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Jesus Cristo e a Igreja 28

Quem foi Maria Madalena?

Os dados que nos oferecem os evangelhos são escassos. Lc 8, 2 informa-nos que entre as mulheres que seguiam Jesus e o assistiam com os seus bens estava Maria Madalena, quer dizer, uma mulher chamada Maria, que era oriunda de Migdal Nunayah, em grego Tariquea, uma pequena povoação junto ao lago da Galileia, situada 5,5 km ao norte de Tiberíades. Dela Jesus tinha expulsado sete demónios
(Lc 8, 2; Mc 16, 9), que é o mesmo que dizer “todos os demónios”. A expressão pode entender-se como uma possessão diabólica, mas também como uma enfermidade do corpo ou do espírito.
Os evangelhos sinópticos mencionam-na como a primeira de um grupo de mulheres que contemplaram de longe a crucifixão de Jesus (Mc 15, 40-41 e par.) e que ficaram sentadas em frente do sepulcro (Mt 27, 61) enquanto sepultavam Jesus (Mc 15, 47). Referem que na madrugada do dia depois do sábado, Maria Madalena e outras mulheres voltaram ao sepulcro para ungir o corpo com os aromas que tinham comprado (Mc 16, 1-7 e par.). Nessa altura um anjo comunicou-lhes que Jesus tinha ressuscitado e encarregou-as de ir comunicá-lo aos discípulos (cf. Mc 16, 1-7 e par).

São João apresenta os mesmos dados com pequenas variantes. Maria Madalena está junto à Virgem Maria ao pé da cruz (Jo 19, 25). Depois do sábado, quando ainda era de noite, aproxima-se do sepulcro, vê a pedra removida e avisa Pedro pensando que alguém teria roubado o corpo de Jesus (Jo 20, 1-2).
De volta ao sepulcro, começa a chorar e encontra-se com Jesus ressuscitado, o qual a encarrega de anunciar aos discípulos o seu regresso ao Pai (Jo 20, 11-18). Essa é a sua glória. Por isso, a tradição da Igreja chamou-lhe no Oriente “isapóstolos” (igual a um apóstolo) e no Ocidente “ apostola apostolorum” (apostolina de apóstolos). No Oriente há uma tradição que diz que foi sepultada em Éfeso e que as suas relíquias foram levadas para Constantinopla no século IX.
Maria Madalena foi muitas vezes identificada com outras mulheres que aparecem nos evangelhos. A partir dos séculos VI e VII, na Igreja Latina tendeu-se a identificar Maria Madalena com a mulher pecadora que, (na Galileia), em casa de Simão, (o fariseu), ungiu os pés de Jesus com as suas lágrimas (Lc 7, 36-50).
Por outro lado, alguns Padres e escritores eclesiásticos, comparando os evangelhos, tinham já identificado esta mulher pecadora com Maria, irmã de Lázaro, que, (em Betânia), unge com perfume a cabeça de Jesus (Jo 12, 1-11). Mateus e Marcos, na passagem paralela não dão o nome de Maria, mas dizem que foi uma mulher e que a unção ocorreu na casa de Simão, o leproso (Mt 26, 6-13 e par.). Por essa razão, e devido em boa parte a São Gregório Magno, no Ocidente estendeu-se a ideia de que as três mulheres eram a mesma pessoa. No entanto, os dados evangélicos não sugerem que se deva identificar Maria Madalena com a Maria que unge Jesus em Betânia, pois esta parece ser a irmã de Lázaro (Jo 12, 2-3). Esses dados, também não permitem deduzir que seja a mesma que a pecadora, que segundo Lc 7, 36-49 ungiu Jesus, ainda que a confusão seja compreensível, pelo facto de São Lucas assinalar – imediatamente depois do relato em que Jesus perdoa a esta mulher – que o assistiam algumas mulheres, entre elas Maria Madalena, da qual tinha expulsado sete demónios (Lc 8, 2). Além disso, Jesus louva o amor da mulher pecadora: “ São-lhe perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou” (Lc 7, 47). Também se descobre um grande amor no encontro de Maria com Jesus depois da ressurreição (Jo 20, 14-18). Em todo o caso, ainda que se tratasse da mesma mulher, o seu passado pecador não é um descrédito. Pedro foi infiel a Jesus e Paulo um perseguidor dos cristãos. A sua grandeza não está na sua impecabilidade, mas no seu amor.
Pelo seu papel de relevo no evangelho, foi uma figura que recebeu especial atenção de alguns grupos marginais à primitiva Igreja. Tratam-se fundamentalmente de seitas gnósticas, cujos escritos recolhem revelações secretas de Jesus depois da ressurreição e que recorrem à figura de Maria para transmitir as suas ideias. São relatos que não têm fundamento histórico.
Padres da Igreja, escritores eclesiásticos e outras obras destacam o papel de Maria como discípula do Senhor e proclamadora do Evangelho. A partir do século X surgiram narrações fictícias que exaltavam a
sua pessoa e que se difundiram sobretudo em França.
Ali nasce a lenda, que não tem nenhum fundamento histórico, de que Madalena, Lázaro e alguns mais, quando se iniciou a perseguição contra os cristãos, foram de Jerusalém a Marselha e evangelizaram a
Provença. De acordo com esta lenda, Maria morreu em Aix-en-Provence ou Saint Maximin e as suas relíquias foram levadas para Vézelay.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Temas para meditar 213


Jejum

Sobressai com grande clareza que o jejum representa uma prática ascética importante, uma arma espiritual para lutar contra qualquer eventual apego desordenado a nós mesmos. Privar-se voluntariamente do prazer dos alimentos e de outros bens materiais, ajuda o discípulo de Cristo a controlar os apetites da natureza fragilizada pela culpa da origem, cujos efeitos negativos atingem toda a personalidade humana.

(bento xvi Mens. Para a Quaresma 2009)

Tratado da Graça 02

Art. 2 — Se o homem sem a graça pode querer e fazer o bem.

(II Sent., dist. XXVIII, a. 1; dist. XXXIX, expos. Litt.; IV, dist.XVII, q. 1, a. 2, qª 2, ad; 3; De Verit., q. 24, a. 12; II Cor., cap. III, lect. I).

O segundo discute-se assim. — Parece que sem a graça o homem pode querer e fazer o bem.

1. — Pois, está no poder do homem o de que ele é senhor. Ora, o homem é senhor de seus actos, e sobretudo da sua vontade, como já se disse (q. 1, a. 1; q. 13, a. 6). Logo, pode querer e fazer o bem por si mesmo, sem o auxílio da graça.

2. Demais. — Um ser tem mais poder sobre o que lhe é natural do que sobre o que lhe contraria a natureza. Ora, o pecado é contra a natureza, como diz Damasceno, ao contrário, o acto virtuoso é segundo a natureza da alma, como já se disse (q. 71, a. 1). Ora, desde que o homem pode por si mesmo pecar, conclui-se com maioria de razão, que pode por si mesmo querer o fazer o bem.

3. Demais. — O bem da inteligência é a verdade, como diz o Filósofo. Ora, a inteligência pode por si mesma conhecê-la, assim como todo o ser pode por si mesmo realizar o seu acto natural. Logo, com maior razão, o homem pode por si mesmo fazer e querer o bem.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm 9, 16): Não depende do que quer, i.é, do querer, nem do que corre, i. é, do correr, mas, de usar Deus da sua misericórdia. E Agostinho: sem a graça, os homens não podem, absolutamente, fazer o bem por pensamento, nem por vontade, amor, ou acção.

A natureza do homem pode ser considerada a dupla luz. Na sua integridade, como existia em nosso primeiro pai, antes do pecado ou como após esse pecado existe agora em nós. Ora, tanto num como noutro estado, a natureza humana precisa do auxílio divino, como primeiro motor, para fazer ou querer qualquer bem, conforme já dissemos (a. 1). Porém no estado de natureza íntegra, podia o homem, quanto o exigem os actos virtuosos e só ajudado pelas suas faculdades naturais, querer e obrar o bem proporcionado à sua natureza, tal como é o da virtude adquirida; não porém o da virtude infusa, que lhe excede a natureza. No estado da natureza corrupta, porém, o homem falha, mesmo no que poderia por natureza alcançar, de modo que não lhe é possível fazer, só pelas suas faculdades naturais, todo o bem de que a sua natureza é capaz. Contudo, pelo pecado não ficou a natureza humana totalmente corrupta, de modo a ficar privada de todo bem natural. Por isso, pode o homem, mesmo no estado da natureza corrupta e por virtude da sua natureza, fazer algum bem particular, como, edificar casas, plantas vinhas e coisas semelhantes. Mas não pode fazer todo bem que lhe é conatural, sem falhar em caso algum. Assim como um homem doente pode, por si mesmo, fazer algum movimento, mas, sem ser curado pelo médico, não pode mover-se perfeitamente, como um homem são.

Donde, o homem necessita, no estado da natureza íntegra, do auxílio da graça, acrescentado às suas faculdades naturais, mas só, para fazer e querer o bem sobrenatural. No estado da natureza corrupta, porém, precisa desse auxílio, primeiro, para fortificar-se, e depois para praticar o bem da virtude sobrenatural, que é meritório. Além disso, em um e outro estado, o homem precisa do auxílio divino para mover-se à prática do bem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O homem é senhor dos seus actos de querer ou não querer, por causa da deliberação racional, que pode inclinar-se para um ou outro lado. Mas só e necessariamente por uma deliberação precedente é que poderá deliberar ou não, se disso for capaz. Ora, como esse processo não pode ir ao infinito, é forçoso, finalmente, o livre arbítrio humano ser movido por algum princípio externo, superior à mente humana, e que é Deus, como o prova o filósofo. Donde, o espírito do homem, mesmo ainda não corrompido, não tem de tal modo o domínio dos seus actos, que dispense a moção divina. E, com maior razão, o livre arbítrio do homem enfermo pelo pecado, que encontra, na corrupção da sua natureza um obstáculo a prática do bem.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Pecar não é mais do que claudicar na prática do bem adequado à natureza de um ser. Ora, todo o ser criado, assim como não existe senão em virtude de outro e, em si considerado, nada é: assim também precisa, por esse outro, de ser conservado no bem adequado à sua natureza. Donde, se não for sustentado por Deus, pode, abandonado a si mesmo, falhar na prática do bem, assim como pode, nessas condições, reduzir-se ao nada.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Também a verdade o homem não a pode conhecer sem o auxílio divino, como já dissemos (a. 1). E contudo, a natureza humana ficou mais corrupta, pelo pecado, no seu desejo do bem, que no conhecimento da verdade.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evang.; Coment.; Leit. Esp. (Magistério - Ratzinguer)

Tempo comum XX Semana

Virgem Santa Maria – Rainha

Evangelho: Lc 1, 26-38

26 Estando Isabel no sexto mês, foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, 27 a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de David; o nome da virgem era Maria. 28 Entrando o anjo onde ela estava, disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça; o Senhor é contigo». 29 Ela, ao ouvir estas palavras, perturbou-se e discorria pensativa que saudação seria esta. 30 O anjo disse-lhe: «Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus; 31 eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a Quem porás o nome de Jesus. 32 Será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de Seu pai David; 33 reinará sobre a casa de Jacob eternamente e o Seu reino não terá fim». 34 Maria disse ao anjo: «Como se fará isso, pois eu não conheço homem?». 35 O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra; por isso mesmo o Santo que há-de nascer de ti será chamado Filho de Deus. 36 Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se dizia estéril; 37 porque a Deus nada é impossível». 38 Então Maria disse: «Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra». E o anjo afastou-se dela.

Comentário:

A Virgem estava convicta, intimamente consciente, que Deus tinha aceite o seu voto de virgindade, feito anos antes.
Como Nossa Senhora seria muito jovem - a tradição diz que deveria ter entre quinze e dezassete anos - estariam bem vivo no seu espírito o momento recolhido em que tinha comunicado ao Senhor a sua decisão, permanecer Virgem.
Era uma oferta de muito valor naquele tempo e naquela sociedade judaica: uma mulher sem filhos era olhada como algo estranho e desenraizado, até talvez, como se um castigo de Deus se manifestasse dessa forma.
Por isso se compreende que a gravidez de Isabel, sua parente, fosse um tão grande milagre, cuja possibilidade esmagou Zacarias.
A Virgindade é sem dúvida o estado mais querido a Deus, pois significa a renúncia a um direito e até, em certo sentido, a uma instrução de Deus que mandou crescer e multiplicar a raça humana.
Jesus olhará com ternura o jovem rico que pretende aperfeiçoar-se e convida-o a vender o que tem e a segui-lo, isto é, a pôr-se inteiramente ao Seu serviço.
É também, transparente nos Evangelhos o carinho muito especial de Jesus por João.
Compreende-se pois a confusão da Virgem ao ser-lhe transmitido que a Vontade de Deus seria exactamente o oposto, isto é, que aceitasse a maternidade quebrando o seu voto de virgindade.
Poderia este mensageiro representar alguém que não o próprio Deus?
A ilação que queria tirar desta atitude da Virgem é a necessidade de esclarecimento.
Temos obrigação de comprovar o que se nos afigura, ou nos é transmitido como sendo a Vontade de Deus.
Sem excesso de zelo, mas com segurança devemos interrogar a nossa consciência e o nosso coração e ainda, se necessário, o nosso director espiritual ou o confessor sobre o problema que se nos põe.
Daqui que é necessário termos muito bem definida a nossa consciência e a nossa formação religiosa e cristã.
Sem isso facilmente cairemos em falsas ideias, escrúpulos, talvez até aspectos de "beatice", deixando passar, imóveis e imutáveis, ao nosso lado, sinais claros da Vontade de Deus.
Destacaria em segundo lugar o Fiat da Virgem: «Faça-se», responde Nossa Senhora, depois do Anjo ter exposto os desígnios de Deus. «Faça-se a Vontade de Deus ... eis a escrava do Senhor» - é muito explicita a Virgem.
Responde de uma forma completa ao convite divino: que se faça exactamente o que Deus quer e de uma forma total porque, Ela, é escrava de Deus e portanto submissa no seu todo: espírito e corpo.
Esta afirmação de total disponibilidade dá-nos a verdadeira dimensão da união da Virgem com Deus.
A sua submissão é total, sem dúvida, mas não é cega ou inconsciente, pelo contrário, sabe exactamente o que diz e as consequências do que diz.
Assim é que, alguns dias mais tarde, ao encontrar-se com Isabel, a Senhora rompe num canto - Magnificat - em que não tem rebuço em declarar que aceita ser Mãe de Deus e que sabe que será louvada por todas as futuras gerações humanas. (…)
Esta disponibilidade total para o cumprimento exclusivo da vontade divina, como primeira preocupação, não põe de lado as preocupações da vida normal e corrente.
Nossa Senhora tinha as suas ocupações, e com certeza - tanto mais que as disponibilidades seriam escassas - preocupava-se com o orçamento familiar, haveria que comer, vestir, calçar o que, nem por ser modesto, deixa de ser um problema e não pouca preocupação. (…) Sim, porque viver correctamente, todos os dias, na nossa casa, na nossa família, no trabalho seja ele qual for, tem de ser também uma atitude de entrega ao Senhor.
Porque me dás trabalho, porque me dás saúde, porque me dás isto e me retiras aquilo, porque permites este sofrimento, aquele desgosto que servem para temperar a minha ambição, ou chamar a atenção para a minha fragilidade. (…)
Temos necessidade premente de pôr o nosso coração nas mãos de Deus.
Por intermédio de Maria, pedir ao Senhor ajuda. (…)
Esta é a forma mais segura de conseguir-mos êxito nos nossos propósitos.
A mediação da Virgem é importantíssima, eu diria mesmo imprescindível para o afinamento da nossa vida interior que deverá ser o espelho do nosso comportamento.
Em Fátima o Papa invocou várias vezes a Virgem: «Monstra te esse mater.» «Mostra que és Mãe.»
As Mães têm com os filhos aquela relação que nós, Pais, não conseguimos ter tão facilmente.
Os olhos maternos vêm os contornos e as suavidades, os nossos, destacam mais os ângulos e as asperezas, os ouvidos das mães ouvem os queixumes e as palavras ternas, os nossos ouvidos guardam mais as más respostas e os desacordos, os corações delas vibram com o coração dos filhos, os nossos amarguram-se com as desilusões.
“Filtrada” pelo coração da mãe a atitude do filho é melhor aceite pelo pai, atendemos melhor o seu pedido se feito pela voz da mãe. Nas coisas muito pequenas como nas coisas grandes. (…)
(ama, palestra, Meadela, Dezembro de 1993)

Leitura espiritual



Magistério

cardeal joseph ratzinger

Algumas perguntas pessoais

…/14

SIDA e preservativos.

Numa sociedade que parece desprezar cada vez mais o valor da castidade, da fidelidade conjugal e da temperança, e estar preocupada algumas vezes quase que exclusivamente com a saúde física e o bem-estar temporal, a Igreja tem a responsabilidade de dar o testemunho que lhe é próprio, concretamente um testemunho inequívoco de solidariedade para com aqueles que sofrem e, ao mesmo tempo, um testemunho de defesa da dignidade da sexualidade humana, que pode ser realizada somente dentro do contexto da lei moral.
É também crucial notar, como faz o documento da Conferência, que os únicos meios medicamente eficazes para prevenção da SIDA são exatamente os tipos de comportamento conformes com a lei de Deus e com a verdade sobre o homem que a Igreja sempre ensinou e que hoje continua a ser chamada corajosamente a ensinar [i].

Clonagem.

O homem é capaz de produzir em laboratório outro homem que, portanto, já não seria dom de Deus nem da natureza. Pode-se fabricar e, da mesma forma que se fabrica, pode-se destruir. [...]
Se esse é o poder do homem, então ele se está convertendo numa ameaça mais perigosa que as armas de destruição em massa [ii].

Bioética.

Venda de órgãos, manipulação genética, clonagem: será que não é preciso pôr limites à pesquisa médica e científica?

A ideia de pôr limites à pesquisa científica soa como uma blasfémia aos ouvidos do homem moderno.
Existe, no entanto, um limite extrínseco: a dignidade do homem.
É inaceitável qualquer forma de progresso cujo preço seja a violação da dignidade humana. Se a pesquisa ameaça o homem, torna-se uma deformação da ciência. Embora se argumente que uma ou outra linha de pesquisa pode abrir possibilidades para o futuro, é preciso dizer "não" quando é o homem que está em jogo. Apesar de ser uma comparação um pouco forte, gostaria de lembrar que já houve um período em que se levaram a cabo experimentações médicas com pessoas que eram consideradas inferiores. Para onde nos levará essa lógica que consiste em tratar um feto ou um embrião como uma coisa? [iii]


A nova evangelização (texto integral de uma conferência)

(Pela sua actualidade e mensagem, inclui-se aqui o texto completo da conferência A nova evangelização [iv].)

A vida humana não se realiza por si só. A nossa vida é uma questão em aberto, um projeto incompleto, que é preciso realizar passo a passo. A pergunta fundamental de todo o homem é: Como se leva a cabo esse projeto de realização do homem? Como se aprende a arte de viver? Qual é o caminho que leva à felicidade?

Evangelizar significa mostrar esse caminho, ensinar a arte de viver. Jesus diz no início da sua vida pública: "Vim para evangelizar os pobres" (cfr. Lc 4, 18). Ou seja: Eu tenho a resposta para a vossa pergunta fundamental; mostro-vos o caminho da vida, o caminho que leva à felicidade; mais ainda, Eu sou esse caminho. A pobreza mais profunda é a incapacidade de alegrar-se, o tédio de uma vida considerada absurda e contraditória.

Essa pobreza encontra-se hoje muito estendida, de maneiras muito diversas, tanto nas sociedades materialmente ricas como nos países pobres. A incapacidade de alegrar-se pressupõe e traz consigo a incapacidade de amar, produz a inveja, a avareza..., todos os vícios que arruínam a vida das pessoas e do mundo. Por isso, é necessária uma nova evangelização. Se não se conhece a arte de viver, tudo o mais deixa de funcionar. Mas essa arte não é objecto de uma ciência; só pode ser comunicada por Aquele que tem a vida, Aquele que é o Evangelho em pessoa.

ESTRUTURA E MÉTODO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO

Estrutura

Antes de falar dos conteúdos fundamentais da nova evangelização, gostaria de explicar a estrutura e o método adequados. A Igreja sempre evangeliza e nunca interrompeu o seu caminho de evangelização. Celebra diariamente o mistério eucarístico, administra os sacramentos, anuncia a palavra da vida, a palavra de Deus, e compromete-se em favor da justiça e da caridade. E essa evangelização produz frutos: dá luz e alegria, mostra o caminho da vida a um imenso número de pessoas. Muitos fiéis vivem, frequentemente sem dar-se conta, da luz e do calor dessa evangelização permanente. No entanto, testemunhamos um processo gradual de descristianização e perda dos valores humanos essenciais que é realmente preocupante. Grande parte da humanidade de hoje não encontra o Evangelho na evangelização permanente da Igreja, isto é, não encontra a resposta convincente à pergunta: como viver?

Por isso, precisamos, além da evangelização permanente, que nunca se interrompeu nem nunca se interromperá, de uma nova evangelização, capaz de ser ouvida por esse mundo que não tem acesso à evangelização "clássica". Todos necessitam do Evangelho. O Evangelho está destinado a todos e não apenas a um grupo determinado, e por isso devemos buscar novos caminhos para levar o Evangelho a todos.

No entanto, aqui se esconde também uma tentação: a tentação da impaciência, a tentação dos grandes números, de buscar o êxito imediato. E não é esse o método do reino de Deus. Para o reino de Deus, assim como para a evangelização, que é o instrumento e veículo [da difusão desse reino], sempre é válida a parábola do grão de mostarda (cfr. Mc 4, 31-32). O reino de Deus torna a construir-se uma e outra vez sob esse signo.


"Nova evangelização" não é sinónimo de atrair imediatamente com métodos novos e mais refinados, as grandes massas que se afastaram da Igreja. Não; não é essa a
promessa da nova evangelização. "Nova evangelização" significa não se contentar com o facto de o grão de mostarda se ter transformado na grande árvore da Igreja universal, nem pensar que basta o facto de nos seus ramos poderem aninhar-se aves de todo o tipo.

"Nova evangelização" significa recomeçar o trabalho valentemente, com a humildade desse minúsculo grão, deixando que Deus decida quando e como há de crescer (cfr. Mc 4, 26-29).

As grandes coisas começam sempre por um pequeno grão, ao passo que os movimentos de massas são sempre efémeros. Na sua visão do processo evolutivo, Teilhard de Chardin fala do "espaço em branco das origens": o início das novas espécies é invisível, está fora do alcance da investigação científica. As fontes estão ocultas; são pequenas demais. Noutras palavras, as grandes realidades têm começos humildes. Deixemos de lado a questão de saber se as teorias evolucionistas de Teilhard são ou não correctas, e até que ponto: a lei das origens invisíveis reflete uma verdade presente precisamente na ação de Deus na História. "Não te escolhi por seres grande; pelo contrário, és o menor dentre os povos; foste escolhido porque te amo...", diz Deus ao povo de Israel no Antigo Testamento, expressando assim o paradoxo fundamental da História da Salvação: Deus certamente não conta com grandes números; o poder exterior não é o sinal da sua presença.

Grande parte das parábolas de Jesus demonstra essa estrutura da acção divina e respondem assim às preocupações dos discípulos, que esperavam êxitos e sinais muito diferentes por parte do Messias: êxitos como aquele que Satanás oferece ao Senhor: "Tudo isto te darei, todos os reinos do mundo"... (cfr. Mt 4, 9).

São Paulo, no final da sua vida, não tinha dúvidas de que tinha levado o Evangelho até os confins da terra, mas os cristãos eram pequenas comunidades dispersas pelo mundo, insignificantes segundo os critérios humanos. Na realidade, porém, eram o fermento que penetraria na massa, e levavam o futuro do mundo dentro de si mesmas (cfr. Mt 13, 33).

Há um antigo provérbio que diz: "O êxito não é um dos nomes de Deus". A nova evangelização deve actuar como o grão de mostarda, sem esperar que surja imediatamente uma grande árvore. Vivemos numa tranquilidade excessiva por causa da grande árvore que já existe ou sentimos o afã de possuir uma árvore ainda maior e mais viva. No entanto, devemos aceitar o mistério de que a Igreja é, ao mesmo tempo, uma árvore grande e um minúsculo grão. Na História da Salvação, vive-se sempre simultaneamente a Sexta-feira Santa e o Domingo de Páscoa.

O método

É da estrutura da nova evangelização que deriva também o método adequado. Não há dúvida de que devemos usar os meios modernos de modo razoável para nos fazermos
escutar; ou melhor, para tornar acessível e compreensível a voz do Senhor. Mas não queremos que nos escutem a nós; não queremos aumentar o poder e a extensão das nossas instituições; o que queremos é contribuir para o bem das pessoas e da humanidade, abrindo caminho para Aquele que é a Vida.

Essa renúncia ao próprio eu, oferecendo-o a Cristo para a salvação dos homens, é a condição fundamental de um verdadeiro compromisso em favor do Evangelho: Vim em nome de meu Pai, mas não me recebeis. Se vier outro em seu próprio nome, haveis de recebê-lo... (Jo 5, 43).

O anticristo distingue-se por falar em nome próprio. O sinal do Filho é a sua comunhão com o Pai. O Filho introduz-nos na comunhão trinitária, no círculo do seu amor, cujas Pessoas são "relações puras", acto puro de entrega e acolhimento. O desígnio trinitário, visível no Filho, que não fala em seu nome, mostra o modo de vida do verdadeiro evangelizador. Mais ainda, evangelizar não é tanto um modo de falar, é antes um modo de viver: viver na escuta do Pai e ser seu porta-voz. Não falará por si mesmo, mas dirá o que ouvir (Jo 16, 13), diz o Senhor do Espírito Santo.

Esta forma cristológica e pneumatológica de evangelização é ao mesmo tempo uma forma eclesiológica: o Senhor e o Espírito constroem a Igreja, comunicam-se na Igreja.

O anúncio de Cristo, o anúncio do reino de Deus, pressupõe a escuta da sua voz na voz da Igreja. "Não falar em nome próprio" significa falar na missão da Igreja.

Desta lei da renúncia ao próprio eu tiram-se consequências muito prácticas. Todos os métodos racionais e moralmente aceitáveis devem ser estudados; é um dever usar das possibilidades da comunicação. Mas nem as palavras nem toda a arte da comunicação são capazes de penetrar na pessoa humana até à profundidade a que o Evangelho deve chegar. Faz poucos anos, li a biografia de um óptimo sacerdote do nosso século, o pe. Dídimo, pároco de Bassano dei Grappa. Nas suas notas, encontramos umas palavras de ouro, fruto de uma vida de oração e meditação. Por exemplo, o pe. Dídimo dizia a propósito do assunto de que tratamos aqui: "Jesus pregava de dia e orava de noite". Com essa breve anotação, queria dizer que Jesus devia ganhar de Deus os seus discípulos.

Isso é válido sempre. Nós não podemos "ganhar" os homens. Devemos "ganhá-los" de Deus para Deus. Todos os métodos são ineficazes se não estão fundados na oração.
A palavra de anúncio deve estar sempre impregnada de uma intensa vida de oração.

Vamos avançar mais um pouco. Jesus pregava de dia e orava de noite, mas isso não é tudo. Toda a sua vida, como mostra de uma maneira muito bela o Evangelho de São Lucas, foi um caminho para a cruz, uma subida a Jerusalém. Jesus não redimiu o mundo com palavras bonitas, mas com o seu sofrimento e com a sua morte. A sua paixão é inesgotável fonte de vida para o mundo; a paixão sustenta a sua palavra.

O próprio Senhor, estendendo e ampliando a parábola do grão de mostarda, formulou essa lei da fecundidade na parábola do grão de trigo que cai na terra e morre (cfr. Jo 12, 24). Também essa lei é válida até o fim do mundo e, junto com o mistério do grão de mostarda, é uma lei fundamental para a nova evangelização. Toda a História assim o demonstra. Seria fácil demonstrá-lo na história do cristianismo. Gostaria de recordar aqui somente o início da evangelização na vida de São Paulo.

O êxito da sua missão não foi fruto da retórica ou da prudência pastoral; a sua fecundidade dependeu do seu sofrimento, da sua união com a paixão de Cristo (cfr. 1 Cor 2, 1-5; 2 Cor 5, 7; 11, 10 e segs.; 11, 30; Gál 4, 12-14). Não lhes será dado outro sinal senão o do profeta Jonas (Lc 1 29), disse o Senhor. O sinal de Jonas é Cristo crucificado, são as testemunhas que completam o que falta à paixão de Cristo (Col 1, 24). As palavras de Tertuliano cumpriram-se em todas as épocas da História: o sangue dos mártires é semente de novos cristãos.

Santo Agostinho diz o mesmo de um modo muito bonito, mostrando no Evangelho de São João a íntima relação entre a profecia do martírio de São Pedro e o mandato de apascentar, ou seja, o seu primado (cfr. Jo 21, 16). Comenta Santo Agostinho: "Apascenta as minhas ovelhas, isto é, sofre pelas minhas ovelhas" (Sermo 32: PL 2, 640). Uma mãe não pode dar à luz sem sofrer. Todo o parto implica sofrimento, é sofrimento, e chegar a ser cristão é um parto. Digamo-lo mais uma vez com palavras do Senhor: O reino de Deus exige violência (Mt 11, 12; Lc 10, 16), mas a violência de Deus é o sofrimento, a cruz. Não podemos dar vida aos outros sem dar a nossa vida. O processo de renúncia ao próprio eu, a que antes me referia, é a forma concreta (manifestada de diversas maneiras) de dar a própria vida. Já o disse o Salvador: Quem perder a sua vida por mim e pelo Evangelho, salvá-la-á (Mc 8, 35).

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)





Notas:
[i] Letter on AIDS, enviada ao arcebispo Laghi durante a reunião geral da Conferência Nacional dos Bispos dos Estados Unidos, 1988
[ii] Debate no Centro de Orientação Política do Roma, out 2004
[iii] L’abolition de l’homme
[iv] Pronunciada no Congresso de catequistas e professores de religião, Roma, 10.12.2000, e publicada em L’Osservatore romano, 19.01.2001