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Jesus Cristo e a Igreja - 36

Porque é que condenaram Jesus à morte?



A figura Jesus de Nazaré foi-se tornando muito controversa com o tempo, conforme ia sendo conhecida a sua pregação. As autoridades religiosas de Jerusalém mostravam-se inquietas devido à agitação que o mestre, chegado da Galileia para a Páscoa, tinha suscitado entre o povo. As elites imperiais também, uma vez que – numa altura em que periodicamente se renovavam os levantamentos contra a ocupação romana, encabeçados por líderes locais que apelavam ao carácter próprio dos judeus – as notícias que lhes chegavam, acerca deste mestre que falava em preparar-se para a chegada de um «reino de Deus», não eram nada tranquilizadoras. Uns e outros estavam, pois, prevenidos contra ele, ainda que por diversos motivos.
Jesus foi detido e o seu caso foi examinado perante o Sinédrio. Não se tratou de um processo formal, com os requerimentos que mais tarde se recolheram na Misná (Sanhedrin IV, 1) – e que exigem entre outras coisas que tenha lugar durante o dia – mas de um interrogatório em domicílios particulares para verificar as acusações recebidas ou as suspeitas que se tinham acerca dos seus ensinamentos. Concretamente sobre a sua atitude crítica dirigida ao templo; a auréola messiânica que rodeava a sua pessoa e que era provocada pelas suas palavras e atitudes e, sobretudo, acerca da pretensão que lhe era atribuída de possuir uma dignidade divina. Mais do que as questões doutrinais em si mesmas, talvez o que realmente preocupasse as autoridades religiosas fosse a perturbação que poderiam provocar relativamente à situação presente. Poderia dar lugar a uma agitação popular que os romanos não tolerariam, e da qual poderia derivar uma situação política pior da que existia nesse momento.
Decidiram então levar essa causa a Pilatos, e o contencioso legal contra Jesus foi apresentado perante a autoridade romana. Diante de Pilatos manifestaram os temores de como aquele que falava de um «reino» poderia ser um perigo para Roma. O procurador tinha diante de si duas formas possíveis de enfrentar a situação. Uma delas, a chamada cognitio extra ordinem («castigo, medida forçosa») que lhe outorgava a capacidade de aplicar as medidas oportunas para manter a ordem pública. Recorrendo a esta poderia infligir um castigo exemplar ou inclusivamente condená-lo à morte para que servisse de exemplo. Ou por outro lado, podia estabelecer uma cognitio («conhecimento»), um processo formal no qual se formulava uma acusação, havia um interrogatório e se ditava uma sentença de acordo com a lei.

Pilatos parece ter sentido momentos de dúvida acerca do procedimento a seguir, embora tenha acabado por optar por um processo que seguia a fórmula mais habitual nas províncias romanas, a chamada cognitio extra ordinem, isto é, um processo em que o próprio pretor determinava o procedimento e ele mesmo ditava sentença. Assim se deduz de alguns detalhes aparentemente acidentais que ficaram reflectidos nos relatos: Pilatos recebe as acusações, interroga, senta-se no tribunal para ditar a sentença (Jo 19, 13; Mt 27, 19), e condena à morte na cruz por um delito formal. Foi justiçado como «rei dos judeus» segundo se fez constar no titulus crucis.
A avaliação histórica relativa à condenação de Jesus à morte deve de ser muito prudente, para não conduzir a generalizações precipitadas que levem a uma avaliação injusta. Concretamente, é importante fazer notar – ainda que seja óbvio – que os judeus não são responsáveis colectivamente pela morte de Jesus.
“Partindo do princípio de que os nossos pecados atingem Cristo em pessoa (cf. Mt 25, 45; Act 9, 4-5), a Igreja não duvida em imputar aos cristãos a mais grave responsabilidade no suplício de Jesus, responsabilidade que eles muitas vezes imputaram unicamente aos judeus”
(Catecismo da Igreja Católica n. 598).

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Reflectindo - 40

Defeitos - INDIFERENÇA

Não haverá pior defeito.
Na verdade, o indiferente, carece de virtudes fundamentais num ser humano tais como, entre outras: solidariedade, preocupação pelos outros, carinho, compaixão, ternura, afectividade, companheirismo, amizade, dedicação, caridade, espírito de serviço, amor.

O indiferente vai pela vida sozinho, debruçado sobre si próprio, sem emoções, sem causas a defender nem princípios a observar.

Não tem interesse especial por nada nem ninguém. A sua vida é monótona, o percurso errático, o comportamento abúlico.

O principal efeito da indiferença é a aridez que gera à sua volta, o isolamento e solidão.

O indiferente é um morto vivo. Não interessa aos outros homens. Deus não pode comunicar com ele.

E, sem comunicação com Deus não há vida.

(AMA, reflexão, 2010)


Tratado da Graça 14

Questão 110: Da graça de Deus quanto à sua essência.

Art. 4 — Se a graça está na essência da alma como no sujeito, ou em alguma das duas potências.

[Sent., dist. XXVI, a. 3, IV, dist, IV, q. 1, a. 3, qª 3, ad 1, De Verit., q. 27, a. 6].

O quarto discute-se assim. — Parece que a graça não está na essência da alma, como no sujeito, mas numa das suas potências.

1. — Pois, diz Agostinho, a graça está para a vontade, ou para o livre arbítrio, como o cavaleiro para o cavalo. Ora, à vontade ou livre arbítrio é uma potência, como já dissemos na Primeira Parte (q. 83, a. 2). Logo, a graça está na potência da alma como no seu sujeito.

2. Demais. — Da graça derivam os méritos do homem, como diz Agostinho. Ora, o mérito depende do acto procedente de alguma potência. Logo, a graça é a perfeição de alguma das potências da alma.

3. Demais. — Se a essência da alma fosse o sujeito próprio da graça, a alma haveria necessariamente de, na sua essência, ser capaz da graça. Ora, isto é falso, porque daí resultaria que toda alma é capaz da graça. Logo, a essência da alma não é o sujeito próprio da graça.

4. Demais. — A essência da alma é-lhe anterior às potências. Ora, o anterior é concebível independentemente do posterior. Donde resulta que podemos conceber a graça, na alma, sem recebermos nenhuma parte ou potência da alma, e nem à vontade, nem o intelecto, nem qualquer faculdade. Ora, isto é inadmissível.

Mas, em contrário, regenerados pela graça, tornamo-nos filhos de Deus. Ora, a geração termina, antes na essência, que nas potências. Logo, a graça está na essência da alma, antes de lhe estar nas potências.

Esta questão depende da precedente. Pois, se a graça é o mesmo que a virtude, há-de necessariamente estar nas potências da alma como no sujeito, porque elas são o sujeito próprio da virtude, como já dissemos (q. 56, a. 1). Se, ao contrário, difere da virtude, não se pode dizer que as potências da alma sejam o sujeito dela, porque toda perfeição das potências da alma tem natureza de virtude, como já dissemos (q. 55, a. 1, q. 56, a. 1). Donde se conclui, que a graça, assim como tem prioridade sobre a virtude, tem também um sujeito às potências da alma, a saber, a essência desta. Ora, pela potência intelectiva e pela virtude da fé, o homem participa do conhecimento divino, e, pela potência da vontade e pela virtude da caridade, participa do amor divino. Assim também, pela natureza da alma participa, por uma certa semelhança, da natureza divina, regenerando-se, de algum modo, e como criada de novo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Assim como da essência da alma decorrem as suas potências, que são os princípios das obras, assim também, da graça decorrem virtudes para as potências da alma, que a movem aos seus actos. E sendo assim, a graça está para a vontade como o motor, para o móvel, ou, o que é o mesmo, como o cavaleiro, para o cavalo, não, porém, como o acidente, para a substância.

E daqui se deduz também clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJECÇÃO. — Pois, a graça é, mediante as virtudes, o princípio das obras meritórias, assim como a essência da alma é, mediante as potências, o princípio das operações vitais.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Alma é o sujeito da graça, enquanto pertencente à espécie da natureza intelectual ou nacional. Ora, a alma não se especifica por meio de alguma potência, pois as potências são propriedades naturais da alma, resultantes da espécie. E portanto, a alma, por essência, difere especificamente das almas dos brutos e das plantas. E por isso, de ser a essência da alma humana sujeito da graça não se segue possa qualquer alma ser tal sujeito, pois, isso convém à essência da alma, enquanto pertencente a uma determinada espécie.

RESPOSTA À QUARTA. — Sendo as potências da alma propriedades naturais, resultantes da espécie, a alma não pode existir sem elas. Mas, dado que o pudesse, ainda a alma seria chamada, conforme a sua espécie, intelectual ou racional. Não por ter essas potências, actualmente, mas por causa da sua essência específica, de que naturalmente decorrem tais potências.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho do dia, coment e Leit. esp. (Enc.In multiplicibus curis)

Tempo comum XXVI Semana

Santos Anjos da Guarda

Evangelho: Mt 18, 1-5

1 Naquela mesma ocasião aproximaram-se de Jesus os discípulos, dizendo: «Quem é o maior no Reino dos Céus?». 2 Jesus, chamando uma criança, pô-la no meio deles 3 e disse: «Na verdade vos digo que, se não vos converterdes e vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus. 4 Aquele, pois, que se fizer pequeno como esta criança, esse será o maior no Reino dos Céus. 5 E quem receber em Meu nome uma criança como esta, é a Mim que recebe.10 Vede, não desprezeis um só destes pequeninos, pois vos declaro que os seus anjos nos céus vêem incessantemente a face de Meu Pai que está nos céus. 12 «Que vos parece? Se alguém tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, porventura não deixa as outras noventa e nove no monte, e vai em busca daquela que se extraviou? 13 E, se acontecer encontrá-la, digo-vos em verdade que se alegra mais por esta, do que pelas noventa e nove que não se extraviaram. 14 Assim, não é a vontade de vosso Pai que está nos céus que pereça um só destes pequeninos.

Comentário:

A realidade da existência dos Anjos da Guarda é para o cristão motivo de enorme alegria e agradecimento.
Alegria porque tem a seu lado um interlocutor atento e sempre disponível para estabelecer as “pontes” que necessita para chegar ao Criador;
Agradecimento pelo bem inestimável que constitui para nós e que só conheceremos completamente quando, ao nosso lado, assistir ao nosso derradeiro encontro com Deus.

(ama, comentário sobre Mt 18, 1-5; 10. 11-14, 2014.05.26)


Leitura espiritual



Documentos do Magistério

CARTA ENCÍCLICA
IN MULTIPLICIBUS CURIS
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA

PEDEM-SE NOVAMENTE ORAÇÕES PÚBLICAS PARA A
PACIFICAÇÃO DA PALESTINA

1. Entre as muitas preocupações que nos afligem neste tempo tão cheio de consequências decisivas para a vida da grande família humana, e nos fazem sentir tão pesado o cargo do pontificado supremo, tem lugar destacado aquela que nos é causada pela guerra na Palestina. Na verdade, veneráveis irmãos, podemos vos dizer que nenhum acontecimento, nem alegre nem triste, consegue atenuar a dor que permanece viva em nosso ânimo, ao pensar que na terra onde o Senhor nosso Jesus Cristo derramou seu sangue para trazer a redenção e a salvação a toda a humanidade continua a ser derramado o sangue dos homens; que debaixo daquele céu no qual ecoou, naquela fatídica noite, o anúncio evangélico de paz, continuam os combates, acresce-se a miséria dos míseros e o terror dos aterrorizados, e milhares de prófugos, acossados e perdidos, vagueiam longe da pátria à procura de abrigo e de pão.

2. Contribuem para nos tornar mais viva essa dor não só as notícias que continuamente nos chegam de destruição e de danos causados aos edifícios sagrados e de beneficência que surgiram ao seu redor, mas também o medo que nos inspiram quanto à sorte destes mesmos lugares, espalhados por toda a Palestina e, em número maior, em Jerusalém, que foram santificados pelo nascimento, vida e morte do Salvador. Nem é preciso vos assegurar, veneráveis irmãos, que, no meio deste espetáculo de tantos males e na previsão de maiores ainda, não nos fechamos na nossa dor, mas fizemos tudo o que estava em nosso poder para aliviá-los.

3. Antes ainda que iniciasse o conflito armado, ao falar a uma delegação de notáveis árabes que nos veio homenagear, manifestamos a nossa mais viva solicitude pela paz na Palestina e, condenando todo recurso à violência, declaramos que ela não podia ser realizada a não ser na verdade e na justiça, isto é no respeito aos direitos de todos, às tradições, especialmente no campo religioso, assim como no fiel cumprimento de deveres e obrigações de cada grupo de moradores. Iniciada a guerra, sem nos afastar da atitude de imparcialidade a que somos obrigados pelo nosso ministério apostólico que nos põe acima dos conflitos que agitam a sociedade humana, não deixamos de agir, no que nos era possível, para o triunfo da justiça e da paz na Palestina e o respeito e a proteção dos lugares sagrados.

4. Ao mesmo tempo, solicitados por apelos numerosos e urgentes, que todos os dias são dirigidos a esta sé apostólica, procuramos, no limite das nossas possibilidades, socorrer as vítimas infelizes da guerra, enviando para este fim aos nossos representantes na Palestina, no Líbano e no Egito os meios ao nosso dispor e estimulando o surgimento e o firmar-se, entre os católicos nos vários países de iniciativas que tenham a mesma finalidade. Convencidos, porém, da insuficiência dos meios humanos para uma solução adequada desta questão de que todos podem ver a complexidade excepcional, recorremos antes de mais nada e constantemente ao grande meio da oração, e na nossa recente encíclica Auspicia quaedam vos convidávamos a rezar e a fazer rezar os fiéis confiados aos vossos cuidados pastorais, para que, sob a proteção da Virgem santíssima, "conciliadas as coisas na justiça, a concórdia e a paz voltassem felizmente na Palestina". (1)

5. Sabemos que o nosso convite não vos foi dirigido em vão. Nem esquecemos que, ao mesmo tempo que com as nossa súplicas e nossa obra nos esforçávamos juntamente com o mundo católico para a paz na Palestina, homens de boa vontade multiplicaram, com a mesma finalidade sem olhar para sacrifícios e perigos, seus nobres esforços para os quais nos é grato prestar homenagem. Contudo, a continuação do conflito e o aumento ininterrupto de ruínas materiais e morais que inexoravelmente os acompanham, nos levam, veneráveis irmãos a renovar com redobrada insistência o nosso convite, na esperança que seja acolhido não somente por vós mas também por todo o mundo católico.

6. Como declaramos no dia 2 de Junho passado aos membros do sagrado colégio dos cardeais, ao comunicar-lhes a nossa ansiedade quanto à Palestina, julgamos que o mundo cristão não poderia contemplar indiferente ou com indignação estéril aquela terra sagrada, à qual todos iam com todo respeito para beijá-la com o amor mais ardente, pisada por soldados em guerra e atingida por bombardeios aéreos. Julgamos que não poderia deixar consumar a devastação dos lugares santos e revolver o sepulcro de Jesus Cristo. Temos a maior confiança de que as súplicas fervorosas que se levantam ao Deus onipotente e misericordioso por parte dos cristãos espalhados por todo o mundo, junto com as aspirações de tantos corações nobres e ardentemente solícitos do bem e da verdade, possam tornar menos difícil aos que dirigem o destino dos homens a tarefa de fazer com que a justiça e a paz na Palestina se tornem uma realidade benéfica, e com a cooperação eficaz de todos os interessados, se crie uma ordem que garanta a cada parte, agora em conflito, a segurança da existência e, ao mesmo tempo, condições de vida, físicas e morais, capazes de alicerçar normalmente um estado de bem-estar espiritual e material.

7. Temos plena confiança que essas súplicas e essas aspirações, índice do valor que tão grande parte da família humana atribui a esses lugares sagrados, fortaleçam nas reuniões dos poderosos nas quais se discutem os problemas da paz, a convicção de dar a Jerusalém e cercanias, onde se conservam tantas e tão preciosas lembranças da vida e da morte do Salvador, um caráter internacional que, nas presentes circunstâncias, parece garantir melhor a tutela dos santuários. E também será preciso assegurar com garantias internacionais livre acesso aos lugares santos espalhados na Palestina, assim como a liberdade de culto e o respeito a usos e tradições religiosos.

8. E que cedo possa nascer o dia em que os homens tenham de novo a possibilidade de se dirigir em piedosas peregrinações aos lugares sagrados para encontrar, finalmente manifesto, naqueles monumentos vivos do Amor que se sublima no sacrifício da vida pelos irmãos, o grande segredo de pacífica convivência humana. Com essa confiança, de coração, concedemos a vós, veneráveis irmãos, aos vossos fiéis e a todos que acolherem com ânimo solícito este nosso apelo, com os votos dos favores divinos e como penhor de nossa benevolência, a bênção apostólica.

Dado em Castel Gandolfo, junto de Roma, no dia 24 de Outubro de 1948, ano X do nosso pontificado.

PIO PP. XII

(Revisão da versão portuguesa por ama)
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Nota:
(1) AAS 40 (1948), p.171.