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21/11/2014

Evangelho, coment. leit. esp. (Cristo que passa)

Tempo comum XXXIII Semana

Apresentação de Nossa Senhora

Evangelho: Lc 19 45-48

45 Tendo entrado no templo, começou a expulsar os vendedores, 46 dizendo-lhes: «Está escrito: “A Minha casa é casa de oração; e vós fizestes dela um covil de ladrões”». 47 Todos os dias ensinava no templo. Mas os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os chefes do povo procuravam perdê-l'O; 48 porém, não sabiam como proceder, porque todo o povo estava suspenso quando O ouvia.

Comentário:

Muitas vezes ficamos chocados com a forma e atitude displicentes com que algumas pessoas se comportam na Igreja sobretudo durante a celebração eucarística.
Estes comportamentos além de denotarem uma enorme falta de respeito para com o “dono da casa” que é o Senhor presente no Sacrário são também motivo de muitas distracções das outras pessoas que nela participam.
Melhor seria que se abstivessem de comparecer!
Em vez de, no nosso coração, albergarmos sentimentos de crítica e reprovação, rezemos por eles para que se comportem como devem.

(ama, comentário sobre Lc 19, 45-48, 2014.10.30)

Leitura espiritual

São Josemaria Escrivá

Cristo que passa

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Homilia pronunciada em 14 de Abril de 1960, Quinta-Feira Santa.

Antes do dia da festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim. Este versículo de S. João anuncia ao leitor que vai acontecer algo de importante nesse dia. É um preâmbulo terno e afectuoso, que corresponde àquele que S. Lucas recolhe no seu relato: Tenho desejado ardentemente - afirma o Senhor - comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer.

Devemos começar desde já por pedir ao Espírito Santo que nos prepare de forma a podermos compreender todas as expressões e todos os gestos de Jesus Cristo, porque queremos viver VIDA sobrenatural, porque o Senhor nos manifestou a sua vontade de se nos oferecer como alimento da alma e porque reconhecemos que só Ele tem palavras de vida eterna.

A fé leva-nos a confessar com Simão Pedro: nós acreditamos e conhecemos que tu és Cristo, FILHO de Deus. E é também ela, fundida com a nossa devoção, que nesses momentos transcendentes nos incita a imitar a audácia de João. Assim, aproximamo-nos de Jesus e reclinamos a cabeça no peito do Mestre que, como acabamos de ouvir, por amar ardentemente os seus, os iria amar até ao fim.

Todos os modos de dizer são demasiadamente pobres quando pretendem explicar, mesmo de longe, o mistério da Quinta-Feira Santa. No entanto, não é difícil imaginar os sentimentos do Coração de Jesus Cristo naquela tarde, a última que passava com os seus antes do sacrifício do Calvário.

Lembremo-nos da experiência tão humana da despedida de duas pessoas muito amigas. Desejariam ficar sempre juntas, mas o dever - ou seja o que for - obriga-as a afastar-se uma da outra. Não podem, portanto, continuar uma junto das outra, como seria do seu gosto. Nestas ocasiões, o amor humano, que por maior que seja, é sempre limitado, costuma recorrer aos símbolos. As pessoas que se despedem trocam lembranças entre si, talvez uma fotografia onde se escreve uma dedicatória tão calorosa, que até admira que não arda o papel. Mas não podem ir além disso, porque o poder das criaturas não vai tão longe como o seu querer.

Ora o que não está na nossa mão, consegue-o o Senhor. Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito Homem, não deixa um símbolo, mas uma realidade. Fica Ele mesmo. Embora vá para o Pai, permanece entre os homens. Não nos deixará um simples presente que nos faça evocar a sua memória, alguma imagem que tenda a apagar-se com o tempo, como uma fotografia que a pouco e pouco se vai esvaindo e amarelecendo até perder o sentido para quem não interveio naquele momento amoroso. Sob as espécies do pão e do vinho está Ele, realmente presente, com o seu Corpo, o seu Sangue, a alma e a sua Divindade.

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A alegria da Quinta-Feira Santa

Como é fácil de explicar agora o clamor incessante dos cristãos diante da Hóstia Santa, em todos os tempos! Canta, ó língua, o mistério do Corpo glorioso e do Sangue precioso que o Rei dos povos, FILHO do ventre fecundo, derramou para resgate do mundo. É preciso adorar devotamente este Deus escondido. Ele é o mesmo Jesus Cristo que nasceu da Virgem Maria; o mesmo, que padeceu e foi imolado na Cruz; o mesmo, enfim, de cujo peito trespassado jorrou água e sangue.

Este é o sagrado banquete em que se recebe o próprio Cristo e se renova a memória da Paixão e, com Ele, a alma pode privar na intimidade com o seu Deus e possui um penhor da glória futura. Assim, a liturgia da Igreja resumiu, em breve estrofe, os capítulos culminantes da história da ardente caridade que o Senhor tem para connosco.

O Deus da nossa fé não é um ser longínquo, que contempla com indiferença a sorte dos homens, os seus afãs, as suas lutas, as suas angústias. É um pai que ama os seus filhos até ao ponto de enviar o Verbo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, a fim, com a sua encarnação, morrer por nós e nos redimir. É ele ainda o mesmo Pai amoroso que agora nos atrai suavemente para Si, mediante a acção do Espírito Santo que habita nos nossos corações.

A alegria da Quinta-Feira Santa parte, portanto, do facto de nós compreendermos que o Criador se desfez em carinho pelas suas criaturas. Nosso Senhor Jesus Cristo, como se já não fossem suficientes todas as outras provas da sua misericórdia, institui a Eucaristia para que possamos tê-Lo sempre perto de nós e porque - tanto quanto nos é possível entender - movido pelo seu Amor, Ele, que de nada necessita, não quis prescindir de nós. A Trindade apaixonou-se pelo homem, elevado à ordem da graça e feito à sua imagem e semelhança, redimiu-o do pecado - do pecado de Adão que se propagou a toda a sua descendência e dos pecados pessoais de cada um - e deseja vivamente morar na nossa alma, como diz o Evangelho: se alguém Me ama, guardará a minha palavra, e Meu Pai o amará, e nós viremos a ele, e faremos nele morada:

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A Eucaristia e o mistério da Trindade

Esta corrente trinitária de amor pelos homens perpetua-se de maneira sublime na Eucaristia. Há já muitos anos, todos aprendemos no catecismo que a Sagrada Eucaristia pode ser considerada como Sacrifício e como Sacramento e que o sacramento se nos apresenta como Comunhão e como um tesouro no altar, mais concretamente, no Sacrário.

A Igreja dedica outra festa ao mistério eucarístico - Corpus Christi - presente em todos os tabernáculos do mundo. Hoje, Quinta-feira Santa, vamos deter-nos na Sagrada Eucaristia, Sacrifício e alimento, na Santa Missa e na Sagrada Comunhão.

Falava de corrente trinitária de amor pelos homens. E onde poderá alguém aperceber-se melhor dela do que na Missa? Toda a Trindade actua no santo sacrifício do altar. Por isso agrada-me tanto repetir na colecta, na secreta e na oração depois da comunhão aquelas palavras finais: Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, - dirigimo-nos ao Pai - , que conVosco vive e reina na unidade do Espírito Santo, Deus por todos os séculos dos séculos. Ámen.

Na Santa Missa, a oração ao Pai é constante. O sacerdote é um representante do Sacerdote eterno, Jesus Cristo, que é ao mesmo tempo a Vítima. E a acção do Espírito Santo não é menos inefável nem menos certa. Pela virtude do Espírito Santo, escreve S. João Damasceno, dá-se a conversão do pão no Corpo de Cristo.

Esta acção do Espírito Santo exprime-se claramente, quando o sacerdote invoca a bênção divina sobre a oferenda: Vinde, ó Deus santificador, eterno e omnipotente, e abençoai este sacrifício preparado para o vosso santo nome, o holocausto que dará ao Nome santíssimo de Deus a glória que lhe é devida. A santificação, que imploramos, é atribuída ao Paráclito, que o Pai e o FILHO nos enviam. Reconhecemos também essa presença activa do Espírito Santo no sacrifício quando dizemos, pouco antes da comunhão: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, que, por vontade do Pai, com a cooperação do Espírito Santo, com a vossa morte destes a vida ao mundo....

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Toda a Trindade está presente no sacrifício do Altar.

Por vontade do Pai, com a cooperação do Espírito Santo, o Filho oferece-Se em oblação redentora. Aprendamos a conhecer e a relacionar-nos com a Santíssima Trindade, Deus Uno e Trino, três pessoas divinas na unidade da sua substância, do seu amor e da sua acção eficaz e santificadora.

Logo a seguir ao lavabo, o sacerdote invoca: Recebei, ó Santíssima Trindade, esta oblação que Vos oferecemos em memória da Paixão, Ressurreição e Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo. E, no final da Santa Missa, há outra oração de inflamada reverência ao Deus Uno e Trino: Placeat tibi, Sancta Trinitas, obsequium servitutis meae... agradável Vos, seja, ó Trindade Santíssima, o obséquio da minha vassalagem: fazei que por misericórdia este Sacrifício oferecido por mim, posto que indigno aos olhos da vossa Majestade, Vos seja aceitável, e que para mim e para todos aqueles por quem o ofereci, seja um sacrifício de perdão.

A Santa Missa - insisto - é acção divina, trinitária, não humana. O sacerdote que celebra serve o desígnio divino do Senhor pondo à sua disposição o seu corpo e a sua voz. Não age, porém, em nome próprio, mas in persona et in nomine Christi, na Pessoa de Cristo e em nome de Cristo.

O amor da Trindade pelos homens faz com que, da presença de Cristo na Eucaristia, nasçam para a Igreja e para a humanidade todas as graças. Este é o sacrifício que profetizou Malaquias: desde o nascer do sol até ao poente, o meu nome é grande entre as nações, e em todo o lugar se sacrifica e se oferece ao meu nome uma oblação pura. É o Sacrifício de Cristo, oferecido ao Pai com a cooperação do Espírito Santo, oblação de valor infinito, que eterniza em nós a Redenção, que os sacrifícios da Antiga Lei não conseguiam alcançar.

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A Santa Missa na vida do cristão

A Santa Missa situa-nos deste modo perante os mistérios primordiais da fé, porque se trata da própria doação da Trindade à Igreja. Compreende-se assim que a Missa seja o Centro e a raiz da vida espiritual do cristão. É o fim de todos os sacramentos. Na Santa Missa, a vida da graça encaminha-se para a sua plenitude, que foi depositada em nós pelo Baptismo, e que cresce, fortalecida pela Confirmação. Quando participamos na Eucaristia, escreve S. Cirilo de Jerusalém, experimentamos a espiritualização deificante do Espírito Santo, que além de nos configurar com Cristo, como sucede no Baptismo, nos cristifica integralmente, associando-nos à plenitude de Cristo Jesus.

A efusão do Espírito Santo, na medida em que nos cristifica, leva-nos a reconhecer como filhos de Deus. O Paráclito, que é caridade, ensina-nos a fundir com essa virtude toda a vida. Por isso, feitos uma só coisa com Cristo, consummati in unum, podemos ser entre os homens o que Santo Agostinho afirma da Eucaristia: sinal de unidade, vínculo de Amor.

Creio que não vou dizer nada de novo, se afirmar que alguns cristãos têm uma visão muito pobre da Santa Missa e que ela é para muitos um mero rito exterior, quando não um convencionalismo social. Isto acontece, porque os nossos corações, de si tão mesquinhos, são capazes de viver com rotina a maior doação de Deus aos homens. Na Santa Missa, nesta Missa que agora celebramos, intervém de um modo especial, repito, a Trindade Santíssima. Para corresponder a tanto amor, é preciso que haja da nossa parte uma entrega total do corpo e da alma, pois vamos ouvir Deus, falar com Ele, vê-Lo, saboreá-Lo. E se as palavras não forem suficientes, poderemos cantar, incitando a nossa língua - Pange, lingua! - a que proclame, na presença de toda a Humanidade, as grandezas do Senhor.

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Viver a Santa Missa é manter-se em oração contínua, convencermo-nos de que, para cada um de nós, este é um encontro pessoal com Deus, em que O adoramos, O louvamos, Lhe pedimos, Lhe damos graças, reparamos os nossos pecados, nos purificamos e nos sentimos uma só coisa em Cristo com todos os cristãos.

Por vezes, talvez nos perguntemos como será possível corresponder a tanto amor de Deus e até desejaríamos, para o conseguir, que nos pusessem com toda a clareza diante dos nossos olhos um programa de vida cristã. A solução é fácil e está ao alcance de todos os fiéis: participar amorosamente na Santa Missa, aprender a conviver e a ganhar intimidade com Deus na Missa, porque neste Sacrifício se encerra tudo aquilo que o Senhor quer de nós.

Permiti que aqui vos recorde o desenrolar das cerimónias litúrgicas, que já observámos em tantas e tantas ocasiões. Seguindo-as passo a passo é muito possível que o Senhor nos faça descobrir em que pontos devemos melhorar, que defeitos precisamos de extirpar e como há-de ser o nosso convívio, íntimo e fraterno, com todos os homens.

O sacerdote dirige-se para o altar de Deus, do Deus que alegra a nossa juventude. A Santa Missa inicia-se com um cântico de alegria, porque Deus está presente. É esta alegria que, juntamente com o reconhecimento e o amor, se manifesta no beijo que se dá na mesa do altar, símbolo de Cristo e memória dos santos, um espaço pequeno e santificado, porque nesta ara se confecciona o Sacramento de eficácia infinita.

O Confiteor põe-nos diante da nossa indignidade. Não é a recordação abstracta da culpa, mas a presença, tão concreta, dos nossos pecados e das nossas faltas. Kyrie eleison, Christe eleison, Senhor, tende piedade de nós; Cristo, tende piedade de nós. Se o perdão que necessitamos se pusesse em relação com os nossos méritos, nasceria na nossa alma, neste momento, uma amarga tristeza. Mas, graças à bondade divina, o perdão é-nos dado pela misericórdia de Deus, a Quem já louvamos entoando - Glória! - porque só Vós, sois o Santo; só Vós o Senhor, só Vós o Altíssimo, Jesus Cristo, com o Espírito Santo, na glória de Deus Pai.

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Ouvimos agora a palavra da Escritura, a Epístola e o Evangelho, que são luzes do Paráclito, que fala com voz humana para que a nossa inteligência saiba e contemple, para que a vontade se robusteça e a acção se cumpra, porque somos um único povo que confessa uma única fé, um Credo, um povo congregado na unidade do Pai, do Filho e do, Espírito Santo.

Segue-se o ofertório: o pão e o vinho dos homens. Não é muito, mas a oração acompanha-os: sejamos, Senhor, por Vós recebidos em espírito de humildade e coração contrito; e assim se faça hoje, ó Deus e Senhor Nosso, este nosso sacrifício na Vossa presença, de modo que Vos seja agradável. Irrompe de novo a recordação da nossa miséria e o desejo de que tudo aquilo que se destina ao Senhor esteja limpo e purificado: lavarei as minhas mãos, amo o decoro da tua casa.

Há instantes, antes do lavabo, invocámos o Espírito Santo, pedindo-Lhe que abençoasse o Sacrifício oferecido ao Seu Santo Nome. Terminada a purificação, dirigimo-nos à Trindade - Suscipe, Sancta Trinitas -, para que receba o que apresentamos em memória da Vida, da Paixão, da Ressurreição e da Ascensão de Cristo, em honra de Maria, sempre Virgem, e em honra de todos os santos.

A oblação deve redundar em benefício de todos - Orate, fratres, reza o sacerdote -, porque este sacrifício é meu e vosso, de toda a Igreja Santa. Orai, irmãos, mesmo que sejam poucos os que se encontram reunidos, mesmo que se encontre materialmente presente apenas um cristão ou até só o celebrante, porque uma Missa é sempre o holocausto universal, o resgate de todas as tribos e línguas e povos e nações!

Todos os cristãos, pela comunhão dos Santos, recebem as graças de cada Missa, quer se celebre diante de milhares de pessoas, quer haja apenas como único assistente um menino, possivelmente distraído, a ajudar o sacerdote. Tanto num caso como noutro, a Terra e o Céu unem-se para entoar com os Anjos do Senhor: Sanctus, Sanctus, Sanctus...

Eu aplaudo e louvo com os anjos. Não me é difícil, porque sei que me encontro rodeado por eles quando celebro a Santa Missa. Estão a adorar a Trindade. E sei também que, de algum modo, intervém a Santíssima Virgem, pela íntima união que tem com a Santíssima Trindade, porque é Mãe de Cristo, da sua Carne e do seu Sangue, Mãe de Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem. Jesus Cristo, ao ser concebido nas entranhas de Maria Santíssima sem intervenção de varão, mas unicamente pelo poder do Espírito Santo, tem o mesmo sangue de sua Mãe. E é esse Sangue o que se oferece no sacrifício redentor, no Calvário e na Santa Missa.

(cont)




Temas para meditar - 278





A fé projecta uma luz nova sobre a vida do homem, explica-lhe o seu sentido, anima-o a caminhar e condu-lo ao Céu.



(javier abad goméz, Fidelidade, Quadrante, 1989, pg 55)

Ele ouve-nos e responde

"Et in meditatione mea exardescit ignis": e na minha meditação ateia-se o fogo. – Para isso mesmo é que fazes oração: para te tornares uma fogueira, lume vivo, que dê calor e luz. Por isso, quando não souberes ir mais longe, quando sentires que te apagas, se não podes lançar ao fogo troncos olorosos, lança os ramos e a folhagem de pequenas orações vocais, de jaculatórias, que continuem a alimentar a fogueira. – E terás aproveitado o tempo. (Caminho, 92)

Quando efectivamente se quer desafogar o coração, se somos francos e simples, procuramos o conselho de pessoas que nos amam, que nos entendem, isto é, fala-se com o pai, com a mãe, com a mulher, com o marido, com o irmão, com o amigo. Isto já é diálogo, ainda que, frequentemente, não se deseje tanto ouvir como desabafar, contar o que nos acontece. Comecemos por nos comportar assim com Deus, certos de que Ele nos ouve e nos responde; e escutá-lo-emos e abriremos a nossa consciência a uma conversa humilde, para lhe referir confiadamente tudo o que palpita na nossa cabeça e no nosso coração: alegrias, tristezas, esperanças, dissabores, êxitos, fracassos e até os pormenores mais pequenos da nossa jornada, porque já então teremos comprovado que tudo o que é nosso interessa ao nosso Pai Celestial.


Desta maneira, quase sem darmos por isso, avançaremos com passos divinos, fortes e vigorosos, saboreando a íntima convicção de que junto do Senhor também são agradáveis a dor, a abnegação, os sofrimentos. Que fortaleza, para um filho de Deus, saber-se tão perto de seu Pai! Por esta razão, aconteça o que acontecer, estou firme e seguro contigo, meu Senhor e meu Pai, que és a rocha e a fortaleza. (Amigos de Deus, nn. 245–246)

Tratado do verbo encarnado 36

Questão 6: Da ordem da assunção

Em seguida devemos tratar da ordem da referida assunção.

E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se o Filho de Deus assumiu a carne mediante a alma.
Art. 2 — Se o Filho de Deus assumiu a alma mediante o espírito.
Art. 3 — Se a alma de Cristo foi assumida pelo Verbo, antes da carne.
Art. 4 — Se a carne de Cristo foi primeiro assumida pelo Verbo que unida à alma.
Art. 5 — Se o Filho de Deus assumiu toda a natureza humana mediante as suas partes.
Art. 6 — Se o Filho de Deus assumiu a natureza humana mediante a graça.

Art. 1 — Se o Filho de Deus assumiu a carne mediante a alma.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus não assumiu a carne mediante a alma.

1. — Pois, mais perfeito é o modo pelo qual o Filho de Deus está unido à natureza humana e às suas partes, do que o pelo qual está em todas as criaturas. Ora, nas criaturas está imediatamente pela essência, pela potência e pela presença. Logo, com maior razão, o Filho de Deus está imediatamente unido à carne, e não mediante a alma.

2. Demais. — A alma e a carne estão unidas ao Verbo de Deus na unidade da hipóstase ou da pessoa. Ora, o corpo pertence imediatamente à pessoa ou à hipóstase do homem, como a alma, antes até, parece mais intimamente pertencente à hipóstase do homem o corpo, enquanto matéria, que a alma, enquanto forma, pois, o princípio de individuação, compreendido na denominação de hipóstase é a matéria. Logo, o Filho de Deus não assumiu a carne mediante a alma.

3. Demais. — Removido o meio, removido fica tudo o que por ele está unido, assim, removida a superfície, desapareceria a cor do corpo, que nele existe mediante a superfície. Ora, separada pela morte a alma, ainda permanece a união do Verbo com a carne, como a seguir se dirá. Logo, o Verbo não está unido à carne mediante a alma.

Mas, em contrário, diz Agostinho: O poder divino, que é imenso, uniu-se a uma alma racional e, por ela, o corpo humano e o homem todo inteiro, para mudá-lo tornando-o melhor.

O meio é assim chamado por implicar relação com o princípio e com o fim. Donde, assim como o princípio e o fim implicam uma certa ordem, assim também o meio. Ora, há uma dupla ordem, a do tempo e a da natureza. Assim, na ordem do tempo, não se diz que há nenhum meio, no mistério da Encarnação, porque o Verbo de Deus uniu a si, simultânea e totalmente, a natureza humana, como a seguir se dirá. Quanto à ordem da natureza entre alguns seres, podemos considerá-la a dupla luz. Primeiro, conforme o grau de dignidade, assim dizemos que anjos são médios entre os homens e Deus. Segundo, conforme a razão da causalidade, assim dizemos que existe uma causa média entre a primeira causa e o último efeito. E esta segunda ordem de certo modo é consequente à primeira, assim, como diz Dionísio, Deus age, pelas substâncias que lhe são mais chegadas, sobre as que dele estão mais afastadas. — Se, pois, atendemos ao grau de dignidade neste último sentido, a alma é um termo médio entre Deus e a carne. E então podemos dizer, que o Filho de Deus uniu a si a carne, mediante a alma. Mas, também na ordem de causalidade, a alma é de certo modo a causa de a carne se ter unido ao Filho de Deus. Pois, não poderia ser assumida, senão pela ordem que tem para com a alma racional da qual lhe resulta o ser carne humana. Pois, como dissemos acima, à natureza humana convinha, mais que a todas as outras, ser assumida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Podemos considerar uma dupla ordem entre a criatura e Deus. — Uma, segunda a qual as criaturas são causadas por Deus, e dele dependem como do princípio do qual têm o ser. E então, pela infinidade do seu poder, Deus atinge imediatamente qualquer ser, pelo causar e conservar. Donde vem, que Deus está imediatamente em todos pela sua essência, presença e potência. — Outra ordem é a em virtude da qual as coisas se reduzem a Deus como ao fim. E, então, há um meio entre a criatura e Deus, pois, as criaturas inferiores se reduzem a Deus por meio das superiores, como diz Dionísio. E a essa ordem pertence a assunção da natureza humana pelo Verbo de Deus, que é o termo da assunção. E portanto, pela alma se une a carne.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Se a hipóstase do Verbo de Deus fosse constituída simplesmente pela natureza humana, resultaria o tocar o corpo de mais perto a essa hipóstase, por ser matéria, que é o princípio da individuação, assim como a alma, que é a forma específica, toca de mais perto à natureza humana. Ora, como a hipóstase do Verbo é anterior e mais elevada, relativamente à natureza humana, tanto mais chegado lhe será o que, em a natureza humana, mais elevado for. Por onde, mais de perto lhe toca ao Verbo de Deus a alma que o corpo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Nada impede, que uma coisa, sendo causa de outra, quanto à aptidão e à conveniência, o efeito continue a existir, mesmo quando a causa for suprimida. Pois, embora a produção de uma coisa dependa de outra, contudo, quando esta última for existente, já não depende daquela. Assim, se a amizade entre duas pessoas for causada por uma terceira, ela permanece embora essa terceira desapareça. E assim também, se uma mulher foi tomada em casamento por causa de sua beleza, qualidade da mulher que facilita a união conjugal, contudo, desaparecida essa beleza, perdurará a união conjugal. E semelhantemente, separada a alma, subsiste a união do Verbo de Deus com a carne.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Jesus Cristo e a Igreja 43

Em que consiste substancialmente a mensagem cristã?

Consiste em anunciar Jesus Cristo. Ele é a boa notícia (evangelho) que proclamavam desde princípio os Apóstolos, como escreve S. Paulo: “Lembro-vos, irmãos, o Evangelho que vos preguei, o qual recebestes, no qual perseverais, pelo qual sereis também salvos (...). Porque, antes de tudo, ensinei-vos o que eu mesmo recebi: Que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as mesmas Escrituras; que foi visto por Cefas e depois pelos onze” (1 Cor 15, 1-5). Essa mensagem refere-se directamente à morte e ressurreição de Jesus por nossa salvação e inclui que Jesus é o Messias (Cristo) enviado por Deus tal como tinha sido prometido a Israel. O anúncio de Jesus Cristo abrange portanto a fé no Deus único, criador do mundo e do homem, e protagonista principal da história da salvação.

A mensagem cristã anuncia que, com Jesus Cristo, se realizou em plenitude a revelação de Deus ao homem: “ quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido
sob a Lei, a fim de que remisse aqueles que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adopção de filhos” (Gl 4, 4-5). Jesus revela quem é Deus de uma maneira nova e mais profunda do que a que tinha sido revelada ao povo de Israel. Revela Deus como seu Pai de uma forma única, ao ponto de chegar a dizer: “O Pai e eu somos um” (Jo 10, 30). Apoiando-se nos ensinamentos dos Apóstolos a Igreja anuncia Jesus Cristo como Filho de Deus e verdadeiro Deus com a mesma natureza que o Pai.
Jesus actuou durante a sua vida na terra com o poder de Deus e do Espírito de Deus que estava n’Ele (Lc 4, 18-21). Além disso prometeu enviar o Espírito depois da sua ressurreição e glorificação junto do Pai
(Jo 14, 16). Quando os Apóstolos receberam o Espírito Santo no dia de Pentecostes compreenderam que Jesus tinha cumprido a sua promessa desde o céu, e experimentaram a sua força transformadora. O
Espírito Santo continua a vivificar a Igreja como sua alma. A mensagem cristã inclui portanto o Espírito Santo, verdadeiro Deus e terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
A mensagem cristã anuncia também o que anunciava Jesus Cristo: o Reino de Deus (Mc 1, 15).
Jesus encheu de conteúdo essa expressão simbólica indicando com ela a presença de Deus na história humana e o seu sentido, e a união de Deus com o homem. Jesus anunciava o Reino de Deus como já iniciado pela Sua presença entre os homens e as Suas acções libertadoras do poder do demónio e do mal (Mt 12, 28).
É essa presença e essa acção de Jesus Cristo que continuam na Igreja pela força do Espírito Santo. A Igreja é, na história humana, como o gérmen e a semente desse Reino, que culminará gloriosamente com a segunda vinda de Cristo no final dos tempos.
Entretanto o homem adquire nela, mediante o Baptismo, uma nova relação com Deus, a de filho de Deus unido a Jesus Cristo, que culminará também após a morte e a ressurreição final. Cristo continua a estar realmente presente na Igreja através da Eucaristia, e actuando também nos outros Sacramentos, sinais eficazes da sua graça. Mediante a acção dos cristãos, quando vivem a caridade, vai-se manifestando o amor de Deus a todos os homens. Tudo isso faz parte da mensagem cristã.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.