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16/01/2015

Dar é próprio dos apaixonados

O teu talento, a tua simpatia, as tuas condições... perdem-se; não te deixam aproveitá-las. – Pensas bem nestas palavras de um autor espiritual: "Não se perde o incenso que se oferece a Deus. – Mais se honra o Senhor com o abatimento dos teus talentos do que com o seu uso vão". (Caminho, 684)

E, abrindo os seus tesouros, ofereceram-lhe presentes de ouro, incenso e mirra. Detenhamo-nos um pouco para entender este passo do Santo Evangelho. Como é possível que nós, que nada somos e nada valemos, ofereçamos alguma coisa a Deus? Diz a Escritura: toda a dádiva e todo o dom perfeito vem do alto. O homem não consegue descobrir plenamente a profundidade e a beleza dos dons do Senhor: se tu conhecesses o dom de Deus... – responde Jesus à mulher samaritana. Jesus Cristo ensinou-nos a esperar tudo do Pai, a procurar antes de mais o Reino de Deus e a sua justiça, porque tudo o resto se nos dará por acréscimo e Ele conhece bem as nossas necessidades.

Na economia da salvação, o nosso Pai cuida de cada alma com amor e delicadeza: cada um recebeu de Deus o seu próprio dom; uns de um modo, outros de outro. Portanto, podia parecer inútil cansarmo-nos, tentando apresentar ao Senhor algo de que Ele precise; dada a nossa situação de devedores que não têm com que saldar as dívidas, as nossas ofertas assemelhar-se-iam às da Antiga Lei, que Deus já não aceita: Tu não quiseste os sacrifícios, as oblações e os holocaustos pelo pecado, nem te são agradáveis as coisas que se oferecem segundo a Lei.


Mas o Senhor sabe que o dar é próprio dos apaixonados e Ele próprio nos diz o que deseja de nós. Não lhe interessam riquezas, nem frutos, nem animais da terra, do mar ou do ar, porque tudo isso lhe pertence. Quer algo de íntimo, que havemos de lhe entregar com liberdade: dá-me, meu filho, o teu coração. Vedes? Se compartilha, não fica satisfeito: quer tudo para si. Repito: não pretende o que é nosso; quer-nos a nós mesmos. Daí – e só daí – advêm todas as outras ofertas que podemos fazer ao Senhor. (Cristo que passa, 35)

Temas para meditar - 336


Sofrimento


Muitos sucumbem perante o sofri­mento porque não estão preparados para deixar cair as suas próprias representações da vida e, perante a dor, agarram-se à imagem que têm de si mesmos e à imagem que fazem de Deus.

(anselm grunA incompreensível existência de Deus, Paulinas, p. 43.)

Jesus Cristo e a Igreja - 51

Quem foi Constantino?

Flavius Valerius Aurelius Constantinus (272-337), conhecido como Constantino I ou Constantino o Grande, foi imperador do Império Romano nos anos 306 a 337. Passou à história como o primeiro imperador cristão.

Filho de um oficial grego, Constâncio Cloro, que no ano 305 foi nomeado Augusto ao mesmo tempo que Galério, e de uma mulher que viria a ser Santa Helena. Ao morrer Constâncio Cloro no ano 306, Constantino é aclamado imperador pelas tropas locais, no meio de uma difícil situação política, agravada pelas tensões com o antigo imperador, Maximiano, e seu filho Maxêncio. Constantino derrotou primeiro a Maximiano em 310 e depois a Maxêncio na batalha de Ponte Mílvius, em 28 de Outubro de 312. Uma tradição diz que Constantino antes dessa batalha teve una visão. Olhando para o sol, ao qual como pagão prestava culto, viu uma cruz e ordenou que os seus soldados pusessem nos escudos o monograma de Cristo (as duas primeiras letras do nome grego sobrepostas). Embora tenha continuado a praticar ritos pagãos, desde essa vitória mostrou-se favorável aos cristãos. Junto com Licínio, imperador do oriente, promulgou o chamado “édito de Milão” (ver pergunta seguinte) favorecendo a liberdade de culto. Mais tarde os dois imperadores enfrentaram-se, e no ano 324 Constantino derrotou Licínio e passou a ser o único Augusto do império.

Constantino levou a cabo numerosas reformas de tipo administrativo, militar e económico, mas onde mais se destacou foi nas disposições político-religiosas, e em primeiro lugar as que encaminhavam à cristianização do império. Promoveu estruturas adequadas para conservar a unidade da Igreja, como modo de preservar a unidade do estado e legitimar a sua configuração monárquica, sem excluir outras motivações religiosas de tipo pessoal. Junto a disposições administrativas eclesiásticas, tomou medidas contra heresias e cismas. Para defender a unidade da Igreja lutou contra o cisma causado pelos donatistas no norte de África e convocou o Concílio de Niceia (ver pergunta O que sucedeu no Concílio de Niceia?) para resolver a controvérsia trinitária originada por Árrio. No ano 330 transferiu a capital do império de Roma para Bizâncio, que chamou Constantinopla, o que implicou uma ruptura com a tradição, apesar de lhe querer dar um carácter de capital cristã. Como então acontecia com frequência, só foi baptizado pouco antes de morrer. Quem o baptizou foi Eusébio de Nicomédia, bispo de tendência ariana.

Juntamente com as deficiências do seu mandato – entre as que se encontram as generalizadas no tempo em que viveu como por exemplo o seu carácter caprichoso e violento – não se lhe pode negar a concessão da liberdade à Igreja e o favorecimento da sua unidade. Não é, no entanto, correcto do ponto de vista histórico que para o conseguir Constantino tivesse determinado entre outras coisas o número de livros que devia ter a Bíblia. Neste longo processo, que não acabou senão mais tarde, os quatro evangelhos eram desde há muito tempo os únicos que a Igreja reconhecia como verdadeiros. Os outros “evangelhos” não foram suprimidos por Constantino, uma vez que tinham sido proscritos como heréticos dezenas de anos atrás.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Tratado do verbo encarnado 92

Questão 14: Das fraquezas do corpo, que Cristo assumiu na natureza humana.

Art. 3 — Se Cristo contraiu alguma fraqueza corporal.

O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo contraiu certas fraquezas corporais.

1 — Pois, diz-se que contraímos o que temos desde a origem da nossa natureza. Ora, Cristo, juntamente com a natureza humana, trouxe originariamente, de sua mãe, as misérias e as fraquezas do corpo. Logo, parece que contraiu essas fraquezas.

2. Demais. — O causado pelos princípios da natureza nós o recebemos juntamente com ela e isso se chama contrair. Ora, as referidas penalidades são causadas pelos princípios da natureza humana. Logo, Cristo contraiu-as.

3. Demais. — Pelas referidas misérias Cristo é semelhante aos outros homens, como diz o Apóstolo. Ora, os outros homens contraem essas misérias. Logo, parece que também Cristo as contraiu.

Mas, em contrário, essas misérias foram contraídas pelo pecado, segundo o Apóstolo: Por um homem entrou o pecado neste mundo e pelo pecado a morte. Ora, em Cristo não existia nenhum pecado. Logo, Cristo não contraiu essas misérias de que tratamos.

A palavra contrair implica uma relação entre causa e efeito: isto é, diz-se contraído o efeito simultânea e necessariamente resultante da sua causa. Ora, a causa da morte e outras misérias da natureza humana é o pecado, pois, pelo pecado entrou a morte neste mundo, na frase do Apóstolo. Donde, diz-se propriamente que contraem os referidos defeitos os que neles incorrem como uma consequência do pecado. Ora, Cristo não tinha essas misérias como consequência do pecado, pois, conforme Agostinho, comentando o Evangelho. - O que vem lá de cima é sobre todos, Cristo veio lá de cima, isto é, das alturas da natureza humana, que tinha antes do pecado do primeiro homem. Pois, assumiu a natureza humana sem pecado, na pureza que ela tinha no estado de inocência. E, do mesmo modo, podia ter assumido a natureza humana sem as suas misérias. Donde é claro que Cristo não contraiu as referidas fraquezas, como se as tivesse em consequência do pecado, mas, por vontade própria.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A carne da Virgem foi concebida no pecado original [1] e por isso contraiu as referidas fraquezas. Mas a carne de Cristo assumiu, da Virgem, a natureza sem a culpa. E semelhantemente podia ter assumido a natureza sem a pena. Quis porém assumir a pena para realizar a obra da nossa redenção, como se disse. E por isso teve as referidas fraquezas, não pelas contrair, mas pelas voluntariamente assumir.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A causa da morte e das outras misérias da natureza humana é dupla. Uma remota, resultante dos princípios materiais do corpo humano, enquanto composto de elementos contrários. Mas, essa causa ficava impedida pela justiça original. Donde, a causa próxima da morte e das outras misérias é o pecado, que privou da justiça original. E por isso, por Cristo não ter tido pecado, dissemos que não contraiu tais misérias, senão que as assumiu voluntariamente.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo, por essas misérias, equiparou-se aos outros homens, quanto à qualidade delas, mas não quanto à causa. Por isso não as contraiu como os outros.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.




[1] Nota de ama: Não está correcto já que a Santíssima Virgem foi concebida sem pecado original.

Ev. diário L. Esp. (Amar a Igreja)

Tempo Comum I Semana

Evangelho: Mc 2 1-12

1 Passados alguns dias, Jesus entrou outra vez em Cafarnaum, e soube-se que Ele estava em casa. 2 Juntou-se muita gente, de modo que não se cabia, nem mesmo à porta. E Ele pregava-lhes a Palavra. 3 Nisto chegaram alguns conduzindo um paralítico que era transportado por quatro homens. 4 Como não pudessem levá-lo junto d'Ele por causa da multidão, descobriram o tecto na parte debaixo da qual estava Jesus e, tendo feito uma abertura, desceram o leito em que jazia o paralítico. 5 Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: «Filho, são-te perdoados os pecados». 6 Estavam ali sentados alguns escribas que diziam nos seus corações: 7 «Como é que Ele fala assim? Ele blasfema. Quem pode perdoar pecados senão Deus?». 8 Jesus, conhecendo logo no Seu espírito que eles pensavam desta maneira dentro de si, disse-lhes: «Porque pensais isto nos vossos corações? 9 O que é mais fácil dizer ao paralítico: “São-te perdoados os pecados” ou dizer: “Levanta-te, toma o teu leito e anda”? 10 Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder de perdoar os pecados, 11 - disse ao paralítico -: Eu te ordeno: Levanta-te, toma o teu leito e vai para a tua casa». 12 Imediatamente ele se levantou e, tomando o leito, retirou-se à vista de todos, de maneira que se admiraram e glorificaram a Deus, dizendo: «Nunca vimos coisa semelhante»

Comentário

De todos os milagres efectuados por Jesus, que os Evangelhos nos relatam, talvez que este seja o mais espectacular e completo, se assim podemos dizer.

A solidariedade, a falta de respeitos humanos, a esperança, a fé demonstradas pelos amigos do paralítico não se deixando demover pelas dificuldades;

A confiança do paralítico deixando-se conduzir pelos seus amigos por mais insólitos que possa ser os meios que usam;

A confirmação do poder divino de Jesus que suscita a reacção dos escribas.

Tudo este episódio contém como numa lição completa sobre a actuação do Senhor quando a fé dos homens ė demonstrada sem rebuços ou falsas vergonhas.

(ama, comentário sobre MC 2, 1-12, Enxomil 2014.01.17)

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Temas actuais do cristianismo [i]

Quereríamos começar esta entrevista com um problema que provoca em muitos espíritos as mais diversas interpretações. Referimo-nos ao tema do aggiornamento. Como entende, aplicado à vida da Igreja, o verdadeiro sentido desta palavra?

Fidelidade. Para mim, aggiornamento significa sobretudo isto: fidelidade. Um marido, um soldado, um administrador é sempre tanto melhor marido, tanto melhor soldado, tanto melhor administrador, quanto mais fielmente souber corresponder, em cada momento, perante cada nova circunstância da sua vida, aos firmes compromissos de amor e de justiça que um dia assumiu. A fidelidade delicada, operativa e constante - que é difícil, como é difícil qualquer aplicação de princípios à realidade mutável do que é contingente - é por isso a melhor defesa da pessoa contra a velhice de espírito, a aridez de coração e a anquilose mental.

O mesmo sucede na vida das instituições, muito especialmente na vida da Igreja, que obedece, não a um precário projecto do homem, mas a um desígnio de Deus. A Redenção, a salvação do mundo, é obra da fidelidade amorosa e filial de Jesus Cristo - e da nossa com Ele - à vontade do Pai celestial que O enviou. Por isso, o aggiornamento da Igreja - agora, como em qualquer outra época - é fundamentalmente isto: uma reafirmação jubilosa da fidelidade do Povo de Deus à missão recebida, ao Evangelho.

É claro que essa fidelidade - viva e actual perante cada circunstância da vida dos homens - pode requerer, e de facto tem requerido frequentemente na história duas vezes milenária da Igreja e recentemente no Concílio Vaticano II, oportunos desenvolvimentos doutrinais na exposição das riquezas do Depositum Fidei, assim como convenientes modificações e reformas que aperfeiçoam - no seu elemento humano, perfectível - as estruturas orgânicas e os métodos missionários e apostólicos. Mas seria pelo menos superficial pensar que o aggiornamento consiste primariamente em modificar, ou que qualquer modificação aggiorna. Basta pensar que não falta quem, à margem da doutrina conciliar e contra ela, também desejaria modificações que fariam retroceder em muitos séculos de história - pelo menos até à época feudal - o caminho progressivo do Povo de Deus.

2                
O Concílio Vaticano II utilizou abundantemente nos seus Documentos a expressão “Povo de Deus”, para designar a Igreja, e pôs assim a claro a responsabilidade comum de todos os cristãos na missão única deste Povo de Deus. Quais as características que, em seu entender, a “necessária opinião pública na Igreja” - da qual já Pio XII falou - deve ter, para reflectir essa responsabilidade comum? Como é afectado o fenómeno da “opinião pública na Igreja” pelas peculiares relações de autoridade e obediência que se verificam no seio da comunidade eclesial?

Não concebo que possa haver obediência verdadeiramente cristã, se essa obediência não for voluntária e responsável. Os filhos de Deus não são pedras ou cadáveres: são seres inteligentes e livres e elevados todos à mesma ordem sobrenatural, tal como a pessoa que manda. Mas não poderá nunca fazer uso recto da inteligência e da liberdade - para obedecer, da mesma maneira que para opinar - quem carecer de suficiente formação cristã. Por isso, o problema de fundo da “necessária opinião pública na igreja” é equivalente ao problema da necessária formação doutrinal dos fiéis. É certo que o Espírito Santo distribui a abundância dos seus dons entre os membros do Povo de Deus - que são todos corresponsáveis da missão da Igreja - mas isto não exime ninguém, antes pelo contrário, do dever de adquirir essa adequada formação doutrinal.

Entendo por doutrina o suficiente conhecimento que cada fiel deve ter da missão total da Igreja e da peculiar participação, e consequente responsabilidade específica, que lhe corresponde nessa missão única. Este é - como o tem recordado repetidas vezes o Santo Padre - o colossal trabalho de pedagogia que a Igreja tem de enfrentar nesta época pós-conciliar. Penso que a solução correcta do problema a que aludiu deve ser procurada - como outras esperanças latentes no seio da Igreja - em relação directa com esse trabalho. Não serão, com certeza, as intuições mais ou menos proféticas de alguns carismáticos sem doutrina que poderão assegurar a necessária opinião pública no Povo de Deus.

Quanto às formas de expressão dessa opinião pública, não considero que seja um problema de órgãos ou de instituições. Tão adequado pode ser um Conselho pastoral diocesano, como as colunas dum jornal - ainda que não seja oficialmente católico - ou a simples carta pessoal dum fiel ao seu Bispo, etc. As possibilidades e as modalidades legítimas pelas quais essa opinião dos fiéis se pode manifestar são muito variadas, e não parece que se possam nem devam espartilhar, criando uma nova entidade ou instituição. E menos ainda se se tratasse duma instituição que corresse o perigo - tão fácil - de chegar a ser monopolizada ou instrumentalizada por um grupo ou grupito de católicos oficiais, qualquer que fosse a tendência ou orientação em que essa minoria se inspirasse. Isto poria em perigo o próprio prestígio da Hierarquia e soaria a falso para os restantes membros do Povo de Deus.

3                
O conceito de Povo de Deus, a que antes nos referíamos, exprime o carácter histórico da Igreja, como uma realidade de origem divina que se serve também, no seu caminhar, de elementos mutáveis e perecíveis. De acordo com isso, como se deve realizar hoje a existência sacerdotal na vida dos presbíteros? Que característica da figura do presbítero, descrita no Decreto “Presbyterorum Ordinis”, lhe parece ser de sublinhar no momento actual?

Sublinharia uma característica da existência sacerdotal que não pertence precisamente à categoria dos elementos mutáveis e perecíveis. Refiro-me à união perfeita que se deve verificar - e o Decreto Presbyterorum Ordinis recorda-o repetidas vezes - entre consagração e missão do sacerdote: ou, o que é a mesma coisa, entre vida pessoal de piedade e exercício do sacerdócio ministerial, entre as relações filiais do sacerdote com Deus e as suas relações pastorais e fraternas com os homens. Não acredito na eficácia ministerial do sacerdote que não é homem de oração.

4                
Existe certa inquietação nalguns sectores do clero acerca da presença do sacerdote na sociedade, que procura - apoiando-se na doutrina do Concílio (Const. Lumen gentium, n.º 31; Decr. Presbyterorum Ordinis, n.º 8) - exprimir-se através duma actividade profissional do sacerdote na vida civil - “padres-operários”, etc. Gostaríamos de conhecer o que pensa sobre este assunto.

Antes de mais, devo dizer que respeito a opinião contrária à que vou expor, embora por muitas razões a considere errada, e que acompanho com o meu afecto e com a minha oração os que a põem em prática, pessoalmente, com grande zelo apostólico.

Penso que o sacerdócio rectamente exercido - sem timidez nem complexos que são ordinariamente demonstração de imaturidade humana, e sem prepotências clericais que denotariam pouco sentido sobrenatural -, o ministério próprio do sacerdote assegura por si mesmo, suficientemente, urna legítima, simples e autêntica presença do homem-sacerdote entre os restantes membros da comunidade a que se dirige. Ordinariamente, não é necessário mais para viver em comunhão de vida com o mundo do trabalho, compreender os seus problemas e participar da sua sorte. Mas o que, com certeza, poucas vezes será eficaz - porque a sua própria falta de autenticidade o condena antecipadamente ao fracasso - é recorrer ao ingénuo passaporte dumas actividades laicais de amador, que podem ofender, por muitas razões, o bom senso dos próprios leigos.

Além disso, o ministério sacerdotal é - sobretudo nestes tempos de tanta escassez de clero - um trabalho terrivelmente absorvente, que não deixa tempo para o duplo emprego. As almas têm tanta necessidade de nós, ainda que muitas o não saibam, que nunca se consegue fazer tudo. Faltam braços, tempo, forças. Costumo por isso dizer aos meus filhos sacerdotes que, se algum deles chegasse a notar que num dia lhe tinha sobrado tempo, poderia estar absolutamente certo de que nesse dia não tinha vivido bem o seu sacerdócio.

E repare que se trata, no caso destes sacerdotes do Opus Dei, de homens que antes de receberem as ordens sagradas tinham normalmente exercido, durante anos, uma actividade profissional na vida civil: são engenheiros-sacerdotes, médicos-sacerdotes, operários-sacerdotes, etc... No entanto, não sei de nenhum que tenha considerado necessário - para se tornar ouvido e estimado na sociedade civil, entre os seus antigos colegas e companheiros - aproximar-se das almas com uma régua de cálculo, um estetoscópio ou um martelo pneumático. É verdade que, uma ou outra vez, exercem - de modo compatível com as obrigações do estado clerical - a sua profissão ou ofício, mas nunca por pensarem que isso é necessário para assegurar uma “presença na sociedade civil”; fazem-no por outros motivos diversos: de caridade social, por exemplo, ou de absoluta necessidade económica, para pôr em andamento um empreendimento apostólico. Também São Paulo recorreu, algumas vezes, à sua profissão de fabricante de tendas; mas nunca porque Ananias lhe tivesse dito em Damasco que aprendesse a fabricar tendas para poder, assim, anunciar devidamente o Evangelho de Cristo aos gentios.

Em resumo, e sem pretender com isto julgar da legitimidade e da rectidão de intenção de nenhuma iniciativa apostólica, entendo que o intelectual-sacerdote e o operário-sacerdote, por exemplo, são figuras mais autênticas e mais em harmonia com a doutrina do Vaticano II do que a figura do padre-operário. Salvo no que significa de trabalho pastoral especializado - que será sempre necessário -, a figura típica do padre-operário pertence já ao passado: um passado no qual estava ainda oculta para muitos a potencialidade maravilhosa do apostolado dos leigos.

5                
Às vezes ouve-se criticar aqueles sacerdotes que assumem atitudes concretas em problemas de índole temporal e mais especialmente nos de carácter político. Muitas dessas atitudes tendem - o que não sucedia noutras épocas - a favorecer urna maior liberdade, a justiça social, etc. Também é certo que não é própria do sacerdócio ministerial a intervenção activa nestes terrenos a não ser em casos excepcionais. Mas, não lhe parece que o sacerdote deve denunciar a injustiça, a falta de liberdade, etc., por não serem cristãs? Como conciliar, concretamente, estas exigências?

O sacerdote deve pregar - porque é parte essencial do seu munus docendi - quais são as virtudes cristãs - todas -, e quais as exigências e manifestações concretas 5que essas virtudes devem ter nas diversas circunstâncias da vida dos homens a que ele dirige o seu ministério. Como deve também ensinar a respeitar e estimar a dignidade e a liberdade da pessoa humana que Deus criou, e a peculiar dignidade sobrenatural que o cristão recebe com o baptismo.

Nenhum sacerdote que cumpra este seu dever ministerial poderá - a não ser por ignorância ou má fé - ser acusado de meter-se em política. Nem sequer se poderá dizer que, ao expor estes ensinamentos, interfira na tarefa apostólica específica, que corresponde aos leigos, de ordenar cristãmente as estruturas e as actividades temporais.

(cont)









[i] Entrevista realizada por Pedro Rodríguez, publicada em Palabra (Madrid), Outubro de 1967

Pequena agenda do cristão




Sexta-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)





Propósito:
Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?