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30/01/2015

Os filhos de Deus têm de ser contemplativos

Nunca compartilharei a opinião – ainda que a respeite – dos que separam a oração da vida activa, como se fossem incompatíveis. Os filhos de Deus têm de ser contemplativos: pessoas que, no meio do fragor da multidão, sabem encontrar o silêncio da alma em colóquio permanente com Nosso Senhor: e olhá-lo como se olha um Pai, como se olha um Amigo, a quem se quer com loucura. (Forja, 738)

Não duvideis, meus filhos: qualquer forma de evasão das honestas realidades diárias é, para vós, homens e mulheres do mundo, coisa oposta à vontade de Deus.

Pelo contrário, deveis compreender agora – com uma nova clareza – que Deus vos chama a servi-Lo em e a partir das ocupações civis, materiais, seculares da vida humana: Deus espera-nos todos os dias no laboratório, no bloco operatório, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no lar e em todo o imenso panorama do trabalho. Ficai a saber: escondido nas situações mais comuns há um quê de santo, de divino, que toca a cada um de vós descobrir.

Eu costumava dizer àqueles universitários e àqueles operários que vinham ter comigo por volta de 1930 que tinham que saber materializar a vida espiritual. Queria afastá-los assim da tentação, tão frequente então como agora, de viver uma vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e por outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas.

Não, meus filhos! Não pode haver uma vida dupla; se queremos ser cristãos, não podemos ser esquizofrénicos. Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser – na alma e no corpo – santa e cheia de Deus, deste Deus invisível que encontramos nas coisas mais visíveis e materiais.


Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar Nosso Senhor na nossa vida corrente ou nunca O encontraremos Por isso posso dizer-vos que a nossa época precisa de restituir à matéria e às situações que parecem mais vulgares o seu sentido nobre e original, colocá-las ao serviço do Reino de Deus, espiritualizá-las, fazendo delas o meio e a ocasião do nosso encontro permanente com Jesus Cristo. (Temas Actuais do Cristianismo, n. 114)

Jesus Cristo e a Igreja - 53

O que diz o Evangelho de Judas?

Entre os diversos evangelhos apócrifos que são mencionados pelos Padres e pelos antigos autores eclesiásticos encontra-se o denominado Evangelho de Judas.

Dele Santo Ireneu, no seu tratado Contra as heresias, (1, 31, 1) escreve: “Outros declaram que Caim obteve o seu ser do Poder do alto e reconhecem que Esaú, Coré, os Sodomitas e esse tipo de pessoas estão relacionadas entre si. Por isso – acrescentam eles – foram assediados pelo Criador, embora nenhum tenha sofrido dano. Dizem que a Sabedoria tinha o costume de levar consigo o que lhe pertencia, partindo deles e retornando a ela mesma. Também dizem que Judas o traidor estava muito familiarizado com estas coisas e que apenas ele, sabendo a verdade como nenhum outro, levou a cabo o mistério da traição. Dizem que por sua culpa todas as coisas terrenas e celestiais foram dissolvidas. Foram estes que escreveram uma história fictícia a esse respeito e que denominam Evangelho de Judas”. A ele aludem também Santo Epifânio e Teodoreto de Ciro.

Dado que Ireneu escreveu a sua obra em 180, o Evangelho de Judas teve de ser escrito antes desta data, provavelmente em grego, entre 130 e 170. Da seita dos Caimitas não conhecemos mais do que aquilo que nos diz o texto de Ireneu. Não se sabe se era um grupo independente ou parte de uma seita gnóstica mais ampla.

Muito recentemente deu-se a conhecer a existência de um códice do século IV encontrado no Egipto, que contém um texto em copto do Evangelho de Judas. O códice contém também outros três escritos gnósticos. Com este novo achado podemos saber que o Evangelho de Judas recolhe uma suposta revelação de Jesus a Judas Iscariotes “três dias antes de ter celebrado a Páscoa”. Tal como no caso do Evangelho de Maria (ver a pergunta correspondente), trata-se de uma obra carente de qualquer conteúdo histórico, que utiliza o nome de Judas para transmitir ensinamentos ocultos, aos iniciados na seita. Depois de mencionar que Jesus fazia o seu ministério terreno fazendo milagres e mostrando-se às vezes diante dos seus discípulos sob a forma de um menino, conta um diálogo entre Jesus e os discípulos. Jesus ri-se do que estão a fazer (dar graças sobre o pão) e eles não gostam. Judas é o único que reage bem perante aquilo que Jesus pede, pelo que Jesus lhe diz: “Eu sei quem és e donde vens. Tu vens do reino imortal de Barbelo e eu não sou digno de pronunciar o nome de quem te enviou” (Barbelo é a primeira emanação de Deus nas cosmogonias gnósticas de tipo setiano). Seguem-se outros encontros e diálogos dos discípulos e de Judas com Jesus nos quais se tratam complicadas questões cósmicas. Quase no final conta-se como Jesus diz a Judas: “Tu excederás a todos, porque tu sacrificarás o homem de que estou revestido”. O escrito acaba por dizer que Judas recebeu dinheiro dos escribas e lhes entregou Jesus.

Este novo texto tem valor para o nosso conhecimento do gnosticismo do século II, mas do ponto de vista histórico não contribui nada – nem sobre Jesus, nem sobre os seus discípulos – que não saibamos pelos evangelhos. Contudo, este manuscrito – tal como os outros que foram descobertos no século passado – confirma a veracidade das informações que Ireneu, Epifânio e outros escritores antigos nos transmitiram sobre os grupos gnósticos.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Temas para meditar - 350


Fermento


Podeis ser como fermento no meio da massa, capazes de mudar as grandes metrópoles, as grandes cidades, os ambientes intelectuais e podeis construir um futuro melhor, porque é o homem quem constrói essa realidade humana. Efectivamente, se o homem se deixa levar pela força de Deus, se caminha com Ele, é capaz de mudar o mundo. Desejo que mudeis o mundo. Que a última palavra de nosso encontro UNIV 1982 seja este desejo de mudar o mundo.


(são joão paulo ii, Discurso aos jovens, UNIV, Roma, 1982.04.06)

Tratado do verbo encarnado 106

Questão 16: Do conveniente a Cristo no seu ser e no seu dever

Art. 3 — Se Cristo pode ser chamado o homem do Senhor.

O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo pode ser chamado. o homem do Senhor.

1. — Pois, diz Agostinho: Devemos advertir que são de se esperar os bens que existiam naquele homem do Senhor. Ora, refere-se a Cristo. Logo, parece que Cristo é homem do Senhor.

2. Demais. — Assim como o domínio convém a Cristo em razão da natureza divina, assim também a humanidade pertence à natureza humana. Ora, Deus é dito humanado, como o faz Damasceno quando, se refere à humanização, que demonstra a união com o homem. Logo, pela mesma razão, pode-se dar ao homem Cristo a denominação de homem do Senhor.

3. Demais. — Assim como a denominação latina dominicus (do Senhor) deriva de dominas, assim divino deriva de Deus. Ora, Dionísio diz que Cristo denomina o diviníssimo Jesus. Logo, pela mesma razão, podemos dizer que Cristo é o homem do Senhor.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Não vejo se se chama com acerto a Jesus Cristo homem do Senhor, pois é propriamente Senhor.

Como dissemos, quando dizemos o homem. Jesus Cristo, designamos o suposto eterno, que é a pessoa do Filho de Deus, porque ambas as suas naturezas tem o mesmo suposto. Ora, da pessoa do Filho de Deus se predica Deus e Senhor, essencialmente. Logo, não devem ser predicados denominativamente, porque iria contra a verdade da união. Donde, como dominicus (do Senhor) tira a sua denominação de dominus (Senhor), não podemos dizer verdadeira e propriamente que Cristo seja o homem do Senhor, mas antes, que é Senhor, Mas, se pela expressão Jesus Cristo homem designamos um suposto criado, como o ensinam os que introduzem em Cristo dois supostos, podemos então dizer que Cristo é homem do Senhor, por ter sido assumido para participar da honra divina, como o ensinavam os Nestorianos. E também deste modo não dizemos que a natureza é essencialmente deusa, mas, deificada, não, certamente, por se converter na natureza divina, mas pela união com a natureza divina, na unidade da hipóstase, como está claro em Damasceno.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Agostinho retratou essas expressões e outras semelhantes. Por isso, depois das palavras dessa retratação acrescenta: Onde disse, que Cristo Jesus fosse homem do Senhor, não queria tê-lo dito, pois, vi a seguir, que não devia ser assim, porque nenhuma razão o pode sustentar. Isto é, porque poderia alguém dizer que é chamado homem do Senhor em razão da natureza humana, significada pela palavra homem, mas não em razão do suposto.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Esse suposto único, da natureza divina e da humana foi, primeiro, da natureza divina isto é, abeterno, mas depois temporalmente, pela Encarnação foi feito o suposto da natureza humana. E por isso se chama humanado, não por ter assumido o homem, mas porque assumiu a natureza humana. Mas não se dá o inverso, a saber, que o suposto da natureza humana tivesse assumido a natureza humana. Por isso, Cristo não pode ser chamado homem deificado ou do Senhor.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O nome divino costuma predicar-se também daquilo de que se predica essencialmente o nome de Deus. Assim, dizemos que a essência divina é Deus, em razão da identidade, e que a essência é de Deus ou divina, pelo modo diverso de significar, e Verbo divino, embora o Verbo seja Deus. E semelhantemente, dizemos pessoa divina como dizemos também a pessoa de Platão, por causa do modo diverso de significar. Ora, a expressão — do Senhor — não se predica daquilo de que se predica o nome de Senhor, assim, não se costuma dizer que um homem, que é senhor, seja do senhor, mas, o que de algum modo é do senhor se chama do senhor, como quando dizemos: a vontade do Senhor ou a mão do Senhor ou a paixão do Senhor. Donde, o homem Cristo, que é Senhor, não pode ser chamado do Senhor, mas a sua carne pode ser denominada carne do Senhor e a sua paixão do Senhor.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Ev. diário L. Esp. (Temas actuais do cristianismo)

Tempo Comum III Semana

Evangelho: Mc 4 26-34

26 Dizia também: «O reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra. 27 Dorme e se levanta, noite e dia, e a semente germina e cresce sem ele saber como. 28 Porque a terra por si mesma produz, primeiramente a haste, depois a espiga, e por último a espiga cheia de grãos. 29 E, quando o fruto está maduro, mete logo a foice, porque chegou o tempo da ceifa». 30 Dizia mais: «A que coisa compararemos nós o reino de Deus? Com que parábola o representaremos? 31 É como um grão de mostarda que, quando se semeia no campo, é a menor de todas as sementes que há na terra; 32 mas, depois que é semeado, cresce e torna-se maior que todas as hortaliças, e cria ramos tão grandes que “as aves do céu podem vir abrigar-se à sua sombra”». 33 Assim lhes propunha a palavra com muitas parábolas como estas, conforme eram capazes de compreender. 34 Não lhes falava sem parábolas; porém, em particular explicava tudo aos Seus discípulos.

Comentário

O Reino de Deus existe quer o homem queira ou não, deseje ou não fazer parte dele.
O Senhor explica abundantemente e com paciência amorosa o que é esse Reino e as vantagens – reais – de participar no seu anúncio a todos os homens sem distinção ou acepção.
Os trabalhadores do Reino, que devemos ser todos os cristãos, têm uma garantia de “sucesso” que é dada pelo próprio Rei: mesmo que a sua acção seja como um grão de mostarda, aparentemente insignificante, o resultado ultrapassa em tudo o que possamos imaginar.

Grandes e pequenas sementeiras, todas darão fruto porque é O Senhor Quem os faz surgir para os santificar e distribuir por todos.

(ama, comentário sobre Mc 4, 26-34, 2014.01.31)


Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Temas actuais do cristianismo [i]

73             

Monsenhor, gostaríamos que nos dissesse quais são, no seu entender, os fins essenciais da Universidade e como deve situar-se o ensino da religião dentro dos estudos universitários.

A Universidade - como sabeis, porque o viveis ou o desejais viver - deve prestar uma contribuição de primeira importância para o progresso humano. Como os problemas que se apresentam na vida dos povos são múltiplos e complexos - espirituais, culturais, sociais, económicos, etc. - a formação que a Universidade deve proporcionar há-de abranger todos esses aspectos.

O desejo de TRABALHAR pelo bem comum não basta; o caminho para que este desejo se torne realidade é preparar homens e mulheres capazes de adquirirem uma boa preparação e capazes de darem aos outros o fruto dessa plenitude que adquiriram.

A religião é a maior rebelião do homem que não quer viver como um animal, que não se conforma, que não sossega, se não conhece e priva com o Criador; o estudo da religião é portanto uma necessidade fundamental. Um homem que careça de formação religiosa não está completamente formado. Por isso a religião deve estar presente na Universidade e deve ensinar-se a nível superior, científico, de boa teologia. Uma Universidade da qual a religião esteja ausente é uma Universidade incompleta, porque ignora uma dimensão fundamental da pessoa humana, que não exclui - antes exige - as outras dimensões.

Por outro lado, ninguém pode violar a liberdade das consciências: o ensino da religião deve ser livre, ainda que o cristão saiba que, se quer ser coerente com a sua fé, tem obrigação grave de se formar bem nesse terreno, de possuir, portanto, uma cultura religiosa, isto é, de adquirir doutrina, para poder viver dela e para poder dar testemunho de Cristo com o exemplo e com a palavra.

74             
No período da história que vivemos há uma preocupação singular pela democratização do ensino, pela sua acessibilidade a todas as classes sociais e não se pode conceber a instituição universitária sem uma projecção ou função social. Em que sentido entende esta democratização e de que modo pode a Universidade cumprir a sua função social?

É necessário que a Universidade incuta nos estudantes uma mentalidade de serviço: serviço à sociedade, promovendo o bem comum através do TRABALHO profissional e da actuação pública. Os universitários devem ser responsáveis, sentir uma sã inquietação pelos problemas dos outros e um espírito generoso que os leve a enfrentar estes problemas e a procurar encontrar-lhes a melhor solução. É missão da Universidade dar tudo isto aos estudantes.

Todos aqueles que reunirem condições devem ter acesso aos estudos superiores, sejam quais forem a sua origem social, os seus meios económicos, a sua raça ou religião. Enquanto existirem barreiras desta natureza, a democratização do ensino será apenas uma frase oca.

Em resumo: a Universidade deve estar aberta a todos e, por outro lado, deve formar os estudantes para que o seu futuro trabalho profissional venha a estar ao serviço de todos.

75             
Muitos estudantes desejam adoptar uma atitude activa ante o panorama que observam em todo o mundo e sentem-se solidários de tantas pessoas que sofrem física e moralmente ou que vivem na indigência. Que ideias sociais proporia o senhor a esta juventude intelectual de hoje?

O ideal é, sobretudo, a realidade de um trabalho bem feito, a adequada preparação científica durante os anos da Universidade. A partir desta base, há milhares de lugares no mundo que precisam de braços, que esperam por um trabalho pessoal, duro e sacrificado. A Universidade não deve formar homens que consumam egoisticamente as vantagens alcançadas com os seus estudos; deve prepará-los para uma tarefa de generosa ajuda ao próximo, de fraternidade cristã.

Muitas vezes esta solidariedade esgota-se em manifestações orais ou escritas, quando não em algazarras estéreis ou prejudiciais. A solidariedade, meço-a eu por obras de serviço: conheço milhares de casos de estudantes, de muitos países, que renunciaram ao seu pequeno mundo privado, dando-se aos outros mediante um trabalho profissional que procuram fazer com perfeição humana, em obras de ensino, de assistência, sociais, etc., com espírito sempre jovem e cheio de alegria.

76             
Perante a actualidade sócio-política do nosso e dos restantes países, perante a guerra, a injustiça ou a opressão, que responsabilidade atribui à Universidade como corporação, aos professores e aos alunos? Pode a Universidade, seja como for, admitir dentro do seu âmbito o desenvolvimento de actividades políticas por parte de estudantes e professores?

Antes de mais nada quero dizer que nesta conversa estou exprimindo uma opinião, a minha, a de uma pessoa que desde os dezasseis anos - agora tenho sessenta e cinco - não perdeu o contacto com a Universidade. Exponho o meu modo pessoal de ver esta questão, não o modo de ver do Opus Dei, que em todas as coisas temporais e discutíveis não quer nem pode ter opção nenhuma - cada sócio da Obra tem e exprime livremente o seu próprio parecer pessoal, pelo qual é também pessoalmente responsável - já que o fim do Opus Dei é exclusivamente espiritual.

Voltando à sua pergunta, parece-me que seria preciso, em primeiro lugar, chegar a um acordo sobre o que significa política. Se por política se entende interessar-se e trabalhar em favor da paz, da justiça social, da liberdade de todos - então, todos na Universidade, e a Universidade como corporação, têm obrigação de sentir esses ideais e de fomentar a preocupação de resolver os grandes problemas da vida humana.

Se, em vez disso, se entende por política a solução concreta de um determinado problema, a par de outras soluções possíveis e legítimas, em confronto com os que sustentam o contrário, penso que não é a Universidade a instância que tem de pronunciar-se a esse respeito.

A Universidade é o lugar onde as pessoas se preparam para dar soluções a esses problemas; é a casa comum, lugar de estudo e de amizade; lugar onde devem conviver em paz pessoas de diversas tendências que, em cada momento, sejam expressão do legítimo pluralismo que existe na sociedade.

77             
Se o condicionalismo político de determinado país chegasse a tal situação que um universitário - professor ou aluno - considerasse preferível, em consciência, politizar a Universidade, por carecer de meios lícitos para evitar o mal geral da nação, poderia, no uso da sua liberdade, fazê-lo?

Se num país não existisse a mínima liberdade política talvez se produzisse uma desnaturalização tal da Universidade, que, deixando de ser a casa comum, se viesse a converter em campo de batalha de facções opostas.

Penso, não obstante, que seria preferível dedicar esses anos a uma preparação séria, a formar uma mentalidade social, para que aqueles que mais tarde houvessem de mandar - os que agora estudam - não caíssem nessa aversão à liberdade pessoal que é verdadeiramente patológica. Se a Universidade se converte no lugar onde se debatem e se decidem problemas políticos concretos, é fácil que se perca a serenidade académica e que os estudantes se formem num espírito de partidarismo; e assim, a Universidade e o país arrastarão sempre esse mal crónico que é o totalitarismo, seja qual for o seu sinal.

Quero, no entanto, esclarecer, ao afirmar que a Universidade não é lugar para a política, que não excluo, antes desejo, um estatuto político normal para todos os cidadãos. E se bem que a minha opinião sobre este ponto seja muito concreta, não quero acrescentar mais nada, porque a minha missão não é política, mas sacerdotal. Tenho direito a dizer o que disse, porque me considero universitário e tudo aquilo que se refere à Universidade me apaixona. Não faço, nem quero, nem posso fazer política. Mas a minha mentalidade de jurista e de teólogo - e a minha fé cristã também - levam-me a estar sempre ao lado da legítima liberdade de todos os homens.

Ninguém pode pretender, em questões temporais, impor dogmas que não existem. Ante um problema concreto, qualquer que ele seja, a solução deve ser estudá-lo bem e, depois, actuar em consciência, com liberdade e com responsabilidade também pessoal.

78             
Quais são, em sua opinião, as funções que competem às associações ou sindicatos de estudantes? Como devem ser as suas relações com as autoridades académicas?

Pede-se-me um juízo sobre uma questão muito ampla. Não vou, por isso, descer a pormenores; só algumas ideias gerais. Penso que as associações de estudantes devem intervir nas tarefas universitárias específicas. Há-de haver representantes - eleitos livremente pelos seus colegas - que entrem em relação com as autoridades académicas, conscientes de que têm de trabalhar em uníssono, numa actividade comum. É outra boa oportunidade de prestar um verdadeiro serviço.

É necessário um estudo que estabeleça as regras a seguir para que esta actividade se realize com eficácia, com justiça e de forma racional. Os assuntos devem ser bem trabalhados, bem pensados; se as soluções que se propõem forem bem estudadas, nascidas do desejo de construir e não do afã de criar conflitos, adquirem uma autoridade interna que faz com que se imponham por si sós.

Para tudo isto é preciso que os representantes das associações tenham uma formação séria: que amem a liberdade dos outros em primeiro lugar e a sua própria liberdade, com a consequente responsabilidade; que não desejem o brilho pessoal nem se atribuam faculdades que não têm, mas busquem o bem da Universidade, que é o bem dos seus companheiros de estudo. E que os eleitores escolham os seus representantes por essas qualidades e não por razões alheias à eficácia da sua Alma Mater: só assim a Universidade será o lugar de paz, remanso de serena e nobre inquietação, que facilita o estudo e a formação de todos.

79             
Em que sentido entende o senhor a liberdade de ensino e em que condições a considera necessária? Neste sentido, que atribuições se devem reservar ao Estado em matéria de ensino superior? Considera que a autonomia é um princípio básico para a organização da Universidade? Poder-nos-ia indicar as linhas mestras nas quais se deve fundar o sistema de autonomia?

A liberdade de ensino é apenas um aspecto da liberdade em geral. Considero a liberdade pessoal necessária para todos e em tudo o que é moralmente lícito. Liberdade de ensino, portanto, em todos os níveis e para todas as pessoas! Quer isto dizer que toda a pessoa ou associação com capacidade para tal deve ter a possibilidade de fundar centros de ensino em igualdade de condições e sem impedimentos desnecessários.

A função do Estado depende da situação social: é diferente na Alemanha ou na Inglaterra, no Japão ou nos Estados Unidos, para citar países com estruturas educacionais muito diversas. O Estado tem evidentemente funções de promoção, de controle, de vigilância. E isso exige igualdade de oportunidades entre a iniciativa privada e a do Estado: vigiar não é pôr obstáculos, nem impedir ou coarctar a liberdade.

Por isso considero necessária a autonomia docente: autonomia é outra forma de dizer liberdade de ensino. A Universidade como corporação deve ter a independência dum órgão num corpo vivo, liberdade na sua tarefa específica em favor do bem comum.

Alguns passos a dar para a efectiva realização desta autonomia podem ser: liberdade de escolha do professorado e dos administradores; liberdade para o estabelecimento dos planos de estudo; possibilidade de constituir o seu património e de o administrar. Enfim, todas as condições necessárias para que a Universidade goze de vida própria. Tendo esta vida própria, saberá dá-la, para bem de toda a sociedade.

80             
Descobre-se na opinião estudantil uma crítica cada vez mais intensa ao sistema de cátedra universitária vitalícia. Parece-lhe acertada esta corrente de opinião?

Parece. Se bem que reconheça o alto nível científico e humano do professorado espanhol, prefiro o sistema de contratar livremente os professores. Penso que este sistema não prejudica economicamente o professor e constitui um incentivo para que o catedrático não deixe nunca de investigar e de progredir na sua especialidade. Evita também que as cátedras sejam tidas como feudos em vez de lugares de serviço.

Não excluo que o sistema de cátedra vitalícia possa dar bons resultados nalgum país, nem que com esse sistema se verifiquem casos de catedráticos muito competentes, que fazem da sua cátedra um verdadeiro serviço à Universidade. Mas parece-me que o sistema de contratação livre permite que estes casos sejam em maior número, até conseguir o ideal de que o sejam praticamente todos.

81             
Não é de opinião que, depois do Vaticano II, ficaram antiquados os conceitos de "colégios da Igreja", "colégios católicos", "Universidades da igreja", etc.? Não lhe parece que tais conceitos comprometem indevidamente a Igreja ou soam a privilégio?

Não, não me parece, se por colégios da Igreja, colégios católicos, etc., se entender o resultado do direito que a Igreja e as Ordens e Congregações religiosas têm de criar centros de ensino. Montar um colégio ou uma universidade não é um privilégio, mas um encargo, quando se procura que seja um centro para todos, e não apenas para os que dispõem de recursos económicos.

O Concílio não pretendeu declarar superadas as instituições docentes confessionais: só quis fazer ver que há outra forma - inclusivamente mais necessária e universal, vivida há tantos anos pelos sócios do Opus Dei - de presença cristã no ensino, que é a livre iniciativa dos cidadãos católicos que têm profissões ligadas à educação, dentro e fora dos centros criados pelo Estado. É mais uma manifestação da plena consciência que a Igreja tem, nestes tempos, da fecundidade do apostolado dos leigos.

Tenho de confessar, por outro lado, que não simpatizo com as expressões escola católica, colégios da Igreja, etc., ainda que respeite todos aqueles que pensam o contrário. Prefiro que as realidades se distingam pelos seus frutos, não pelos seus nomes. Um colégio será efectivamente cristão quando, sendo como os restantes e esmerando-se por progredir, realizar um trabalho de formação completa - também cristã - respeitando a liberdade pessoal e promovendo a urgente justiça social. Se faz isto realmente, o nome é de somenos. Pessoalmente, repito, prefiro evitar esses adjectivos.

(cont)










[i] Entrevista realizada por Andrés Garrigó, publicada em "Gaceta Universitaria" (Madrid, 5 de Outubro de 1967).





Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)



Propósito:
Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?