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21/09/2014

Examina-te: devagar, com valentia

Exame. – Tarefa diária. – Contabilidade que nunca descura quem dirige um negócio. E há negócio que valha mais do que o negócio da vida eterna? (Caminho, 235)

Examina-te: devagar, com valentia. – Não é certo que o teu mau humor e a tua tristeza sem motivo (sem motivo, aparentemente) procedem da tua falta de decisão em cortares os laços subtis, mas "concretos", que te armou – arteiramente, com paliativos – a tua concupiscência? (Caminho, 237)

Acaba sempre o teu exame com um acto de Amor – dor de Amor – : por ti, por todos os pecados dos homens... – E considera o cuidado paternal de Deus, que afastou de ti os obstáculos para que não tropeçasses. (Caminho, 246)

Há um inimigo da vida interior, pequeno, tolo, mas muito eficaz, desgraçadamente: o pouco empenho no exame de consciência. (Forja, 109)

Não esperes pela velhice para ser santo: seria um grande erro!

Começa agora, seriamente, gozosamente, alegremente, através das tuas obrigações, do teu trabalho, da vida quotidiana...


Não esperes pela velhice para ser santo, porque, além de ser um grande erro – insisto –, não sabes se chegará para ti. (Forja, 113)

Temas para meditar - 243


Docilidade


O Senhor é compassivo e espera que da nossa parte, ponhamos todos os meios ao nosso alcance para sair dessa doença ou desse aperto; e nunca permitirá provas acima das nossas forças. A todo o momento dar-nos-á graças suficientes para que essas circunstâncias dolorosas não nos separem dele; pelo contrário, devem aproximar-nos mais e mais e ajudar-nos a levar outras pessoas a uma melhoria espiritual das suas vidas. Podemos pedir a cura ou que se resolvam os problemas que pesam sobre nós, mas, antes de mais, devemos pedir ser dóceis à graça para que nessas circunstâncias – nessas e não noutras – saibamos crescer na fé, na esperança e na caridade.


(Btº JOÃO PAULO IIAudiência Geral, 1986.03.08)

Evang., Coment. Leit. Espiritual (Sermão do Espírito Santo)

Tempo comum XXV Semana

São Mateus – Apóstolo e Evangelista

Evangelho: Mt 20, 1-16

1 «O Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que, ao romper da manhã, saiu a contratar operários para a sua vinha. 2 Tendo ajustado com os operários um denário por dia, mandou-os para a sua vinha. 3 Tendo saído cerca da terceira hora, viu outros, que estavam na praça ociosos, 4 e disse-lhes: “Ide vós também para a minha vinha, e dar-vos-ei o que for justo”. 5 Eles foram. Saiu outra vez cerca da hora sexta e da nona, e fez o mesmo. 6 Cerca da undécima, saiu, e encontrou outros que estavam sem fazer nada, e disse-lhes: “Porque estais aqui todo o dia sem trabalhar?”. 7 Eles responderam: “Porque ninguém nos contratou”. Ele disse-lhes: “Ide vós também para a minha vinha”. 8 «No fim da tarde, o senhor da vinha disse ao seu feitor: “Chama os operários e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até aos primeiros”. 9 Tendo chegado os que tinham ido à hora undécima, recebeu cada qual um denário. 10 Chegando também os primeiros, julgaram que haviam de receber mais; porém, também eles receberam um denário cada um. 11 Mas, ao receberem, murmuravam contra o pai de família, 12 dizendo: “Estes últimos trabalharam somente uma hora, e os igualaste connosco, que suportamos o peso do dia e o calor”. 13 Porém, ele, respondendo a um deles, disse: “Amigo, eu não te faço injustiça. Não ajustaste comigo um denário? 14 Toma o que é teu, e vai-te. Eu quero dar também a este último tanto como a ti. 15 Ou não me é lícito fazer dos meus bens o que quero? Porventura o teu olho é mau porque eu sou bom?”. 16 Assim os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos».

Comentário:

Este trecho do Evangelho de São Mateus poderia ter um título: “A verdadeira Justiça”.
Cumprir o que se convencionou – o compromisso – é elementar e definitivo e não cabem tergiversações.

Ou se cumpre ou não e, se se cumpre não há lugar a qualquer crítica ou frustração.

(ama, comentário sobre Mt 20 1-16, 2014.05.30)

Leitura espiritual


Documentos do Magistério

Sermão do Espírito Santo
Padre António Vieira

V

Está dito e está provado. Mas que se tira ou colhe daqui? Parecerá porventura aos ouvintes que esta doutrina é só para os pregadores da fé, para os religiosos, para os missionários, para os pastores e ministros da Igreja? Assim será noutras terras: nestas nossas é para todos. Nas outras terras uns são ministros do Evangelho, e outros não; nas conquistas de Portugal todos são ministros do Evangelho.

Assim o disse Santo Agostinho pregando na África, que também é uma das nossas conquistas.

Explicava o santo aquela sentença de Cristo: Ubi sum ego, illic et minister meus erit (Jo. 12,26), em que o Senhor promete que, onde ele está, estarão também seus ministros. E convertendo-se o grande doutor para o povo, disse desta maneira: Cum auditis, fratres, Dominum dicentem illic et minister meus erit, nolite tantummodo bonos episcopos et clericos cogitare; etiam vos pro modulo vestro ministrate Christo: Quando ouvis os prémios que Cristo promete a seus ministros, não cuideis que só os bispos e os clérigos são ministros seus: também vós, por vosso modo, não só podeis, mas deveis ser ministros de Cristo. E por que modo será ministro de Cristo um homem leigo, sem letras, sem ordens e sem grau algum na Igreja? O mesmo santo o vai dizendo: Bene vivendo: vivendo bem, e dando bom exemplo; Eleemosynas faciendo: fazendo esmolas, e exercitando as outras obras de caridade; Nomem doctrinamque ejus, quibus potuerit, praedicando: e pregando o nome de Cristo, e ensinando a sua fé e doutrina a todos aqueles a quem puder; Unusquisque paterfamilias pro Christo et pro vita aeterna suos omnes admoneat, doceat, hortetur, corripiat, impendat benevolentiam, exerceat disciplinam: Cada um dos pais de famílias em sua casa, por amor de Cristo e por amor da vida eterna, ensine a todos os seus o que devem saber, encaminhe-os, exorte-os, repreenda-os, castigue-os, tire-os das más ocasiões, e já com amor, já com rigor, zele, procure e faça diligência por que vivam conforme a lei de Cristo.

Este tal pai de famílias, que será? Ouvi, cristãos, para consolação vossa o que conclui Agostinho: Ita in domo sua ecclesiasticum et quodammodo episcopale implebit officium, ministrans Christo, ut in aeternum sit cum ipso: Por este modo um pai de famílias, um homem leigo fará em sua casa não só ofício eclesiástico, mas ofício episcopal, e não só será qualquer ministro de Cristo, senão o maior de todos os ministros, quais são os bispos, servindo e ministrando nesta vida a Cristo, para reinar eternamente com eles: Ministrans Christo, ut in aeternum sit cum ipso. Isto dizia Santo Agostinho aos seus povos da África, e o pudera dizer com muito maior razão aos nossos da América.

Oh! se o divino Espírito, que hoje desceu sobre os apóstolos, descera eficazmente com um raio de sua divina luz sobre todos os moradores deste Estado, para que dentro e fora de suas casas acudiram às obrigações que devem à fé que professam, como é certo que ficariam todos neste dia não só verdadeiros ministros mas apóstolos de Cristo? Que coisa é ser apóstolo? Ser apóstolo não é outra coisa senão ensinar a fé e trazer almas a Cristo; e nesta conquista ninguém há que o não possa, e, ainda, que o não deva fazer. Primeiramente nesta missão do Rio das Almazonas, que amanhã parte — e que Deus seja servido levar e trazer tão carregada de despojos do céu, como esperamos, e com tanto remédio para a terra, como se deseja — que português vai de escolta, que não vá fazendo ofício de apóstolo? Não só são apóstolos os missionários, senão também os soldados e capitães, porque todos vão buscar gentio e trazê-los ao lume da fé e ao grêmio da Igreja. A Igreja formou-se do lado de Cristo, seu esposo, como Eva se formou do lado de Adão. E formou-se quando do lado de Cristo na cruz saiu sangue e água: Exivit sanguis et aqua (Jo. 19, 34).O sangue significava o preço da Redenção, e a água, a água do Batismo. E saiu o sangue junto com a água, porque a virtude que tem a água é recebida do sangue. Mas, pergunto agora, este lado de Cristo, donde se saiu e se formou a Igreja, quem o abriu? Abriu-o um soldado com uma lança, diz o texto: Unus militum lancea latus ejus aperuit (ibid). Pois também os soldados concorrem para a formação da Igreja? Sim, porque muitas vezes é necessário que os soldados com suas armas abram e franqueiem a porta, para que por essa porta aberta e franqueada se comunique o sangue da Redenção e a água do Batismo: Et continuo exivit sanguis et aqua. E quando a fé se prega debaixo das armas e à sombra delas, tão apóstolos são os que pregam como os que defendem, porque uns e outros cooperam à salvação das almas.

E se eu agora dissesse que nesta conquista, assim como os homens fazem ofício de apóstolos na campanha, assim o podem fazer as mulheres em suas casas? Diria o que já disseram grandes autores: eles na campanha trazendo almas para a Igreja, fazem ofício de apóstolos; e elas em suas casas, doutrinando seus escravos e escravas, fazem ofícios de apóstolas. Não é o nome nem a gramática minha; é do doutíssimo Salmeirão, o qual chamou às Marias: Apostolorum apostolas: Apóstolas dos apóstolos. E por quê? Porque lhes anunciaram o mistério da Ressurreição de Cristo. Pois, se aquelas mulheres, que anunciaram a homens, já cristãos e discípulos de Cristo, um só mistério, merecem nome de apóstolas, aquelas que anunciam e ensinam a seus escravos gentios e rudes todos os mistérios da salvação, quanto mais merecem este nome? Põe-se uma de vós a ensinar por amor de Deus ao seu tapuia e à sua tapuia o Creio-em-Deus-Padre, e que lhe ensina? Ensina-lhe o mistério altíssimo da Santíssima Trindade, o mistério da Encarnação, o da Morte, o da Ressurreição, o da Ascensão de Cristo, o da vinda do Espírito Santo, o do Juízo, o da Vida Eterna, e todos os que cremos e professamos os cristãos. Vede se merece nome de apóstola uma mestra destas?

Não há dúvida que homens e mulheres todos são capazes deste altíssimo nome e deste divino ou diviníssimo exercício. Faz duas parábolas Cristo no Evangelho, uma de um pastor que perdeu uma ovelha, e a foi buscar e trazer dos matos aos ombros, outra de uma mulher que perdeu uma dracma, ou moeda de prata, e acendeu uma candeia para a buscar, e a buscou e achou em sua casa. Esta ovelha e esta moeda perdidas e achadas, são as almas desencaminhadas e erradas que se convertem e encaminham a Deus; quem buscou e achou a ovelha na primeira parábola, e quem buscou e achou a moeda na segunda, são os ministros evangélicos, que trazem e reduzem a Deus estas almas. Pois, se em uma e outra parábola significam estas duas pessoas os ministros evangélicos que trazem almas a Deus, por que na primeira introduziu Cristo um homem, que é o pastor, e na segunda uma mulher, que é a que acendeu a candeia? Para nos ensinar Cristo que assim homens como mulheres todos podem salvar almas: os homens no campo com o cajado, e as mulheres em casa com a candeia; os homens no campo, entrando pelos matos com as armas, e as mulheres em casa, alumiando e ensinando a doutrina.

Vede como estava isto profetizado pelo profeta Joel, no mesmo capítulo segundo, que foi o que hoje declarou S. Pedro ao povo de Jerusalém; Sed et super servos meos, et ancillas in diebus illis effundam spiritum meum, et prophetabunt (Jl. 2,29); Naqueles dias — diz Deus — derramarei o meu Espírito sobre os meus servos e sobre as minhas servas, e todos pregarão. — Notai; não diz Deus que derramará o seu Espírito só sobre os servos, senão sobre os servos e sobre as servas: Super servos meos, et super ancillas: porque não só os homens, senão os homens e também as mulheres podem e devem, e hão de pregar, e dilatar a fé, cada um conforme seu estado: Et prophetabunt. Por isso hoje, com grande mistério, no Cenáculo de Jerusalém, onde desceu o Espírito Santo, não só se acharam homens, senão mulheres: Hiomnes erant perseverantes unanimiter in oratione cum mulieribus [1].

Estavam homens e estavam mulheres no Cenáculo, porque a homens e a mulheres vinha o Espírito Santo fazer mestres e mestras da doutrina do céu, e ensiná-los para que a ensinassem: Ille vos docebit.

VI

Suposto pois que não só aos eclesiásticos, senão também aos seculares, não só aos homens, senão também às mulheres pertence, ou de caridade ou de justiça, ou de ambas estas obrigações, ensinar a fé e a lei de Cristo aos gentios e novos cristãos naturais destas terras em que vivemos, cada um conforme seu estado, não haja, de hoje em diante, com a graça do Espírito Santo, quem se não faça discípulo deste divino e soberano Mestre, para o poder ser ao menos dos seus escravos. Os que sabeis a língua, tereis maior facilidade; os que a não sabeis, tereis maior merecimento. E uns e outros, ou por nós mesmos — que sempre será o melhor — ou por outrem, vos deveis aplicar a este tão cristão e tão devido exercício, com tal diligência e cuidado, que nenhum falte com o pasto necessário da doutrina às poucas ou muitas ovelhinhas de Cristo que o Senhor lhes tiver encomendadas, pois todos nesta conquista sois pastores ou guardadores deste grande pastor. Muitos o fazem assim com grande zelo, cristandade e edificação; mas é bem que o façam todos.

E ninguém se escuse — como escusam alguns — com a rudeza da gente, e com dizer, como acima dizíamos, que são pedras, que são troncos, que são brutos animais, porque, ainda que verdadeiramente alguns o sejam ou o pareçam, a indústria e a graça tudo vence, e de brutos, e de troncos, e de pedras os fará homens. Dizei-me, qual é mais poderosa, a graça ou a natureza? A graça, ou a arte? Pois o que faz a arte e a natureza, por que havemos de desconfiar que o faça a graça de Deus, acompanhada da vossa indústria? Concedo-vos que esse índio bárbaro e rude seja uma pedra: vede o que faz em uma pedra a arte. Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe, e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama, e fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar. O mesmo será cá, se a vossa indústria não faltar à graça divina. É uma pedra, como dizeis, esse índio rude? Pois, trabalhai e continuai com ele — que nada se faz sem trabalho e perseverança — aplicai o cinzel um dia e outro dia, dai uma martelada e outra martelada, e vós vereis como dessa pedra tosca e informe fazeis não só um homem, senão um cristão, e pode ser que um santo.

Não é menos que promessa e profecia do maior de todos os profetas; Potens est Deus de lapidibus istis suscitare filios Abrahae (Lc. 3,8): Poderoso é Deus a fazer destas pedras filhos de Abraão. — Abraão é o pai de todos os que têm fé; e dizer o Batista que Deus faria de pedras filhos de Abraão foi certificar e profetizar que de gentios idólatras, bárbaros e duros como pedras, por meio da doutrina do Evangelho havia Deus de fazer não só homens, senão fiéis, e cristãos, e santos. Santo Ambrósio: Quid aliud quam lapides habebantur; qui lapidibus serviebant, similes utique his qui fecerant eos?

Prophetatur igitur saxo, sit gentilium fides infundenda pectoribus, et futuros per fidem Abrahae filios oraculo pollicetur Assim o profetizou o Batista, e assim como ele foi o profeta deste milagre, vós sereis o instrumento dele. Ensinai e doutrina estas pedras, e fareis de pedras não estátuas de homens, senão verdadeiros homens e verdadeiros filhos de Abraão por meio da fé verdadeira. O que se faz nas pedras, mais facilmente se pode fazer nos troncos, onde é menor a resistência e a bruteza.

Só para fazer de animais homens não tem poder nem habilidade a arte; mas a natureza sim, e é maravilha que por ordinário o não parece. Vede-a. Fostes à caça por esses bosques e campinas, matastes o veado, a anta, o porco montês; matou o vosso escravo o camaleão, o lagarto, o crocodilo; como ele com os seus praceiros, comestes vós com os vossos amigos. E que se seguiu? Dali a oito horas, ou menos — se com menos se contentar Galeno — a anta, o veado, o porco montês, o camaleão, o lagarto, o crocodilo, todos estão convertidos em homens: já é carne de homem o que pouco antes era carne de feras. Pois se isto pode fazer a natureza por força do calor natural, por que o não fará a graça muito mais eficazmente por força do calor e fogo do Espírito Santo? Se a natureza, naturalmente, pode converter animais feros em homens, a graça, sobrenaturalmente, por que não fará esta conversão? O mesmo Espírito autor da graça o mostrou assim, e o ensinou a S. Pedro. Estava S. Pedro em oração na cidade de Jope; eis que vê abrir-se o céu, e descer um como grande lençol — assim lhe chama o texto — suspendido por quatro pontas, e no fundo dele uma multidão confusa de feras, de serpentes, de aves de rapina e de todos os outros animais silvestres, bravos, asquerosos e peçonhentos, que na lei velha se chamavam imundos. Três vezes na mesma hora viu S. Pedro esta representação, cada vez mais suspenso e duvidoso do que poderia significar, e três vezes ouviu juntamente uma voz que lhe dizia: Surge Petre, occide et manduca (At. 10,13): Eia, Pedro, matai e comei. — As palavras não declaravam o enigma, antes o escureciam mais, porque lhe parecia a S. Pedro impossível que Deus, que tinha vedado aqueles animais, lhos mandasse comer. Batem à porta neste mesmo ponto, e era um recado ou embaixada de um senhor gentio, chamado Cornélio, capitão dos presídios romanos de Cesaréia, o qual se mandava oferecer a S. Pedro, para que o instruísse na fé, e o batizasse. Este gentio, como diz Santo Ambrósio, foi o primeiro que pediu e recebeu a fé de Cristo, e por este efeito, e pela declaração de um anjo, entendeu então S. Pedro o que significava a visão. Entendeu que aquele lençol tão grande era o mundo; que as quatro pontas por onde se suspendia eram as quatro partes dele; que os animais feros, imundos e reprovados na lei, eram as diversas nações de gentios, bárbaras e indómitas, que até então estavam fora do conhecimento e obediência de Deus, e que o mesmo Senhor queria que viessem a ela. Até aqui o texto e a inteligência dele.

Mas se aqueles animais significavam as nações dos gentios, e estas nações queria Deus que S. Pedro as ensinasse e convertesse, como lhe manda que as mate e que as coma? Por isso mesmo: porque o modo de converter feras em homens, é matando-as e comendo-as, e não há coisa mais parecida ao ensinar e doutrinar que o matar e o comer. Para uma fera se converter em homem há de deixar de ser o que era e começar a ser o que não era, e tudo isto se faz matando-a e comendo-a: matando-a, deixa de ser o que era, porque, morta, já não é fera; comendo-a, começa a ser o que não era, porque, comida, já é homem. E porque Deus queria que S. Pedro convertesse em homens, e homens fiéis, todas aquelas feras que lhe mostrava, por isso a voz do céu lhe dizia que as matasse e as comesse; Occide et manduca — querendo-lhe dizer que as ensinasse e doutrinasse, porque o ensinar e doutrinar havia de fazer nelas os mesmos efeitos que o matar e o comer. Ouvi a S. Gregório Papa: Primo pastori dicitur macta et manduca quod mactatur quippe a vita occiditur; id vero quod comeditur in comedentis corpore commutatur: macta ergo, et manduca, dicitur id est, a peccato eos qui vivunt interfice, et a se ipsis illos in tua membra convertere.

Querendo Deus que S. Pedro ensinasse a fé àqueles gentios, diz-lhe que os mate e que os coma, porque o que se mata deixa de ser o que é, e o que se come converte-se na substância e nos membros de quem o come. E ambos estes efeitos haviam de obrar a doutrina de S. Pedro naqueles gentios feros e bárbaros. Primeiro haviam de morrer, porque haviam de deixar de ser gentios; e logo haviam de ser comidos e convertidos em membros de S. Pedro, porque haviam de ficar cristãos e membros da Igreja, de que São Pedro é a cabeça. De maneira que, assim como a natureza faz de feras homens, matando e comendo, assim também a graça faz de feras homens, doutrinando e ensinando. Ensinastes o gentio bárbaro e rude, e que cuidais que faz aquela doutrina? Mata nele a fereza, e introduz a humanidade; mata a ignorância, e introduz o conhecimento; mata a bruteza, e introduz a razão; mata a infidelidade, e introduz a fé; e deste modo, por uma conversão admirável, o que era fera fica homem, o que era gentio fica cristão, o que era despojo do pecado fica membro de Cristo e de S. Pedro; Occide et manduca. E como a graça do Espírito Santo, por meio da doutrina da fé, melhor que a arte e melhor que a natureza, de pedras e de animais sabe fazer homens, ainda que os destas conquistas fossem verdadeiramente, ou tão irracionais como os brutos, ou tão insensíveis como as pedras, não era bastante dificuldade esta, nem para desculpar o descuido, nem para tirar a obrigação de os ensinar: Ille vos docebit.

(cont)







[1] Todos estes perseveraram unanimemente em oração com as mulheres (At. 1,14).