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14/11/2014

Ev. diário, coment. L. Esp. (História de uma alma)

Tempo comum XXXII Semana
Evangelho: Lc 17 26-37

22 Depois disse aos Seus discípulos: «Virá tempo em que desejareis ver um só dos dias do Filho do Homem e não o vereis. 23 E vos dirão: Ei-lo aqui, ou ei-lo acolá. Não vades, nem os sigais. 24 Porque, assim como o clarão brilhante de um relâmpago ilumina o céu de uma extremidade à outra, assim será o Filho do Homem no Seu dia. 25 Mas primeiro é necessário que Ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração. 26 Como sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também quando vier o Filho do Homem .27 Comiam e bebiam, tomavam mulher e marido, até ao dia em que Noé entrou na arca; e veio o dilúvio, que exterminou a todos. 28 Como sucedeu também no tempo de Lot; comiam e bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; 29 mas, no dia em que Lot saiu de Sodoma, choveu fogo e enxofre do céu, que exterminou a todos. 30 Assim será no dia em que se manifestar o Filho do Homem. 31 Nesse dia quem estiver no terraço e tiver os seus móveis em casa, não desça a tomá-los; da mesma sorte, quem estiver no campo, não volte atrás. 32 Lembrai-vos da mulher de Lot. 33 Quem procurar salvar a sua vida, perdê-la-á; quem a perder, salvá-la-á. 34 Eu vos digo: Nessa noite, de duas pessoas que estiverem num leito, uma será tomada e a outra deixada. 35 Duas mulheres estarão a moer juntas, uma será tomada e a outra deixada!». 36 Omitido na Neo-Vulgata. 37 Os discípulos disseram-Lhe: «Onde será isso, Senhor?». Ele respondeu-lhes: «Onde quer que estiver o corpo, juntar-se-ão aí também as águias».

Comentário

Os avisos de Jesus Cristo sobre o final da vida – e o que nos interessa é o que nos diz respeito: a nossa morte – são claríssimos e absolutamente compreensíveis por todos já que ninguém pode ter a certeza nem do dia nem do momento em que será chamado a prestar contas.
Interessa estar preparado e ‘as contas’ arrumadas e prontas a entregar. Esta é a grande verdade e a preocupação que, sem ter medo da morte, nos deve manter alerta e vigilantes.
Como será? Quando? Pouco importa, aliás, é melhor que não o saibamos se assim não fosse talvez cedêssemos à tentação de pensar e agir como se houvesse tempo para uma derradeira ‘preparação’.

(ama, comentário sobre Lc 17 22-37, 2014.10.06)

Leitura espiritual


HISTÓRIA DE UMA ALMA

Santa Teresinha do Menino Jesus

MANUSCRITO ENDEREÇADO A MADRE MARIA DE GONZAGA

…/2

Madre querida, estou muito assustada vendo o que vos escrevi ontem. Que garranchos!... minha mão tremia tanto que me foi impossível prosseguir e agora até me arrependo por ter tentado escrever, espero hoje escrever de forma mais legível, pois não estou mais na cama, mas numa bonita poltrona branquinha.
Oh Madre! sinto que tudo o que vos digo não tem ordem, mas sinto também a necessidade de, antes de vos falar do passado, falar-vos dos meus actuais sentimentos. Se adiar, perderei, talvez, a lembrança deles. Quero dizer-vos, inicialmente, o quanto estou comovida por vossas delicadezas maternas. Ah! acreditai, Madre querida, o coração da vossa filha está repleto de gratidão, nunca esquecerá o que vos deve...

Madre, o que mais me comove é a novena que estais fazendo para Nossa Senhora das Vitórias, as missas que mandais celebrar para minha cura. Sinto que todos esses tesouros espirituais fazem um bem imenso à minha alma. No início da novena, dizia-vos, Madre, que era preciso a Santíssima Virgem curar-me ou me levar para os Céus, pois achava muito triste para vós e para a comunidade ter o encargo de uma jovem religiosa doente; agora, aceito ficar doente a vida toda se isso for agradável a Deus e consinto, até, em que minha vida seja muito longa. A única graça que desejo é que ela seja interrompida pelo amor.

Não! não receio um vida longa, não recuso a luta, pois o Senhor é a rocha na qual estou erigida, ele é quem adestra minhas mãos para a liça e meus dedos para a guerra. Nunca pedi a Deus para morrer jovem, mas é verdade que sempre esperei que seja essa a vontade Dele. Muitas vezes, o Senhor contenta-se com o desejo de trabalhar para sua glória e sabeis, Madre, que meus desejos são muito grandes. Sabeis também que Jesus me ofereceu mais de um cálice amargo, que afastou dos meus lábios antes de eu bebê-lo, não sem antes me fazer provar seu amargor. Madre querida, o santo rei David tinha razão quando cantava: "Oh! como é belo, como é prazenteiro o convívio de muitos irmãos juntos!" Senti isso muitas vezes, mas é no meio dos sacrifícios que essa união deve acontecer na terra. Não foi para viver com minhas irmãs que vim para o Carmelo, foi unicamente para atender ao chamado de Jesus; ah! pressentia que seria um motivo de sofrimento contínuo viver com as próprias irmãs, quando não se quer conceder nada à natureza. Como se pode dizer ser mais perfeito afastar-se dos seus?... Já se censurou irmãos por combaterem no mesmo campo de batalha? Já os censuraram por colher juntos a palma do martírio?... Julgou-se, sem dúvida e com razão, que eles se animavam mutuamente; mas o martírio de cada um passava a ser o de todos. Assim é na vida religiosa, que os teólogos chamam de martírio. Ao dar-se a Deus, o coração não perde sua natural ternura, pelo contrário, essa ternura cresce ao tornar-se mais pura e mais divina.

Madre querida, é com essa ternura que vos amo, que amo minhas irmãs; estou feliz por combater em família para a glória do Rei dos Céus, mas estou disposta também a voar para outro campo de batalha se o Divino General me manifestar o desejo. Não haveria necessidade de uma ordem, bastaria um olhar, um simples sinal.

Desde meu ingresso na arca abençoada, sempre pensei que se Jesus não me levasse logo para o Céu o destino da pombinha de Noé seria o meu. Que um dia o Senhor abriria a janela da arca e me mandaria voar para muito longe, para praias infiéis, levando comigo o raminho de oliveira. Madre, esse pensamento fez crescer minha alma, fez-me planar acima de todo o criado. Compreendi que até no Carmelo poderia haver separações, que só no Céu a união seria completa e eterna. Quis, então, que minha alma morasse nos Céus, que só olhasse de longe as coisas da terra. Não só aceitei exilar-me no meio de um povo desconhecido, mas, o que me era muito mais amargo, aceitei o exílio para minhas irmãs. Nunca me esquecerei de 2 de Agosto de 1896. Naquele dia, o da partida dos missionários, falou-se seriamente da [partida] de Madre Inês de Jesus. Ah! não queria fazer um só gesto para impedi-la de partir; embora sentisse uma grande tristeza em meu coração, achava que sua alma tão sensível, tão delicada, não era feita para viver no meio de almas que não saberiam compreendê-la. Mil outros pensamentos acorriam numerosos ao meu espírito e Jesus permanecia calado, não dava ordens à tempestade... Eu lhe dizia: Meu Deus, por amor a vós, aceito tudo; se o quiserdes, posso morrer de tristeza. Jesus contentou-se com a aceitação, mas alguns meses depois falou-se da partida de Irmã Genoveva e de Irmã Maria da Trindade. Foi então outro tipo de sofrimento, muito íntimo, muito profundo. Imaginava todas as provações, todos os sofrimentos que elas teriam de encontrar. Enfim, meu céu estava carregado de nuvens... só o fundo do meu coração ficava no sossego e na paz.

Madre querida, vossa prudência soube descobrir a vontade de Deus e, em nome Dele, proibistes às vossas noviças de pensar agora em deixar o berço da infância religiosa. Mas compreendíeis as aspirações delas, sendo que vós mesma, Madre, havíeis pedido, na juventude, para ir para Saigão. É assim, muitas vezes, que o desejo das mães encontra eco na alma dos filhos. Ó Madre querida, vosso desejo apostólico encontra em minha alma um eco muito fiel, bem o sabeis. Deixai que vos confidencie o motivo de eu ter desejado e ainda desejar, caso a Santíssima Virgem me cure, trocar por uma terra estrangeira o delicioso oásis onde vivo tão feliz sob vosso olhar materno.

Madre, já me dissestes que para viver em Carmelos estrangeiros é preciso ter uma vocação toda especial. Muitas almas pensam ser chamadas sem o ser de fato. Dissestes-me também que eu tinha essa vocação e que só minha saúde era empecilho. Sei que esse obstáculo sumiria se Deus me chamasse para uma terra longínqua; portanto, vivo sem preocupações. Se eu precisar, um dia, deixar meu querido Carmelo, ah! não seria sem ferida, Jesus não me deu um coração insensível, mas é justamente por ser capaz de sofrer que desejo que ele dê a Jesus tudo o que pode dar. Aqui, Madre querida, vivo sem preocupação alguma com os cuidados da miserável terra. Só tenho de cumprir a suave e fácil missão que me confiastes. Aqui, estou suprida das vossas atenções maternas, não sinto a pobreza, nunca me faltou coisa alguma. Mas aqui, sobretudo, sou amada, de vós e de todas as irmãs, e esse afecto me é muito agradável. Eis por que sonho com um mosteiro onde não seria conhecida, onde teria de sofrer pobreza, falta de afecto, enfim, no exílio do coração.

Ah! não foi para prestar serviços ao Carmelo que quisesse receber-me que eu deixaria tudo o que me é caro; sem dúvida, faria tudo o que dependesse de mim, mas conheço minha incapacidade e sei que fazendo o melhor que eu puder não chegaria a fazer muito e bem, por não ter, como dizia há pouco, conhecimento algum das coisas da terra. Minha única finalidade seria cumprir a vontade de Deus, sacrificar-me por Ele da maneira que lhe fosse agradável.

Sinto que eu não teria decepção nenhuma, pois, quando se espera um sofrimento puro e sem mistura, a menor alegria torna-se uma surpresa e, vós o sabeis Madre, o próprio sofrimento passa a ser a maior das alegrias quando é buscado como o mais precioso dos tesouros.

Oh, não! não é para usufruir dos meus trabalhos que quero partir, se tal fosse minha finalidade, não sentiria essa doce paz que me inunda e até sofreria por não poder realizar a minha vocação para as missões longínquas. Há muito não me pertenço, entreguei-me totalmente a Jesus. Portanto, Ele é livre para fazer de mim o que quiser. Deu-me a atracção por um exílio completo, fez-me compreender todos os sofrimentos que eu encontraria, perguntou-me se estava pronta a esgotar o cálice da amargura. Quis tomar logo essa taça mas, puxando-a da minha mão, fez-me entender que a aceitação lhe era suficiente.

Ó Madre, de quantas dúvidas nos livramos pelo voto da obediência! Como as simples religiosas são felizes, tendo por única bússola a vontade das suas superioras, estão sempre seguras de estar no caminho certo, não receiam errar mesmo quando lhes parece óbvio que as superioras se enganam. Quando, porém, alguém pára de olhar para a bússola infalível, quando se afasta do caminho que ela aponta, sob pretexto de fazer a vontade de Deus que não está esclarecendo direito quem o representa, logo a alma se perde nos caminhos áridos onde a água da graça passa logo a fazer falta.

Madre querida, sois a bússola que Jesus me deu para levar-me seguramente ao porto eterno. Como me é agradável fixar em vós o meu olhar e cumprir a vontade do Senhor. Depois que Ele permitiu que eu sofresse tentações contra a fé, aumentou muito, em meu coração, o espírito de fé que me faz ver em vós, não apenas uma mãe que me ama e que amo, mas, sobretudo, que me faz ver em vossa alma o Jesus vivo que me comunica a sua vontade por vosso intermédio. Sei muito bem, Madre, que me tratais como alma fraca, menina mimada; por isso, não tenho dificuldade em carregar o fardo da obediência. Mas parece-me, pelo que sinto no fundo do meu coração, que eu não alteraria minha conduta e que meu amor por vós não sofreria diminuição alguma se preferísseis tratar-me severamente; pois ainda veria que se trata da vontade de Jesus que ajais assim para o maior bem da minha alma.

Este ano, Madre querida, Deus deu-me a graça de compreender o que é a caridade. Compreendia antes, mas de maneira imperfeita, não tinha aprofundado esta palavra de Jesus: "O segundo [mandamento] é semelhante a este: "Ama o teu próximo como a ti mesmo". Dedicava-me, sobretudo, a amar a Deus e foi amando-o que compreendi que não devia deixar que meu amor se traduzisse apenas em palavras, pois: "Nem todo o que me diz: `Senhor, Senhor', entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus". Essa vontade, Jesus a deu a conhecer muitas vezes, deveria dizer quase a cada página do seu Evangelho; mas na última ceia, quando sabe que o coração dos seus discípulos arde de maior amor por Ele que acaba de dar-se a eles no inefável mistério da sua Eucaristia, esse doce Salvador quer dar-lhes um novo mandamento. Diz-lhes com indizível ternura: "Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros; que, assim como eu vos amei, vós também vos ameis uns aos outros. E nisto precisamente todos reconhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros".

De que maneira Jesus amou seus discípulos e por que os amou? Ah! não eram suas qualidades naturais que podiam atraí-lo, havia entre eles e Ele uma distância infinita. Ele era a ciência, a Sabedoria Eterna; eles eram pobres pescadores ignorantes e cheios de pensamentos terrenos. Contudo, Jesus os chama de amigos, de irmãos, quer vê-los reinar com Ele no reino do seu Pai e, para abrir-lhes esse reino, quer morrer numa cruz, pois disse: Não há amor maior que dar a vida por quem se ama.

Madre querida, ao meditar essas palavras de Jesus, compreendi como era imperfeito o meu amor para com minhas irmãs, pois não as amava como Deus as ama. Ah! compreendo agora que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, não se surpreender com suas fraquezas, edificar-se com os menores actos de virtude que os vemos praticar. Compreendi, sobretudo, que a caridade não deve ficar presa no fundo do coração. Ninguém, disse Jesus, acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, e assim alumia a quantos estão em casa. Parece-me que essa candeia representa a caridade que deve alumiar, alegrar, não só os que me são mais caros, mas todos os que estão em casa, sem exceptuar ninguém.

Quando o Senhor ordenou a seu povo que amasse o próximo, como a si mesmo, não tinha vindo ainda à terra. Mas, sabendo até que grau se ama a si mesmo, não podia pedir às suas criaturas amor maior para com o próximo. Quando Jesus deu a seus discípulos um mandamento novo, o Seu mandamento, como diz adiante, não é mais amar o próximo como a si mesmo que ele ordena, mas amá-lo como Ele, Jesus o amou, como o amará até o final dos séculos...

Ah, Senhor! sei que não ordenais nada impossível, conheceis minha fraqueza e minha imperfeição melhor do que eu mesma; bem sabeis que nunca poderei amar as minhas irmãs como vós as amastes, se vós mesmo, ó meu Jesus, não as amásseis em mim. É porque queríeis me conceder essa graça que fizestes um mandamento novo. Oh! como o amo, sendo que me dás a certeza de que vossa vontade é amar em mim todos aqueles que me ordenastes amar!...

Sinto que quando sou caridosa é só Jesus que age em mim; mais unida fico a Ele, mais amo todas as minhas irmãs. Quando quero aumentar em mim esse amor, quando o demónio, sobretudo, procura colocar perante os olhos da alma os defeitos de tal ou qual irmã que me é menos simpática, apresso-me em procurar ver suas virtudes, seus bons desejos. Penso que, se a vi cair uma vez, bem pode ter conseguido muitas vitórias que ela esconde por humildade, e que mesmo aquilo que para mim parece ser uma falta pode ser, devido à intenção, um ato de virtude. Não tenho dificuldade em acreditar, pois já fiz uma pequena experiência que me provou que não se deve julgar. Foi durante um recreio, a porteira deu dois toques, era preciso abrir a grande porta dos serviçais a fim de introduzir árvores destinadas ao presépio. O recreio não estava alegre, pois não estáveis aí, Madre querida, e, por isso, pensei que me seria agradável ser mandada para servir de terceira. Nesse momento, madre vice-priora disse-me que fosse, ou a irmã que estava a meu lado. Logo comecei a desatar o nosso avental, mas bem devagar, a fim de que minha companheira pudesse desatá-lo antes de mim, pois pensei agradar-lhe deixando-a ser terceira. A irmã que substituía a depositária observava-nos rindo e, vendo que me levantei por último, disse-me: Ah! bem que imaginei que não seria vós quem acrescentaríeis uma pérola à coroa, andáveis devagar demais...

Certamente, a comunidade toda pensou que eu tinha agido segundo a natureza. Não sei dizer como uma tão pequena coisa fez bem à minha alma e me tornou indulgente em relação às fraquezas dos outros. Isso me impede também de sentir vaidade quando sou julgada favoravelmente, pois digo a mim mesma: se meus pequenos atos de virtude são vistos como imperfeições, pode também haver engano e considerar-se como ato de virtude o que não passa de imperfeição. Então, digo com são Paulo: Bem pouco me importo em ser julgado por vós ou por um tribunal de homens, nem julgo a mim mesma; quem me julga é o Senhor. Assim, a fim de fazer com que esse julgamento me seja favorável, ou melhor, a fim de não ser julgada de forma alguma, quero ter sempre pensamentos caridosos, pois Jesus disse: Não julgueis e não sereis julgados.

Ao ler o que acabo de escrever, poderíeis, Madre, crer que a prática da caridade não me é difícil. É verdade que, desde alguns meses, não tenho mais de combater para praticar essa bela virtude. Não quero dizer com isso que nunca me acontece cair em faltas. Ah! sou imperfeita demais para evitar isso, mas não tenho muita dificuldade em me levantar quando caio, pois num certo combate alcancei a vitória e, por isso, a milícia celeste vem agora em meu socorro, não podendo aceitar ver-me vencida depois de ter sido vitoriosa na guerra gloriosa que vou procurar descrever.

Encontra-se na comunidade uma irmã que tem o dom de desagradar-me em tudo, suas maneiras, suas palavras, seu carácter eram-me muito desagradáveis, porém é uma santa religiosa que deve ser muito agradável a Deus. Não querendo entregar-me à antipatia natural que sentia, disse a mim mesma que a caridade não deveria assentar-se nos sentimentos, mas nas obras. Então, apliquei-me em fazer por essa irmã o que teria feito pela pessoa que mais amo. Cada vez que a encontrava, rezava por ela, oferecendo a Deus todas as suas virtudes e méritos. Sentia que isso agradava a Jesus, pois não há artista que não goste de receber elogios pelas suas obras, e Jesus, o artista das almas, fica feliz quando, em vez de olhar apenas o exterior, entramos no santuário íntimo que ele escolheu para morada e admiramos sua beleza. Não me restringia a rezar muito pela irmã que me levava a tantos combates, procurava prestar-lhe todos os serviços possíveis. Quando estava tentada a responder-lhe de modo desagradável, contentava-me em lhe dar meu mais agradável sorriso e procurava desviar a conversa, pois diz-se na Imitação que é melhor deixar cada um no seu sentimento que se entregar à contestação.

Muitas vezes também quando não estava no recreio (quero dizer, durante as horas de trabalho), tendo algum relacionamento de serviço com essa irmã, quando os combates se faziam violentos demais, fugia como desertora. Como ela ignorava completamente o que eu sentia por ela, nunca suspeitou os motivos do meu comportamento e está persuadida de que o carácter dela me é agradável. Um dia, no recreio, disse-me, aproximadamente, as seguintes palavras com ar contentíssimo: "Aceitaríeis dizer-me, Irmã Teresa do Menino Jesus, o que tanto vos atrai em mim, pois cada vez que me olhais vejo-vos sorrir?" Ah! o que me atraía era Jesus oculto no fundo da alma dela... Jesus que torna suave o que é amargo... Respondi que sorria por estar contente em vê-la (obviamente não acrescentei que era do ponto de vista espiritual).

(cont)




Temas para meditar - 271





Deus oferece o dom da fé, a quem quiser recebê-lo, livremente, não o impõe. É tão generoso que, muitas vezes, não espera que tenhamos capacidade para reconhecer o valor dessa dádiva que nos faz, e no-la concede quando mal começamos a viver.


(javier abad gomézFidelidade, Quadrante, 1989, pg 60) 

Em que devemos esperar?

Ante um panorama de homens sem fé e sem esperança; ante cérebros que se agitam, à beira da angústia, buscando uma razão de ser para a vida, tu encontraste uma meta: Ele! E esta descoberta injectará permanentemente na tua existência uma alegria nova, transformar-te-á e apresentar-te-á uma imensidão diária de coisas formosas que te eram desconhecidas, e que mostram a jubilosa amplidão desse caminho amplo que te conduz a Deus. (Sulco, 83)

Dado que o mundo oferece muitos bens, apetecíveis para este nosso coração, que reclama felicidade e busca ansiosamente o amor, talvez alguns perguntem: nós, os cristãos, em que devemos esperar? Além disso, queremos semear a paz e a alegria às mãos cheias, não ficamos satisfeitos com a consecução da prosperidade pessoal e procuramos que estejam contentes todos os que nos rodeiam.


Por desgraça, alguns, com uma visão digna mas rasteira, com ideais exclusivamente caducos e fugazes, esquecem que os anelos do cristão se hão-de orientar para cumes mais elevados: infinitos. O que nos interessa é o próprio Amor de Deus, é gozá-lo plenamente, com um júbilo sem fim. Temos comprovado, de muitas maneiras, que as coisas da terra hão-de passar para todos, quando este mundo acabar; e já antes, para cada um, com a morte, porque nem as riquezas nem as honras acompanham ninguém ao sepulcro. Por isso, com as asas da esperança, que anima os nossos corações a levantarem-se para Deus, aprendemos a rezar: in te Domine speravi, non confundar in æternum, espero em Ti, Senhor, para que me dirijas com as tuas mãos agora e em todos os momentos pelos séculos dos séculos. (Amigos de Deus, 209)

Tratado do verbo encarnado 29

Questão 4: Da união relativamente ao assumido

Art. 4 — Se o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana abstracta de todos os indivíduos.

O quarto discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana abstracta de todos os indivíduos.

1. — Pois, a assunção da natureza humana foi feita para a salvação comum de todos os homens donde o dizer o Apóstolo, de Cristo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis. Ora, a natureza, enquanto existente no indivíduo, já não é comum a todos. Logo, o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana, enquanto abstracta de todos os indivíduos.

2. Demais. — Em tudo, o que é nobilíssimo deve ser o atribuído a Deus. Ora, em cada género, o que é em si mesmo, é principal. Logo, o Filho de Deus devia ter assumido o homem em si mesmo, e esse é, segundo os Platónicos, a natureza humana separada dos indivíduos. Logo, essa é que o Filho de Deus devia ter assumido.

3. Demais. — A natureza humana não foi assumida pelo Filho de Deus, na sua significação concreta, designada pela palavra homem, como se disse. Pois, assim é significada como existente no indivíduo, segundo do sobredito se colige. Logo, o Filho de Deus assumiu a natureza humana, enquanto separada dos indivíduos.

Mas, em contrário, diz Damasceno: Deus, o Verbo encarnado, não assumiu aquela natureza que é o objecto da pura contemplação do espírito. Pois, essa não seria uma verdadeira Encarnação, mas enganosa e fictícia. Ora, a natureza humana, enquanto separada dos indivíduos, é objecto da pura contemplação, pois, não tem subsistência própria, como diz Damasceno no mesmo lugar. Logo, o Filho de Deus não assumiu a natureza humana, enquanto separada dos indivíduos.

A natureza do homem, ou de qualquer outro ser sensível, além da existência que tem nos indivíduos, pode ser entendida a dupla luz: ou como tendo o ser quase por si mesma, independente. da matéria, segundo o ensinavam os Platónicos, ou enquanto existente no intelecto, humano ou divino.

Ora, por si só a natureza humana não pode subsistir, como o Filósofo prova, porque a natureza específica das coisas sensíveis implica a matéria sensível, que entra na sua definição, como as carnes e os ossos na definição do homem. Donde, não pode a natureza humana existir separada da matéria sensível.

Se, porém, a natureza humana fosse subsistente desse modo, não fora conveniente que o Verbo a assumisse. — Primeiro, porque o termo dessa assunção é a pessoa. Ora, é contra a natureza de uma forma comum individuar-se numa pessoa. — Segundo, porque a uma natureza comum não se podem atribuir senão as operações comuns e universais, pelas quais o homem não merece nem desmerece, e contudo, a assunção de que se trata foi feita para que o Filho de Deus, pela natureza assumida, merecesse por nós. — Terceiro, porque a natureza assim existente não é sensível, mas inteligível. Ora, o Filho de Deus assumiu a natureza humana, para que por meio dela se manifestasse visivelmente aos homens, segundo a Escritura: Depois disto foi ele visto na terra e conversou com os homens.

Semelhantemente, também não podia ser assumida a natureza humana pelo Filho de Deus, enquanto ela é existente no intelecto divino. Porque assim, nada mais é senão a natureza divina. E, deste modo, a natureza humana teria existido abeterno no Filho de Deus.

Semelhantemente, não é conveniente dizer que o Filho de Deus assumiu a natureza humana enquanto existente no intelecto humano. Porque essa assunção não seria mais do que o acto intelectual de conceber que ele assumiu a natureza humana, E, nesse caso, se não a assumisse, na natureza das coisas, esse conceito seria falso. E a Encarnação teria sido uma Encarnação ficta, como diz Damasceno.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O Filho de Deus encarnado é o Salvador comum de todos, não por uma comunidade de género ou de espécie, atribuída à natureza separada dos indivíduos, mas por uma comunidade de causa, enquanto o Filho de Deus encarnado é a causa universal da salvação humana.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O homem em si mesmo não existe na natureza das coisas, de modo a ter uma existência separada dos indivíduos, como ensinavam os Platónicos. Embora alguns digam que Platão entendia que o homem separado só existe no intelecto divino. E assim, não era necessário que fosse assumido pelo Verbo, pois nele existia abeterno.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora a natureza humana não fosse assumida em concreto, de modo a ser preconcebida como o suposto da assunção, contudo o foi na sua individualidade, por tê-lo sido para subsistir num indivíduo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Jesus Cristo e a Igreja 42

Quem foi José de Arimateia?

José de Arimateia aparece mencionado nos quatro evangelhos no contexto da paixão e morte de Jesus.
Era oriundo de Arimateia (Armathajim em hebraico), uma aldeia de Judá, actual Rentis, a 10 km a nordeste de Lydda, provavelmente o lugar de nascimento de Samuel (1 Sm 1, 1). Homem rico (Mt 27, 57) e membro ilustre do sinédrio (Mc 15, 43; Lc 23, 50), tinha um sepulcro novo cavado na rocha, perto do Gólgota, em Jerusalém. Era discípulo de Jesus, mas, do mesmo modo que Nicodemos, mantinha-o oculto por temor das autoridades judaicas (Jo 19, 38). Dele diz Lucas que esperava o Reino de Deus e não tinha consentido na condenação de Jesus por parte do sinédrio (Lc 23, 51). Nos momentos cruéis da crucifixão não teme dar a cara e pede a Pilatos o corpo de Jesus (no Evangelho de Pedro 2, 1; 6, 23-24, um apócrifo do século II, José solicita-o antes da crucifixão). Concedida a licença pelo perfeito, desprega crucificado, envolve-o num lençol limpo e, com a ajuda de Nicodemos, deposita Jesus no sepulcro que lhe pertencia e que ainda ninguém tinha utilizado. Depois de o fechar com uma grande pedra vão-se embora (Mt 27, 57-60, Mc 15, 42-46, Lc 23, 50-53 e Jo 19, 38-42). Até aqui chegam os dados históricos.

A partir do século IV surgiram tradições lendárias de carácter fantástico nas quais se elogiava a figura de José. Num apócrifo do século V, as Actas de Pilatos também chamado Evangelho de Nicodemos, conta-se que os judeus reprovam o comportamento de José e de Nicodemos a favor de Jesus e que, por este motivo, José é enviado para a prisão. Libertado milagrosamente aparece em Arimateia. Dali regressa a Jerusalém e conta como foi libertado por Jesus.
Mais fabulosa ainda é a obra Vindicta salvatoris (talvez do século IV), que teve uma grande difusão em Inglaterra e na Aquitânia. Neste livro conta-se a marcha de Tito, comandando as suas legiões, para vingar a morte de Jesus. Ao conquistar Jerusalém, encontra José numa torre, onde tinha sido preso para que morresse de fome. No entanto, foi alimentado por um manjar celestial.
Nos séculos XI-XIII, a lenda sobre José de Arimateia foi colorindo-se com novos detalhes nas Ilhas Britânicas e em França, incluindo-se nas histórias do santo Graal e do rei Artur. Segundo uma destas lendas, José lavou o corpo de Jesus e recolheu a água e o sangue num recipiente. Depois, José e Nicodemos dividiram o seu conteúdo (ver a pergunta: Que é o Santo Graal. Outras lendas dizem que José, levando este relicário, evangelizou a França (alguns relatos dizem que teria desembarcado em Marselha com Marta, Maria e Lázaro), Espanha (onde São Tiago o teria consagrado bispo), Portugal e Inglaterra.
Nesta última região, a figura de José tornou-se muito popular. A lenda fá-lo fundador da primeira igreja em solo britânico, em Glastonbury Tor, onde enquanto dormia o seu báculo criou raízes e floresceu.
Glastonbury Abbey converteu-se num importante centro de peregrinação até ao seu encerramento com a Reforma, em 1539. Em França, uma lenda do século IX refere que o patriarca Fortunato de Jerusalém, no tempo de Carlos Magno, fugiu para ocidente levando com ele os ossos de José de Arimateia, até chegar ao mosteiro de Moyenmoutier, onde chegou a ser abade.
Todas estas lendas, sem qualquer fundamento histórico, mostram a importância que se dava aos primeiros discípulos de Jesus. O desenvolvimento destes relatos pode estar ligado a polémicas circunstanciais de algumas regiões (como a Inglaterra ou a França) com Roma. O objectivo seria mostrar que determinadas regiões tinham sido evangelizadas por discípulos de Jesus e não por missionários enviados a partir de Roma. Em qualquer caso, nada têm a ver com a verdade histórica.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.