual nem o Pai nem o Espírito Santo participam, salvo pela aceitação da sua misericórdia, e outra a que obra como Verbo de Deus, da qual participam o Pai e o Espírito Santo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Dissemos que um instrumento age quando movido pelo agente principal, mas, além dessa acção, pode o instrumento ter uma operação própria resultante da sua forma, como dissemos a respeito do fogo. Assim, pois, a acção do instrumento, como tal, não difere da do agente principal, mas pode, como um determinado ser que é, ter outra operação. Donde, a operação da natureza humana de Cristo, enquanto instrumento da divindade, não difere da operação da divindade, assim, a salvação obrada pela humanidade não difere da operada pela divindade. Mas, a natureza humana em Cristo, enquanto uma determinada natureza, tem uma operação própria, além da divina, como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Operar é próprio da hipóstase subsistente, mas, segundo a forma e a natureza da qual a operação recebe a sua espécie. Donde, da diversidade das formas ou naturezas resultam espécies diversas de operações, ao passo que da unidade da hipóstase resulta a unidade numérica da operação especificada. Assim, o fogo tem duas operações especificamente diversas — iluminar e aquecer — por causa da diferença entre a luz e o calor, contudo, a iluminação é uma operação única e simultânea produzida pelo fogo. Semelhantemente, pelas suas duas naturezas, hão-de ser por força duas e especificamente diferentes as operações de Cristo, mas, cada uma delas é numericamente uma e simultaneamente realizada por Cristo, assim um é o seu acto de andar e um, o de curar.

RESPOSTA À QUARTA. — A pessoa tem por natureza existir e operar o, mas de modos diferentes. Pois, a existência pertence à constituição própria da pessoa, e assim considerada, ela exerce a função de termo, e por isso a unidade de pessoa supõe a unidade do próprio ser completo e pessoal. Mas a operação é um efeito da pessoa, em virtude de uma determinada forma ou natureza. Por isso, a pluralidade de operações não prejudica a unidade pessoal.

RESPOSTA À QUINTA. — Um é o efeito próprio da operação divina e outro, o da humana, em Cristo. Assim, efeito próprio da operação divina é a cura do leproso, ao passo que efeito próprio da natureza humana é tê-lo tocado. Mas, ambas essas operações concorrem para o mesmo efeito, porque uma natureza age com a participação da outra, como dissemos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho, comt. L esp. (Vida de Maria II)

Tempo Comum VI Semana

Evangelho: Mc 8 14-21

14 Ora os discípulos esqueceram-se de levar pães; e não tinham consigo na barca mais do que um.15 Jesus advertia-os dizendo: «Evitai com cuidado o fermento dos fariseus e o fermento de Herodes». 16 E eles comentavam entre si: «É que não temos pão». 17 Conhecendo isto, Jesus disse-lhes: «Porque estais a discutir que não tendes pão? Ainda não reflectistes nem entendestes? Ainda tendes a vossa inteligência obscurecida? 18 Tendes olhos e não vedes, e tendes ouvidos e não ouvis? Já não vos lembrais? 19 Quando parti os cinco pães para cinco mil homens, quantos cestos cheios de pedaços recolhestes?». Eles responderam: «Doze». 20 «E quando parti sete pães para quatro mil, quantos cestos de pedaços recolhestes?». Responderam: «Sete». 21 E dizia-lhes: «Como é que ainda não entendeis?».

Comentário

É recorrente a admoestação/aviso de Jesus Cristo: ouvir, ver, entender.

Ouvir sem preconceitos nem Espírito crítico;
Ver com os olhos da alma;
Entender com lisura e clareza.

Aqui se aplica o Dom do Espírito Santo: Entendimento!

Não somos, qualquer de nós, nem melhores nem piores que os discípulos que Jesus admoesta, portanto, peçamos ao Espírito Santo esse Dom sem o qual não conseguiremos nem ouvir nem ver e, muito menos, entender.

(ama, comentário sobre Mc 8, 14-21, 2014.02.18)


Leitura espiritual


Santíssima Virgem

Vida de Maria (V)


O diálogo mais importante da história teve lugar no interior de uma casa pobre de Nazaré. Os seus protagonistas são o próprio Deus, que se serve do ministério de um Arcanjo e uma Virgem chamada Maria, da casa de David, desposada com um artesão de nome José.

Muito provavelmente Maria encontrava-se recolhida em oração, talvez meditando alguma passagem da Sagrada Escritura referente à salvação prometida pelo Senhor. É assim que a mostra a arte cristã, que se inspirou nessa cena para compor as melhores representações da Virgem. Ou talvez estivesse ocupada nos trabalhos da casa e, nesse caso, também se encontraria absorvida em oração: tudo n’Ela era ocasião e motivo para manter um diálogo constante com Deus.

— Salve, ó cheia de graça, o Senhor é contigo (Lc 1, 28).

Ao ouvir estas palavras, Maria perturbou-se e discorria pensativa que saudação seria esta (Lc 1, 29). Fica confusa, não tanto pela aparição do anjo, mas pelas suas palavras. Sobressaltada, questiona-se sobre o motivo de tais louvores. Perturba-se porque, na sua humildade, sente-se pouca coisa. Boa conhecedora da Escritura, dá-se imediatamente conta de que o mensageiro celestial lhe está a transmitir uma mensagem inaudita. Quem é Ela para merecer esses elogios? O que é que fez na sua breve existência? Certamente deseja servir a Deus com todo o seu coração e com toda a sua alma; mas vê-se muito longe daquelas façanhas que valeram louvores a Débora, a Judite, a Ester, mulheres muito exaltadas na Bíblia. No entanto, compreende que a embaixada divina é para Ela. Ave, gratia plena!

"NÃO HÁ NA SUA RESPOSTA A MÍNIMA SOMBRA DE DÚVIDA OU DE INCREDULIDADE; SIM, DESDE A SUA MAIS TENRA INFÂNCIA, SÓ ANSIAVA POR CUMPRIR A VONTADE DIVINA!"

Neste primeiro momento, Gabriel dirige-se a Maria dando-lhe um nome — a cheia de graça — que explica a profunda perturbação de Nossa Senhora. São Lucas utiliza um verbo que, em língua grega, indica que a Virgem de Nazaré estava completamente transformada, santificada pela graça de Deus. Como posteriormente definiria a Igreja, isto tinha ocorrido no primeiro momento da sua concepção, em consideração da missão que havia de cumprir: ser Mãe de Deus na Sua natureza humana, permanecendo ao mesmo tempo Virgem.

O Arcanjo apercebe-se do sobressalto da Senhora e, para a tranquilizar, dirige-se a Ela chamando-a — agora sim — pelo seu próprio nome e explicando-lhe as razões dessa saudação excepcional.

— Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus; eis que conceberás no teu ventre e darás à luz um filho, a Quem porás o nome de Jesus. Será grande e será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus Lhe dará o trono de Seu pai David; reinará sobre a casa de Jacob eternamente e o Seu reino não terá fim (Lc 1, 30-33).

"NÃO SE LIMITA A UM GENÉRICO DAR LICENÇA, MAS PRONUNCIA UM SIM — FIAT! — NO QUAL ENVOLVE TODA A SUA ALMA E TODO O SEU CORAÇÃO".

Maria, que conhece bem as profecias messiânicas e as meditou muitas vezes, compreende que será a Mãe do Messias. Não há na sua resposta a mínima sombra de dúvida ou de incredulidade; sim, desde a sua mais tenra infância, só ansiava por cumprir a Vontade divina! Mas deseja saber como se realizará esse prodígio, pois, inspirada pelo Espírito Santo, tinha decidido entregar-se a Deus em virgindade de coração, de corpo e de mente.

São Gabriel comunica-lhe então o modo diviníssimo em que maternidade e virgindade se conciliarão no seu seio.

— O Espírito Santo descerá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra; por isso mesmo o Santo que há-de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se dizia estéril, porque a Deus nada é impossível (Lc 1, 35-37):

O anjo cala-se. Um grande silêncio se apodera do céu e da terra, enquanto Maria medita no seu coração a resposta que vai dar ao mensageiro divino. Tudo depende dos lábios desta Virgem: a Encarnação do Filho de Deus, a salvação da humanidade inteira.

Maria não demora. E, ao responder ao convite do Céu, fá-lo com toda a energia da sua vontade. Não se limita a um genérico dar licença, mas pronuncia um sim — fiat! — no qual envolve toda a sua alma e todo o seu coração, aderindo plenamente à Vontade de Deus: Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1, 38).

E o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14). Ao contemplar uma vez mais este mistério da humildade de Deus e a humildade da criatura, irrompemos numa exclamação de gratidão que gostaríamos que não terminasse nunca: «Ó Mãe, Mãe! com essa tua palavra — "fiat" — tornaste-nos irmãos de Deus e herdeiros da Sua glória. — Bendita sejas!» (Caminho, n. 512).

J.A. Loarte

***
A Anunciação é o momento em que Nossa Senhora conhece com clareza a vocação a que Deus a tinha destinado desde sempre. Quando o Arcanjo a tranquiliza e lhe diz «não temas, Maria», está a ajudá-la a superar esse temor inicial que, ordinariamente, se apresenta em toda a vocação divina. O facto de que isto tenha acontecido à Santíssima Virgem indica-nos que não há nisso nem sequer imperfeição: é uma reacção natural diante da grandeza do sobrenatural.
Imperfeição seria não o superar, ou não nos deixarmos aconselhar por aqueles que, como São Gabriel e Nossa Senhora podem ajudar-nos. [i]
«Salve!»: Literalmente o texto grego diz: alegra-te! É claro que se trata de uma alegria totalmente singular pela notícia que Lhe vai comunicar a seguir. «Cheia de graça»: O Arcanjo manifesta a dignidade e a honra de Maria com esta saudação desusada. Os Padres e Doutores da Igreja «ensinaram que com esta singular e solene saudação, jamais ouvida, se manifestava que a Mãe de Deus era assento de todas as graças divinas e que estava adornada de todos os carismas do Espírito Santo», pelo que «jamais esteve sujeita a maldição», isto é, esteve imune de todo o pecado. Estas palavras do arcanjo constituem um dos textos em que se revela o dogma da Imaculada Conceição de Maria (cfr Ineffabilis Deus; Credo do Povo de Deus, n. O 14), «0 Senhor está contigo»: Estas palavras não têm um mero sentido deprecatório (o Senhor esteja contigo), mas afirmativo (o Senhor está contigo), e em relação muito estreita com a Encarnação. Santo Agostinho glosa a frase «o Senhor está contigo» pondo na boca do arcanjo estas pala­vras: «Mais que comigo, Ele está no teu coração, forma-Se no teu ventre, enche a tua alma, está no teu seio»> (Sermo de Nativitate Domini, 4).
Alguns importantes manuscritos gregos e versões antigas acrescentam no fim: «Bendita tu entre as mulheres»: Deus exaltá-La-ia assim sobre todas as mulheres. Mais excelente que Sara, Ana, Débora, Raquel, Judite, etc., pelo facto de que só Ela tem a suprema dignidade de ter sido escolhida para ser Mãe de Deus. [ii]
A Anunciação a Maria e a Encarnação do Verbo é o facto mais maravilhoso, o mistério mais entranhável das relações de Deus com os homens e o acontecimento mais transcen­dente da História da humanidade. Que Deus Se faça Homem e para sempre! Até onde chegou a bondade, a misericórdia e o amor de Deus por nós, por todos nós! E, não obstante, no dia em que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade assu­miu a débil natureza humana das entranhas puríssimas de Maria Santíssima, nada extraordinário acontecia, aparentemente, sobre a face da terra.
Com grande simplicidade narra São Lucas o magno acontecimento. Com quanta atenção, reverência e amor temos de ler estas palavras do Evangelho, rezar piedosa mente o Angelus cada dia, seguindo a divulgada devoção cristã, e contemplar o primeiro mistério gozoso do santo Rosário. [iii]                        
Virgo fidelis, Virgem fiel. Que significa esta fidelidade de Maria? Quais são as dimensões da fidelidade? A primeira dimensão chama-se busca. Maria foi fiel, antes de mais, quando com amor se pôs a buscar o sentido profundo do desígnio de Deus n'Ela e para o mundo. Quomodo fiet? Como acontecerá isto?,  perguntava Ela ao anjo da Anunciação (...). Não haverá fidelidade se não houver na raiz esta ardente, paciente e generosa busca (...).
«A segunda dimensão da fidelidade chama-se acolhimento, aceitação. O Quomodo fiet transforma-se, nos lábios de Maria, em um fiat. Que se faça, estou pronta, aceito: este é o momento crucial da fidelidade, momento em que o homem percebe que jamais compreenderá totalmente o como: que há no desígnio de Deus mais zonas de mistério que de evidência; que, por mais que faça, jamais conseguirá captar tudo (...).
Coerência é a terceira dimensão da fidelidade. Viver de acordo com o que se crê. Ajustar a própria vida ao objecto da própria adesão. Aceitar incompreensões, perseguições antes que permitir rupturas entre o que se vive e o que se crê: esta é a coerência (...)
Mas toda a fidelidade deve passar pela prova mais exigente: a da duração. Por isso a quarta dimensão da fidelidade é a constância. É fácil de ser coerente por um dia uns dias. Difícil e importante é ser coerente toda a vida. É fácil ser coerente na hora da exaltação, difícil sê-lo na hora da tribulação. E só pode chamar-se fidelidade a uma coerência que dura ao longo de toda a vida. O fiat de Maria na Anunciação encontra a sua plenitude no fiat silencioso que repete aos pés da cruz.[iv]
***
Salve, ó cheia de graça ! [vi]          
Foi com estas palavras que, Gabriel, o Anjo do Senhor se dirigiu a ti, Maria de Nazaré.
Tão longe estarias tu deste acontecimento.
Decerto que, desde pequenina, a oração constante, a simplicidade nos pensamentos e nos actos, sem a mais leve mancha de malícia ou impudor, deverias sentir Deus muito próximo, ao alcance da tua voz.
Certamente que sim, pois acreditavas firmemente que Ele te ouvia sempre e em cada momento.
Mas a tua modéstia, a tua simplicidade, a tua total e humilde submissão a teu Senhor, ao teu Deus, não permitiriam nunca que essa possibilidade te ocorresse sequer.
O Senhor Todo Poderoso, o Criador do Céu e da Terra e de tudo quanto existe, enviar a Nazaré, à tua casa humilde e simples, um Anjo Seu, para te saudar! Que coisa mais extraordinária.
Sabias que Deus não era um ser longínquo e distante, inacessível aos homens. Constantemente tinha intervindo junto do povo eleito para comunicar a Sua Vontade, os Seus desígnios.
Mas, os Seus interlocutores tinham sido sempre grandes personagens da História Humana: Abraão, Moisés, David, os Profetas.
E tu, pobre e humilde menina recebias do Senhor uma graça semelhante!?
Logo no início o salve do Mensageiro te perturba. Salve, isto é, alegra-te.
Mas, mais: Oh! cheia de graça!
Que saudação estranha e desusada que manifesta uma dignidade e honra que julgas não merecer.
Alegra-te Filha... de Jerusalém... o Senhor está no meio de ti.[vii]
Estes altíssimos louvores ferem o teu espírito humilde e, por isso a estas palavras, ela perturbou-se e ficou a pensar que saudação seria aquela. [viii]
Mas, Gabriel, é um Anjo do Senhor, e apercebe-se a tua confusão, talvez, o teu natural temor. E sossega-te:
Não tenhas receio, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo; dar-Lhe-á o Senhor Deus o trono de Seu pai David, reinará eternamente na casa de Jacob e o seu reinado não terá fim. [ix]
Conhecias bem pelas Escrituras que lias e meditavas, o que significava esta saudação e portanto, quando Gabriel evoca estas prerrogativas, entendeste claramente que te era anunciado que irias ser a Mãe do Messias Salvador.
Mas há ainda no teu espirito esclarecido, não obstante a tua juventude, uma dúvida séria: Como poderias tu, virgem humilde, teres sido escolhida para Mãe de Jesus Salvador pelo próprio Deus a quem tinhas dedicado a tua virgindade?!
E, não obstante a tua humildade de jovem simples não deixas de interrogar:
Como será isso, se eu não conheço homem?! [x]
Ah!... mas o Anjo tranquiliza-te: Virá sobre ti o Espírito Santo, e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. [xi]
Esta resposta corresponde também ao que nas Escrituras se revelava sobre o aparecimento do Messias.
Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho a quem será dado o nome de Emanuel, que quer dizer Deus connosco. [xii]
Não tinhas mais dúvidas por isso nada mais perguntaste. Não quiseste saber como, quando, porquê.
Nada, nada absolutamente te interessava averiguar porque:
Heis aqui a escrava do Senhor: seja-me feito segundo a tua palavra! [xiii]
Assim, tal qual, tu, Senhora, a quem acabava de anunciado seres eleita por Deus a maior, a mais sublime de entre as mulheres da Terra, assim, com esta simplicidade que fere pela sua inteira singeleza, assim, tu defines um coração puro, uma alma de Deus, uma total entrega ao Senhor.[xiv]
Oh! Mãe, Mãe! com essa tua palavra - «fiat» - tornaste-nos irmãos de Deus e herdeiros da Sua glória. - Bendita sejas! [xv]
Em Maria, nada existe da atitude das virgens néscias, que obedecem, sim, mas como insensatas. Nossa Senhora ouve com atenção o que Deus quer, pondera aquilo que não entende, pergunta o que não sabe. Imediatamente a seguir, entrega-se sem reservas ao cumprimento da Vontade divina: heis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Vossa palavra. Vedes esta maravilha? [xvi]
Uma vez conhecido o desígnio divino, Nossa Senhora entrega-se à Vontade de Deus com obediência pronta e sem reservas.
Dá-se conta da desproporção entre o que vai ser - Mãe de Deus - e o que é - uma mulher -. Não obstante, Deus o quer e nada é impossível para Ele, e por isto ninguém é capaz de por dificuldades ao desígnio divino. Daí que, juntando-se em Maria a humildade e a obediência, pronunciará o sim ao chamamento de Deus com essa resposta perfeita: «Heis a escrava do Senhor, seja-me feito segundo a Tua palavra». [xvii]
Por isso Deus te escolheu.
A Mãe do Salvador, do Deus feito homem, perfeito homem, que haveria de morrer na Cruz para salvar todos os homens, num sacrifício cruento, completo, total, não poderia senão expressar a aceitação pronta e total da Vontade Divina.
Faça-se a Tua Vontade de uma forma total e completa.
Não para meu bem, não para minha glória, não para beneficio de quem quer que seja, não... só e unicamente porque é a Tua Vontade Senhor; o resto não me interessa...
E, no entanto esta jovem era já a Mãe do Salvador, escolhida desde o principio dos tempos.
Poderei eu, algum dia, alguma vez, do fundo do coração, manifestar tal sentimento?
Decerto que não.
Quantas vezes que me proponho a aceitar a Vontade de Deus, mas reservando no meu no meu íntimo, que ela esteja de acordo com a minha vontade. Que se satisfaçam os meus desejos, que obtenha o que quero que o Senhor, actue assim, como uma espécie de Deus privado, ao meu serviço.
Heis aqui  a escrava do Senhor: seja-me feito segundo a tua palavra! [xviii]
Ah! Senhora minha, que maravilha a tua resposta, que espantosa a tua entrega.
Ajuda-me, querida Mãe, a dizer a cada momento sim ao Senhor.
Instila no meu coração de filho, porque és minha Mãe, esses sentimentos puros e humildes, esse desprendimento das coisas, essa disponibilidade permanente para ouvir e, ouvindo, dizer que sim aos desejos do Senhor.
Desejo tanto ser honesto comigo mesmo para poder ser honesto para com os outros e para com Deus. Não me mentir, não me enganar, não me esconder atrás de falsas coisas, defeitos ou virtudes, para me esquivar constantemente ao que me é pedido.
E a Tua Vontade, o Teu mandato, claríssimo é que eu seja santo [xix]
Não um dia, não qualquer dia, agora - nunc coepi - pois pode ser que o amanhã me falte. [xx]
"Ave Cheia de Graça, o Senhor está contigo". [xxi]
Assim te falou o Anjo do Senhor.
Ave minha Mãe Santíssima.
Ave, minha querida Mãe que estás no Céu, digo-te eu,  com a esperança, que é certeza, que me ouves e atenderás as minhas suplicas.
Como tu, também eu quero dizer “fiat”, faça-se, cumpra-se a justíssima e amabilíssima Vontade de Deus sobre todas as coisas. [xxii]
Monstra te esse mater [xxiii], mostra que és mãe , ajuda-me e guia-me todos os dias da minha vida para que eu seja um bom filho.










[i] Bíblia Sagrada anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, comentário a Lc 1, 30
[ii] Bíblia Sagrada anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, comentário a Lc 1, 28
[iii] Bíblia Sagrada anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, comentário a Lc 1, 26-38
[iv] João Paulo II, Homilia na Missa na Catedral México, 26.01.1979
[v] AMA, sobre a Anunciação, 2000
[vi] Lc 1, 28
[vii] So 3, 14. 17a
[viii] Lc 1, 29
[ix] Lc 1, 30,33
[x]  Lc 1, 34
[xi] Lc 1, 35
[xii] Is 7, 14.
[xiii] Lc 1, 38
[xiv] Na antiguidade, quando está plenamente vigente a escravatura, é onde se deve avaliar a força e o sentido desta expressão de Maria. O escravo não tinha outra vontade nem outro querer que o do seu amo. Vive para o seu dono e está de modo permanente ao seu serviço, sem horas fixas de dedicação e sem condições. Assim a Virgem, assim cada cristão que queira seguir Cristo. (Francisco Fernandez Carvajal, Vida de Jesus, Barbosa & Xavier, Lda - Artes Gráficas, pg. 45)
[xv] S. Josemaría Escrivá, Caminho, nr 512
[xvi] S. Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, nr 173
[xvii] Bíblia Sagrada, anotada pela Fac. de Teologia da Univ. de Navarra, Comentário Lc 1,38
[xviii]  Lc 1, 38
[xix] Pois n'Ele elegeu-nos antes da criação do mundo para que fôssemos santos Ef 1, 4-6
[xx] cfr. Beato Josemaría, Caminho, nrs 251 a 254
[xxi] Lc 1, 28
[xxii] cfr. S. Josemaría Escrivá, Forja 769
[xxiii] cfr. Paulo VI, Discurso em Fátima, 13.05.19