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23/10/2014

Nosso Senhor cruzou-se no nosso caminho

A entrega é o primeiro passo de uma corrida de sacrifício, de alegria, de amor, de união com Deus. E, assim, toda a vida se enche de uma bendita loucura, que faz encontrar felicidade onde a lógica humana não vê senão negação, padecimento, dor. (Sulco, 2)

Como a Nosso Senhor, também a mim me agrada muito falar de barcas e de redes, para todos tirarmos propósitos firmes e concretos dessas cenas evangélicas. S. Lucas conta-nos que uns pescadores lavavam e remendavam as redes à beira do lago de Genesaré. Jesus aproxima-se de uma daquelas naves atracadas na margem e sobe a uma delas, a de Simão. Com que naturalidade se mete o Mestre na vida de cada um de nós para nos complicar a vida, como se repete por aí em tom de queixa. Nosso Senhor cruzou-se convosco e comigo no nosso caminho, para nos complicar a existência, delicadamente, amorosamente.


Depois de pregar da barca de Pedro, dirige-se aos pescadores: duc in altum, et laxate retia vestra in capturam, remai para o mar alto e lançai as redes! Fiados na palavra de Cristo, obedecem e obtêm aquela pesca prodigiosa. Olhando para Pedro que, como Tiago e João, estava pasmado, Nosso Senhor explica-lhe: não tenhas medo; desta hora em diante serás pescador de homens. E, trazidas as barcas para terra, deixando tudo, seguiram-no. (Amigos de Deus, 21)

Vontade de Deus



Sentimentos legítimos - os netos, a segurança da velhice, o triunfo dos filhos no mundo - mas excessivamente humanos, podem obscurecer e ocultar o conhecimento da Vontade de Deus, ou mesmo suplantá-la, levando a defender como vontade de Deus o que é vontade própria.


(Federico Suarez A Virgem Nossa Senhora, Éfeso 4ª ed. nr. 175)

Tratado do verbo encarnado 08

Questão 2: Do modo da união do Verbo Encarnado

Art. 2 — Se a união do Verbo encarnado se fez na Pessoa.

O segundo discute-se assim — Parece que a união do Verbo incarnado não se fez na pessoa.

1. — Pois, a Pessoa de Deus não difere da sua natureza, como se demonstrou na Primeira Parte. Se, portanto, não se fez a união na natureza, segue-se que também não se fez na pessoa.

2. Demais. — A natureza humana não teve menor dignidade em Cristo do que a tem em nós. Ora, a personalidade respeita à dignidade, como se demonstrou na Primeira Parte. Donde, tendo a natureza humana em nós uma personalidade própria, com maior razão teve uma personalidade própria em Cristo.

3. Demais. — Como diz Boécio, a pessoa é uma substância individual de natureza racional. Ora, o Verbo de Deus assumiu a natureza humana individual, pois a natureza universal não subsiste em si mesma, mas é considerada pela só contemplação, como diz Damasceno. Logo, a natureza humana tem a sua personalidade. Portanto, parece que não se fez a união na Pessoa.

Mas, em contrário, lê-se no Sínodo Calcedonense: Nós confessamos que Nosso Senhor Jesus Cristo é o Deus Verbo, um e mesmo Filho unigénito, não repartido ou dividido em duas pessoas. Logo fez-se a união do Verbo na Pessoa.

Pessoa tem uma significação diferente de natureza. Pois, a natureza significa a essência específica, expressa pela definição. E se a essência específica não fosse susceptível de nenhum acréscimo, não haveria nenhuma necessidade de distinguir a natureza, do seu suposto, que é o indivíduo nela subsistente, pois, então, todo indivíduo subsistente numa natureza seria absolutamente idêntico a esta. Mas, há certas coisas subsistentes, susceptíveis do que não se inclui em a essência específica, como os acidentes e os princípios individuantes, como sobretudo o manifestam os seres compostos de matéria e forma. Donde o diferir, mesmo realmente, em tais seres, a natureza, do suposto, não como coisas absolutamente separadas mas porque o suposto inclui a natureza mesma da espécie, e se lhe fazem certos outros acréscimos, estranhos à essência específica. Por isso, o suposto é significado como um todo, tendo a natureza como a sua parte formal e perfectiva. E por isso, nos compostos de matéria e forma, a natureza não é predicada do suposto, assim, não dizemos que tal homem é a sua humanidade. Mas um ser como Deus em que absolutamente nada houver, além da essência da espécie ou da sua natureza, em tal ser não há diferença real entre o suposto e a natureza, mas somente lógica. Pois, natureza se chama ao que é uma certa essência, e ela mesma também se chama suposto, enquanto é subsistente. E o que se disse do suposto devemos entender da pessoa, na criatura racional ou intelectual, pois, a pessoa nada mais é do que a substância individual de natureza racional, segundo Boécio.

Portanto, tudo o que existe numa determinada pessoa, quer lhe pertença à natureza, quer não, está-lhe unido na pessoa. Se, pois, a natureza humana não esta unida à Pessoa do Verbo de Deus, de nenhum modo lhe está unida. - E então, desaparece totalmente a fé na Encarnação, o que é fazer em ruínas toda a fé cristã. Como, pois, o Verbo tem a natureza humana unida a si, e não como pertinente à sua natureza divina, é consequente que a união foi feita na Pessoa do Verbo, e não, na natureza.

DONDE A RESPOSTA À OBJECÇÃO. — Embora em Deus não difira realmente a natureza da pessoa, difere contudo pelo modo de significar, como se disse, porque a pessoa significa uma subsistência. E como a natureza humana está assim unida ao Verbo, que o Verbo nela subsista, e não que algo se lhe acrescente à essência da sua natureza, ou que a sua natureza se transforme em outra, por isso a união foi feita na Pessoa e não em a natureza.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A personalidade pertence necessariamente, à dignidade e à perfeição de um ser, na medida em que lhe é próprio à dignidade e à perfeição existir por si, o que se entende pelo nome de pessoa. Pois, será mais digno para um ser existir num outro de maior dignidade, do que existir por si mesmo. Donde, a natureza humana é mais digna em Cristo, do que em nós, por isso que em nós, quase existindo por si, tem a sua personalidade própria, ao passo que em Cristo existe na Pessoa do Verbo. Assim, embora o ser completivo da espécie pertença à dignidade da forma, contudo o sensitivo é mais nobre no homem, por causa da união com uma forma completiva mais nobre, do que no animal bruto, do qual é a forma completiva.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O Verbo de Deus não assumiu a natureza humana em universal, mas na sua indivisibilidade isto é, no indivíduo, como diz Damasceno, do contrário, a qualquer homem necessariamente conviria ser o Verbo de Deus, como o convém a Cristo. Devemos porém saber, que não qualquer indivíduo, no género da substância, mesmo na natureza racional, tem a natureza de pessoa, mas só o que existe por si, não, porém, o que existe num ser mais perfeito. Donde, a mão de Sócrates, embora seja um indeterminado indivíduo, não é contudo uma pessoa, porque não existe por si, mas, num ser mais perfeito, isto é, no seu todo. E isto também pode ser significado quando se diz, que a pessoa é uma substância individual, pois, não é a mão uma substância completa, mas, parte da substância. Embora, portanto, esta natureza humana seja um determinado indivíduo no género da substância, porque contudo não existe por si separadamente, mas, num ser mais perfeito, a saber, na pessoa do Verbo de Deus, é consequente que não tenha personalidade própria. E portanto a união se fez na Pessoa.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Jesus Cristo e a Igreja - 39

Como foi a morte de Jesus?

Jesus morreu cravado numa cruz no dia 14 de Nisan, sexta-feira de 7 de Abril do ano 30. Assim se pode deduzir da análise crítica dos relatos evangélicos, comparados com as alusões à sua morte transmitidas no Talmude (cf. TB, 6 sanhedrin 1 fol. 43a).
A crucifixão era uma pena de morte que os romanos aplicavam a escravos e a criminosos. Tinha carácter ignominioso, pelo que não se podia aplicar aos cidadãos romanos, mas apenas a estrangeiros.
Desde que a autoridade romana se impôs na terra de Israel há numerosos testemunhos de que esta pena se aplicava com relativa frequência. O procurador da Síria, Quintílio Varo, tinha crucificado, no ano 4 a.C., dois mil judeus como represália por uma sublevação.
No que se refere ao modo em que Jesus pode ter sido crucificado são de indubitável interesse as descobertas realizadas na necrópole de Givat ha-Mivtar, nos arredores de Jerusalém. Aí foi encontrada a sepultura de um homem que foi crucificado na primeira metade do século I d.C., por isso contemporâneo de Jesus.

A inscrição sepulcral permite conhecer o seu nome: João, filho de Haggol. Mediria 1,70 de altura e teria cerca vinte e cinco anos quando morreu. Não há dúvida de que se trata de um crucificado porque os coveiros não conseguiram desprender o cravo que sujeitava os seus pés – o que obrigou a sepultá-lo com o cravo, que por sua vez conservava parte da madeira. Isto permitiu saber que a cruz desse jovem era de madeira de oliveira. Parecia ter uma ligeira saliência de madeira entre as pernas que poderia servir para se apoiar um pouco, utilizando-a como assento, de modo que o réu pudesse recuperar um pouco as forças e prolongar a agonia – evitando com esse alívio uma morte imediata por asfixia, que se produziria se todo o peso pendesse dos braços sem nada em que apoiar-se. As pernas estariam ligeiramente abertas e flectidas. Os restos encontrados na sua sepultura mostram que os ossos das mãos não estavam atravessados nem quebrados. Por isso, o mais provável é que os braços desse homem tivessem sido simplesmente atados com força ao travessão da cruz (no caso de Jesus, foram de facto pregados). Os pés, pelo contrário, tinham sido pregados. Um deles ainda mantinha preso um cravo grande e bastante longo. Pela posição em que está poder-se-ia pensar que o mesmo cravo teria atravessado os dois pés do seguinte modo: as pernas estariam um pouco abertas e o madeiro ficaria entre ambas, a parte esquerda do tornozelo direito e a parte direita do esquerdo estariam apoiados nos lados do madeiro transversal, o longo cravo atravessaria primeiro um pé de tornozelo a tornozelo, depois o madeiro e depois o outro pé. O suplício era tal que Cícero classificava a crucifixão como “o maior suplício” , “ o mais cruel e terrível suplício” , “ o pior e o último dos suplícios, que se inflige aos escravos”, (In Verrem II, lib. V, 60-61).

No entanto, para nos apercebermos realmente daquilo que implicou a morte de Jesus na cruz, não basta fixar-se nos detalhes dolorosos e trágicos que a história é capaz de ilustrar, porque a realidade mais profunda é a que confessa “que Cristo morreu pelos nossos pecados, conforme as Escrituras” (1 Co 15, 3).
Na sua generosa entrega à morte na Cruz manifesta a grandeza do amor de Deus por cada ser humano:
“Deus manifesta o Seu amor para connosco, porque, quando ainda éramos pecadores, então Cristo morreu por nós” (Rm 5, 8).

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Reflectindo - 43

Deus sabe mais


Si vis potes me mundare - se quiseres podes curar-me. [i] E temos de admitir, reconhecer e estar preparados para que Deus não queira. Nos Seus desígnios, Ele sabe o que é melhor para nós. Se, por exemplo, uma doença grave, uma dificuldade aparentemente intransponível, não serão um meio para a nossa salvação ou, até, para a salvação de outros.

(AMA, Palestras sobre os evang. Minho Fev. de 1991 ref. Mc 5 21-43)



[i] (Lc 5, 12)

Evangelho diário, coment., leit. espiritual (Enc Summi pontificatus)

Tempo comum XXIX Semana

Evangelho: Lc 12 49-53

49 Eu vim trazer fogo à terra; e como desejaria que já estivesse ateado! 50 Eu tenho de receber um baptismo; e quão grande é a minha ansiedade até que ele se conclua! 51 Julgais que vim trazer paz à terra? Não, vos digo Eu, mas separação; 52 porque, de hoje em diante, haverá numa casa cinco pessoas, divididas três contra duas e duas contra três. 53 Estarão divididos: o pai contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».

Comentário:
 
Jesus Cristo confirma que, Ele, é e será sempre, até ao fim dos tempos, sinal de contradição.
Como se, afinal, estivéssemos na presença do mal e do bem: o mal que somos nós e a nossa concupiscência que nos atrai para o pecado, e o bem que é o próprio Cristo e a Sua Santa Religião.
Esta luta entre o bem e o mal que todo o homem tem de travar diariamente, gera dissensões e conflitos, fere interesses e conveniências, separa, divide, confronta.
O cristão sabe muito bem que é assim mesmo e que as palavras de Jesus não são mera retórica mas a realidade constante na sua vida.
Sozinho, será muito difícil – impossível – conseguir ultrapassar esses escolhos mas, com a ajuda de Deus, que nunca Se nega quando solicitado, tem como certo que o conseguirá.

(ama, comentário sobre Lc 12, 49-53, 2013.07.22)


Leitura espiritual


Documentos do Magistério

 CARTA ENCÍCLICA
SUMMI PONTIFICATUS
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE O OFÍCIO DO PONTIFICADO

V. A ANGUSTIOSA HORA PRESENTE

72. Veneráveis irmãos, o momento em que vos chega às mãos esta nossa primeira encíclica, bem pode ser qualificado, sob vários aspectos, de uma verdadeira "hora das trevas" (Lc 22, 53), na qual o espírito da violência e da discórdia verte sobre a humanidade a sanguinolenta ânfora de dores inomináveis.

Será porventura necessário assegurar-vos que o nosso coração, repassado de compassivo amor, está nesta hora bem próximo de todos os seus filhos, e especialmente dos atribulados, dos oprimidos e perseguidos?

Os povos arrastados para essa trágica voragem, que é a guerra, estão ainda, por assim dizer, no "princípio das dores" (Mt 24, 8), mas reinam já, em milhares de famílias, morte e desolação, pranto e miséria.
Do sangue de inúmeros seres humanos, mesmo de não combatentes, desprende-se lancinante brado, especialmente nessa dilecta nação como a Polónia que, pela sua fidelidade à Igreja, pelos seus grandes méritos na defesa da civilização cristã, gravados em caracteres indeléveis nos fatos da história, tem direito à simpatia humana e fraterna do mundo, e aguarda, confiante na poderosa intercessão de Maria, "Socorro dos cristãos", a hora de uma ressurreição que corresponde aos princípios da justiça e da verdadeira paz.

73. O que aconteceu há pouco e o que ainda está acontecendo, passara diante de nossos olhos como uma visão quando, havendo ainda alguma esperança, nada deixamos de fazer do que nos sugeria o nosso ministério apostólico e os meios que tínhamos à nossa disposição, para impedir que se recorresse às armas e para conservar aberto o caminho que levaria a um entendimento honroso para ambas as partes.
Convencidos de que o uso da força por uma das partes obrigaria a outra a recorrer às armas, julgamos dever imprescindível do nosso ministério apostólico e do amor cristão, fazer tudo o que pudéssemos para poupar à humanidade toda e à cristandade os horrores de uma guerra mundial, ainda que as nossas intenções e as nossas vistas corressem risco de serem mal interpretadas.
Os nossos conselhos, se bem que ouvidos com respeito, nem por isso foram seguidos.
E enquanto o nosso coração de pastor, cheio de amargura e preocupação, observa o que se passa, como que aparece aos nossos olhos a figura do bom pastor, que é como se devêssemos, em seu nome, repetir ao mundo a queixa: "ah! se conhecesses a mensagem de paz!

Agora, porém, isso está escondido a teus olhos" (Lc 19, 42).

74. No meio deste mundo, hoje em estridente contraste com a paz de Cristo no reino de Cristo, a Igreja e os seus fiéis acham-se em tempos e anos de provações, raramente conhecidos na sua história de lutas e de sofrimentos.
Mas em semelhantes ocasiões, quem se conserva firme na fé e tem coração robusto, sabe também que Cristo-Rei nunca lhe está tão próximo como na hora da provação, que é a hora da fidelidade.

Com o coração dilacerado pelos sofrimentos de tantos dos seus filhos, mas ao mesmo tempo com aquela coragem e firmeza que lhe vem das promessas do Senhor, a esposa de Cristo vai ao encontro dessas ondas procelosas.
Sabe que a verdade que anuncia, e a caridade que ensina e pratica, serão os conselheiros e cooperadores indispensáveis dos homens de boa vontade que desejem reconstruir um mundo novo, fundado na justiça e no amor, apenas a humanidade se canse de percorrer o caminho do erro e de provar os amargos frutos do ódio e da violência.

Uma base fundamental

75. Entretanto, veneráveis irmãos, o mundo e todos os que são hoje vítimas da calamidade bélica devem saber que o dever do amor cristão, base fundamental do reino de Cristo, não é uma palavra vã, mas uma viva realidade.
Vastíssimo campo se abre à caridade cristã em todas as suas formas. Temos plena confiança de que todos os nossos filhos, e especialmente aqueles não envolvidos no flagelo da guerra, recordar-se-ão, a exemplo do divino Samaritano, de socorrer aqueles que, vítimas da guerra, têm direito à compaixão e socorro.

76. A Igreja católica, cidade de Deus, "que tem por rei a verdade, por lei a caridade e por medida a eternidade", (8) anunciando sem erros nem falhas a verdade de Cristo, trabalhando com arrojo materno e segundo o amor de Cristo, aparecerá certamente como visão beatífica de paz sobre essa voragem de erros e paixões, aguardando o momento em que a mão omnipotente de Cristo-Rei venha acalmar a tempestade e banir os espíritos da discórdia que a desencadearam.
Continuaremos, entretanto; a fazer tudo o que pudermos para acelerar o dia em que a pomba da paz possa pousar seus pés sobre esta terra, ora imersa no dilúvio da discórdia.

Continuaremos a fazê-lo, confiando naqueles eminentes homens de Estado que antes de rebentar a guerra envidaram nobres esforços para afastar dos povos tão grande flagelo; confiando também nos milhões de almas de todos os países e esferas sociais que invocam não somente justiça mas caridade e misericórdia; mas, sobretudo, confiando em Deus omnipotente a quem dirigimos diariamente a oração: "à sombra das vossas asas me acolho, até que passe a calamidade" (Sl 56, 2).

Deus pode tudo

77. Deus pode tudo: juntamente com a felicidade e os destinos dos povos tem também em suas mãos os conselhos humanos e quando lhe pareça bem poderá fazê-los inclinar suavemente para o lado que ele quer; para a sua onipotência os obstáculos não passam de meios com que plasma as coisas e os acontecimentos e dirige as mentes e as vontades livres aos seus altíssimos fins.

78. Orai, pois, veneráveis irmãos, orai sem cessar, orai sobretudo quando oferecerdes o sacrifício divino do amor.

Orai também vós, cuja profissão corajosa da fé vem impor-vos hoje duros, penosos e, não raro, heróicos sacrifícios; orai vós membros padecentes da Igreja, que Jesus há de consolar-vos e aliviará os vossos sofrimentos.
E não vos esqueçais de, com verdadeiro espírito de mortificação, tornar as vossas penitências e orações mais aceitas aos olhos daquele que "ampara os que caem e endireita todos os curvados" (Sl 144, 14) a fim de que a sua misericórdia abrevie os dias de provação e se realizem assim as palavras do Salmo: "Invocaram o Senhor nas suas tribulações e ele livrou-os das suas angústias" (Sl 106, 13).

79. E vós, cândidas legiões de crianças, que sois os benjamins e predilectos de Jesus, ao receberdes o Pão da vida, dirigi a ele vossas ingénuas e inocentes orações unindo-as às de toda a Igreja.
O coração de Jesus, que vos ama, não poderá resistir à inocência que suplica. Orai todos e orai sem cessar.

80. Poreis assim em prática o sublime preceito do divino Mestre, o testamento sagrado do seu coração, "que todos sejam uma só coisa" (Jo 17, 21): isto é, que todos vivam naquela unidade de fé e de amor, na qual reconheça o mundo o poder e a eficácia da missão de Cristo e da obra da sua Igreja.

81. A Igreja dos primeiros tempos compreendeu e praticou este divino preceito exprimindo-o também em magnífica oração; uni-vos, pois, todos com os mesmos sentimentos que tanto correspondem às necessidades dos tempos actuais: "Lembrai-vos, Senhor, da vossa Igreja, para livrá-la de todo o mal e aperfeiçoá-la na vossa caridade e, santificada, reuni-a de todas as partes do mundo no vosso reino que para ela preparastes, porque vossa será a virtude e glória por todos os séculos". (9)

82. Confiando que Deus, autor e amante da paz, se digne atender às súplicas da Igreja, como penhor da abundância das graças divinas e da plenitude de nosso ânimo paterno, vos concedemos a bênção apostólica.

Dado em Castel Gandolfo, junto de Roma, no dia 20 de Outubro do ano de 1939, I do Nosso Pontificado.



PIO PP. XII

(Revisão da versão portuguesa por ama)



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Notas:
(8) S. Agostinho, Carta 86 a Marcelino, c. 3, n.17.
(9) Doutrina dos Apóstolos, c.10.