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20/08/2014

Estás obrigado a dar exemplo

Tens necessidade de vida interior e de formação doutrinal. Exige-te! – Tu, cavalheiro cristão, mulher cristã, tens de ser sal da terra e luz do mundo, porque estás obrigado a dar exemplo com um santo descaramento. Há-de urgir-te a caridade de Cristo e, ao sentires-te e saberes-te outro Cristo a partir do momento em que lhe disseste que o seguias, não te separarás dos teus semelhantes – os teus parentes, os teus amigos, os teus colegas –, da mesma maneira que o sal não se separa do alimento que condimenta. A tua vida interior e a tua formação abrangem a piedade e o critério que deve ter um filho de Deus, para temperar tudo com a sua presença activa. Pede ao Senhor para seres sempre esse bom condimento na vida dos outros. (Forja, 450)

Olhai que o Senhor anseia por nos conduzir com passos maravilhosos, divinos e humanos, que se traduzem numa abnegação feliz, de alegria com dor, de esquecimento de nós mesmos. Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo. Um conselho que já todos ouvimos. Temos de nos decidir a segui-lo de verdade: que o Senhor se sirva de nós para que, metidos em todas as encruzilhadas do mundo – e estando nós metidos em Deus – sejamos sal, levedura, luz. Tu, em Deus, para iluminar, para dar sabor, para aumentar, para fermentar.


Mas não te esqueças de que não somos nós quem cria essa luz; apenas a reflectimos. Não somos nós quem salva as almas, levando-as a praticar o bem. Somos apenas um instrumento, mais ou menos digno, para os desígnios salvíficos de Deus. Se alguma vez pensássemos que o bem que fazemos é obra nossa, voltaria a soberba, ainda mais retorcida; o sal perderia o sabor, a levedura apodreceria, a luz converter-se-ia em trevas. (Amigos de Deus, 250)

Temas para meditar 211


Liberdade


A submissão - a obediência - não é incompatível com a liberdade, porque é a ordenação da liberdade.



(federico suaréz A Virgem Nossa Senhora Éfeso 4ª Ed. nr. 153)

Tratado da lei 90

Questão 108: Do conteúdo da lei nova.

Art. 4 — Se a lei nova propôs convenientemente conselhos certos e determinados.

O quarto discute-se assim. — Parece que a lei nova ordenou inconvenientemente conselhos certos e determinados.

1. — Pois, os conselhos tomam-se sobre os meios convenientes à consecução do fim, como já dissemos, quando tratamos do conselho (q. 14, a. 2). Ora, nem todos servem para todos. Logo, não se devem propor a todos conselhos certos e determinados.

2. Demais. — Conselhos tomam-se sobre o melhor bem. Ora, não há graus determinados do melhor bem. Logo, não se devem dar conselhos certos e determinados.

3. Demais. — Os conselhos dizem respeito à perfeição da vida. Ora, também a essa perfeição respeita a obediência. Logo, o Evangelho deixou de dar, inconvenientemente, conselho sobre ela.

4. Demais. — Muito do concernente à perfeição da vida está incluído nos preceitos. Assim (Mt 5, 44): Amai a vossos inimigos, e também os preceitos que o Senhor deu aos Apóstolos. Logo, a lei nova deu conselhos inconvenientemente, quer pelos não ter dado todos, quer por não os ter distinguido dos preceitos.

Mas, em contrário. — Os conselhos do amigo sábio são de grande utilidade, conforme a Escritura (Pr 27, 9): Com perfume e variedade de cheiros se deleita o coração, e com os bons conselhos do amigo se banha a alma em doçura. Ora, Cristo é sábio e amigo por excelência. Logo, os seus conselhos são os de máxima utilidade e conveniência.

A diferença entre o preceito e o conselho está em, o primeiro implicar necessidade ao passo que o segundo depende da vontade daquele a quem é dado. E por isso, convenientemente, a lei nova, que é a lei da liberdade, acrescentou aos preceitos os conselhos, o que a lei antiga não fez, lei da escravidão. Logo e forçosamente, os preceitos da lei nova devem ser entendidos como relativos ao necessário à consecução do fim, que é a eterna beatitude, na qual ela nos introduz directamente. Ao passo que os conselhos hão-de versar sobre aquilo pelo que o homem pode, melhor e mais expeditamente, conseguir o referido fim.

Ora, o homem está colocado entre os bens deste mundo e os espirituais, nos quais consiste a beatitude eterna. E de modo que, quanto mais se apega àqueles, tanto mais se afasta destes, e inversamente. Donde, quem se apega totalmente às coisas deste mundo, constituindo nelas o seu fim e considerando-as como a razão e a regra dos seus actos, aparta-se totalmente dos bens espirituais. Ora, essa desordem é que os preceitos fazem desaparecer. Desprezar porém totalmente as coisas do mundo, não é necessário para o homem alcançar o fim referido. Pois ele pode chegar à beatitude eterna usando das coisas deste mundo, sem por nelas o seu fim. A este porém chegará mais facilmente, desprezando totalmente as coisas. Por isso o Evangelho dá conselhos sobre esse ponto.

Ora, os bens deste mundo, que servem ao uso da vida humana, são das três categorias seguintes. As riquezas dos bens externos, buscadas pela concupiscência dos olhos, os prazeres da carne, pela concupiscência da carne, e as honras, pela soberba da vida, como se vê na Escritura (1 Jo 2, 16). Ora, é próprio dos conselhos evangélicos fazer desapegar-nos dessas três espécies de bens, totalmente, na medida possível. E nesse tríplice desapego se funda toda a religião, que busca o estado de perfeição. Assim, as riquezas são desprezadas pela pobreza, os prazeres da carne, pela castidade perpétua, a soberba de vida, pela submissão da obediência. Mas pelos conselhos propostos, em absoluto, é que observamos, em si mesmas, essas três disposições de vida. Ao passo que por um conselho particular, aplicado a um caso dado, observamos cada uma das disposições referidas. Assim, quem dá esmola a um pobre, sem estar obrigado a isso, segue o conselho, em particular. Também segue o conselho, em particular, quem em tempo determinado se abstém dos prazeres da carne, para se dedicar à oração. Semelhantemente, quem não cede à sua vontade, num caso particular, em que podia fazê-lo licitamente, segue em tal caso o conselho. Assim quando, sem estar obrigado, beneficia aos seus inimigos, ou quando perdoa a ofensa de quem podia justamente vingar-se. Assim todos os conselhos particulares se reduzem aos três conselhos gerais e perfeitos supra-referidos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os conselhos referidos, em si mesmos, são aplicáveis a todos. Mas pode dar-se não o sejam a alguém, sem disposição para eles, por não ter o afecto inclinado para os mesmos. Por isso o Senhor, quando propõe os conselhos evangélicos, faz sempre menção da inclinação do homem a observá-los. Assim ao dar conselho da pobreza perpétua, diz antes (Mt 19, 21): Se queres ser perfeito, acrescentando depois: vai e vende o que tens. Semelhantemente, ao dar o conselho da castidade perpétua, diz (Mt 19, 12): Há uns castrados, que a si mesmos se castraram por amor do reino dos céus, mas logo acrescenta: O que é capaz de compreender isto compreenda-o. Do mesmo modo o Apóstolo, tendo dado o conselho da virgindade, diz (1 Cor 7, 35): Digo-vos isto para proveito vosso, não para vos ilaquear.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os bens melhores, particulares, são indeterminados, em cada caso dado. Mas os que o são em geral, simples e absolutamente falando, são determinados. Ora, a esses se reduzem todos os bens particulares referidos, como já se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Entende-se que o Senhor também deu o conselho de obediência quando disse: E siga-me. E nós o seguimos, não só imitando-lhe as obras, mas também obedecendo aos Seus mandamentos, conforme (Jo 10, 27): As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as e elas seguem-me.

RESPOSTA À QUARTA. — O que o Senhor disse sobre o verdadeiro amor aos inimigos e disposições semelhantes, se se referirem à preparação da alma, é necessário para a salvação. E então o homem deve estar preparado a fazer bem aos inimigos e a agir sempre nesse sentido, quando a necessidade o exigir. Por isso estabeleceram-se preceitos para o regular. Mas é apenas por um conselho particular, como já dissemos, que estaremos preparados a fazê-lo, pronta e actualmente, aos inimigos, quando não ocorrer especial necessidade. E quanto aos preceitos que se leem noutro lugar do Evangelho, eles constituíam disciplinas próprias do tempo, ou são certas concessões, como dissemos (q. 2, ad 3). Por isso não são dados como conselhos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evang.; Coment.; Leit. Esp. (Magistério - Ratzinguer)

Tempo comum XX Semana

Evangelho: Mt 20, 1-16

1 «O Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que, ao romper da manhã, saiu a contratar operários para a sua vinha. 2 Tendo ajustado com os operários um denário por dia, mandou-os para a sua vinha. 3 Tendo saído cerca da terceira hora, viu outros, que estavam na praça ociosos, 4 e disse-lhes: “Ide vós também para a minha vinha, e dar-vos-ei o que for justo”. 5 Eles foram. Saiu outra vez cerca da hora sexta e da nona, e fez o mesmo. 6 Cerca da undécima, saiu, e encontrou outros que estavam sem fazer nada, e disse-lhes: “Porque estais aqui todo o dia sem trabalhar?”. 7 Eles responderam: “Porque ninguém nos contratou”. Ele disse-lhes: “Ide vós também para a minha vinha”. 8 «No fim da tarde, o senhor da vinha disse ao seu feitor: “Chama os operários e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até aos primeiros”. 9 Tendo chegado os que tinham ido à hora undécima, recebeu cada qual um denário. 10 Chegando também os primeiros, julgaram que haviam de receber mais; porém, também eles receberam um denário cada um. 11 Mas, ao receberem, murmuravam contra o pai de família, 12 dizendo: “Estes últimos trabalharam somente uma hora, e os igualaste connosco, que suportamos o peso do dia e o calor”. 13 Porém, ele, respondendo a um deles, disse: “Amigo, eu não te faço injustiça. Não ajustaste comigo um denário? 14 Toma o que é teu, e vai-te. Eu quero dar também a este último tanto como a ti. 15 Ou não me é lícito fazer dos meus bens o que quero? Porventura o teu olho é mau porque eu sou bom?”. 16 Assim os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos».

Comentário:

Uma das ilacções que podemos tirar deste trecho do Evangelho de São Mateus é a aparente indiferença pelos trabalhadores já contratados pelos outros que – deveriam sabê-lo - apareciam na praça em busca de trabalho.

Além de uma manifestação de indiferença e egoísmo é, sobretudo, uma manifesta falta de solidariedade para com os outros.

«ninguém nos contratou»! Não houve uma pessoa, sequer um companheiro de trabalho, ninguém lhes chamou a atenção que havia alguém disposto a contratá-los, a dar-lhes trabalho!

Trabalhar no Reino de Deus – a Sua vinha – é obter a garantia de uma paga justa, condigna, e, até, extraordinária porque, para o Senhor, nunca é tarde demais mesmo que seja ao fim da tarde, no ocaso da vida.

Não nos alheemos dos outros, quem quer que seja, jovem ou de mais idade, todos são dignos de ser chamados e, o Senhor, quer que, a todos, chegue o Seu convite.

(AMA, comentário, sobre Mt 20, 1-16, 2013.08.21)

Leitura espiritual




Magistério

cardeal joseph ratzinger

Algumas perguntas pessoais

…/12

Caminhos para Deus.

Quantos caminhos há para Deus?

Tantos quantas as pessoas. Porque até dentro da mesma fé o caminho de cada um é muito pessoal. Nós temos a palavra de Cristo: "Eu sou o Caminho". Neste sentido há, no fim das contas, um só caminho, e cada um que está a caminho de Deus está também, de alguma maneira, a caminho de Jesus Cristo. Isto não significa que, consciente e deliberadamente, todos os caminhos sejam idênticos, mas, pelo contrário, que o caminho é realmente tão grande que se torna, em cada um, o seu caminho pessoal [i].


Laicismo


Direitos humanos, dignidade.

Um primeiro elemento é o caráter incondicional com que a dignidade humana e os direitos humanos devem apresentar-se, como valores que precedem toda a jurisdição estatal. Estes direitos fundamentais não são criados pelo legislador nem são concedidos aos cidadãos, "mas existem por direito próprio e sempre devem ser respeitados pelo legislador, a quem são entregues como valores de ordem superior" [ii].
Esta validade da dignidade humana prévia a qualquer actuação ou decisão política remete-nos ao Criador: só Ele pode estabelecer valores que se fundam na essência do homem e que são intangíveis. Que existam valores não manipuláveis por ninguém é a garantia verdadeira e própria da nossa liberdade e da grandeza humana; a fé cristã vê nisto o mistério do Criador e da condição de imagem de Deus que Ele conferiu ao homem.

Ora bem, hoje em dia quase ninguém negará diretamente a preeminência da dignidade humana e dos direitos humanos fundamentais em face de toda a decisão política; são ainda demasiado recentes os horrores do nazismo e da sua teoria racista. Mas no âmbito concreto do assim chamado progresso da Medicina, há ameaças muito reais para estes valores: quer pensemos na clonagem, ou na conservação de fetos humanos para a pesquisa e na doação de órgãos, ou ainda em todo o âmbito da manipulação genética, a lenta erosão da dignidade humana que nos ameaça aqui não pode ser desconhecida por ninguém. Acrescentam-se a isso, de maneira crescente, o tráfico de pessoas humanas, as novas formas de escravidão, o comércio de órgãos humanos para transplantes.
Sempre se aduzem finalidades boas para justificar o injustificável [iii].

Laicismo.

O laicismo já não é o elemento de neutralidade que abre espaços de liberdade para todos. Começa a transformar-se numa ideologia imposta através da política, e não concede espaço público à visão católica e cristã, que corre o risco de transformar-se em algo puramente privado e, no fundo, mutilado. [...]
Neste sentido, existe uma luta; devemos defender a liberdade religiosa contra a imposição de uma ideologia que se apresenta como se fosse a única voz da racionalidade, quando apenas é expressão de um "certo" racionalismo [iv].

Laicidade.

A laicidade justa é a liberdade de religião. O Estado não impõe uma religião, mas deixa espaço livre às religiões, que por sua vez têm responsabilidades perante a sociedade civil. Assim permite que essas religiões sejam factores na construção da vida social [v].

Reino de Deus e reino de César.

Esta distinção entre o reino de Deus e o de César está na origem do conceito de liberdade que se desenvolveu na Europa, no Ocidente.

Implica que a religião oferece ao homem uma visão para a vida inteira, não apenas para a vida espiritual. Mas a instituição religiosa não é totalitária, antes encontra-se limitada pelo Estado. E o Estado não pode pretender controlar tudo, porque por sua vez está limitado pela liberdade religiosa. O Estado não é tudo, e a Igreja, neste mundo, não é tudo. Entendida neste sentido, a laicidade é profundamente cristã.
A hostilidade dos nazis para com o cristianismo, especialmente para com o catolicismo, fundava-se na ideia de que o Estado é tudo.

Mas se laicismo significa que na vida pública não há lugar para Deus, então estamos diante de um grave erro. As instituições políticas e as instituições religiosas têm âmbitos que lhes são próprios. Os valores fundamentais da fé, porém, devem manifestar-se publicamente, não por meio da força institucional da Igreja, e sim por meio da força da sua verdade interior. Quando o laicismo pretende excluir a religião, comete uma mutilação do ser humano [vi].


As novas ideologias


As três grandes correntes ideológicas actuais.

Em primeiro lugar, [mencionemos] a ideia básica da teologia da libertação, que, no fundo, teve eco em quase todos os continentes. [Antes de mais nada,] é preciso ressalvar que pode ser interpretada num sentido positivo. A ideia fundamental é que o cristianismo também tem de ter efeito na existência terrena do homem: tem de lhe dar a liberdade de consciência, mas também tem de procurar fazer valer os direitos sociais do homem. Mas quando essa ideia é aproveitada num sentido unilateral, procura, em geral, ver no cristianismo o instrumento de uma transformação política do mundo.
A partir desse ponto, tomou forma a ideia de que todas as religiões seriam apenas instrumentos para a defesa da liberdade, da paz e da preservação da Criação; teriam, pois, de justificar-se através de um sucesso político e de um objetivo político.
Essa temática varia segundo as situações políticas, mas atravessa os continentes.
Hoje, enraizou-se fortemente na Ásia, mas também na África. Penetrou até no mundo islâmico, onde também há tentativas de interpretar o Corão no sentido da teologia da libertação; são marginais, mas nos movimentos terroristas islâmicos a ideia de que o Islão deveria realmente ser um movimento de libertação - por exemplo, contra Israel - teve um papel fundamental.

Entretanto, a ideia de libertação - se pudermos chamar liberdade ao denominador fundamental da espiritualidade moderna e do nosso século - também se fundiu fortemente com a ideologia feminista. A mulher é considerada o ser oprimido por excelência: por essa razão, a libertação da mulher seria o núcleo de toda a actividade libertadora. Aqui ultrapassou-se, por assim dizer, a teologia da libertação política mediante outra antropológica.
Não se pensa apenas na libertação dos vínculos próprios do papel da mulher, mas na libertação da condição biológica do ser humano. Distingue-se então o fenómeno biológico da sexualidade das suas expressões históricas, às quais se chama "género", mas a revolução que se quer provocar contra toda a forma histórica da sexualidade conduz a uma revolução que também é contra as condições biológicas: já não pode haver dados naturais; o homem deve poder moldar-se arbitrariamente, deve ser livre de todos os condicionalismos do seu ser; ele próprio se tornaria o que quer, e só desse modo seria realmente "livre" e estaria libertado.
Por trás disso encontramos uma revolta do homem contra os limites que o seu ser biológico envolve.
Trata-se, em última análise, de uma revolta contra a própria condição de criatura.
O homem deveria ser o criador de si mesmo - uma nova edição, moderna, da velha tentativa de ser Deus, de ser como Deus.

O terceiro fenómeno que se observa em todo o mundo - sobretudo num mundo cada vez mais uniformizado - é a busca de uma identidade cultural própria, expressa no termo "inculturação".
Na América Latina, a redescoberta das culturas perdidas é agora, depois de a onda marxista ter diminuído, uma nova corrente forte.
A theoíogia india quer voltar a despertar a cultura e a religião pré-colombianas e libertar-se, por assim dizer, da penetração excessiva de elementos europeus que lhe foi imposta. As ligações directas com o feminismo são interessantes.
Saliente-se o culto da "Mãe-terra" e, em geral, do elemento feminino em Deus, o que acentua as tendências do feminismo americano-europeu, que já não quer apenas fazer afirmações antropológicas, mas reformar o conceito de Deus. Ter-se-ia projectado em Deus a estrutura patriarcal e, assim, fixado a opressão da mulher a partir do conceito de Deus.
O elemento cósmico (Mãe-terra, etc.) dessa renovação das antigas religiões conflui depois com as tendências da New Age, que visa uma fusão de todas as religiões e uma nova unidade do homem e do cosmos [vii].

Fundamentalismo.

O fundamentalismo, de acordo com o seu sentido originário, é uma corrente surgida no protestantismo norte-americano do século XIX, que se pronunciou contra o evolucionismo e a crítica bíblica, e que, junto com a defesa da absoluta infalibilidade da Escritura, tentou proporcionar um sólido fundamento cristão contra os dois. Sem dúvida, há analogias com esta posição noutros universos espirituais, mas se a analogia for convertida em identidade, incorre-se numa simplificação errónea.

Dessa fórmula, extraiu-se uma chave demasiado simplificada através da qual se pretende dividir o mundo em duas metades, uma boa e a outra má. A linha do pretenso fundamentalismo estende-se então desde o âmbito protestante e católico até ao islâmico e marxista.
A diferença de conteúdos já não conta para nada.
Fundamentalista seria sempre aquele que tem convicções firmes, e por isso actuaria como factor criador de conflitos e inimigo do progresso. Boa seria, pelo contrário, a dúvida, a luta contra antigas convicções, e com isso seriam bons todos os movimentos modernos não-dogmáticos ou anti-dogmáticos.
Mas, como é evidente, se se parte de um esquema classificativo puramente formal, não se pode interpretar realmente o mundo [viii].

Ateísmo prático.

Pela leitura de diversos documentos do Magistério, parece inferir-se que, do ponto de vista pastoral, uma das principais preocupações da Igreja com relação ao homem contemporâneo é o ateísmo. Trata-se, hoje, mais de um ateísmo prático que de um ateísmo ideológico?

A raiz de todos os problemas pastorais é, sem dúvida, a perda da capacidade de perceber a verdade, que avança lado a lado com a cegueira perante a realidade de Deus. Vale a pena sublinhar como interagem aqui o orgulho e a falsa humildade.
Em primeiro lugar vem o orgulho, que incita o homem a emular o próprio Deus, a considerar-se capaz de entender sozinho, os problemas do mundo e de reconstruí-lo. Na mesma medida, surge a falsa modéstia, que sustenta a ideia de que é inteiramente impossível que Deus se preocupe com os homens e chegue até a falar-lhes. O ser humano já não se atreve a aceitar que é capaz de conhecer a verdade: parece-lhe uma presunção, e pensa que deve conformar-se com agir.

Em consequência, a Sagrada Escritura torna-se muda para ele: já não lhe diz o que é verdade, mas apenas o informa sobre o que tempos e homens passados pensavam que fosse verdadeiro. Com isso, muda também a imagem da Igreja: ela deixa de ser a transparência do Eterno e passa a ser apenas uma espécie de liga em prol da moral e do melhoramento das coisas terrenas; a medida do seu valor estaria no seu êxito terreno.

Infiltram-se aqui, necessariamente, o ateísmo prático e o ideológico, juntamente com uma certa conveniência. Primeiro, procede-se apenas como se Deus não existisse; mas depois é preciso justificar essa posição, explicando o primado da práxis [da ação].

Daqui para a ideologia, é um passo curto [ix].

Marxismo.

Em última análise, a doutrina da salvação marxista, nas suas numerosas versões articuladas de diferentes maneiras, nasceu com a pretensão de ser uma visão única e científica do mundo, acompanhada de uma motivação ética capaz de conduzir a humanidade rumo ao futuro. Assim se explica a sua difícil despedida, mesmo depois do trauma de 1989. Basta pensar em como foi discreta a discussão sobre os horrores dos "gulags" comunistas, e em como foi pouco escutada a voz de Alexander Solzhenitsin: disto não se fala. O silêncio foi imposto por uma espécie de pudor.
Mesmo o sanguinário regime de Pol Pot só é mencionado de vez em quando, de passagem. Mas ficou o desengano, juntamente com uma profunda confusão: hoje, já ninguém acredita nas grandes promessas morais [das ideologias].

O marxismo concebia-se a si mesmo nestes termos: uma corrente que desejava a justiça para todos, o advento da paz, a abolição das injustificadas relações de predomínio do homem sobre o homem, etc. Para alcançar esses nobres objetivos, pensou que seria necessário renunciar aos princípios éticos e que se podia usar o terror como instrumento do bem. No momento em que todos puderam ver, ainda que apenas de fora na superfície, as ruínas provocadas na humanidade por essa ideia, as pessoas preferiram refugiar-se na vida pragmática e professar publicamente o desprezo pela ética [x].

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)





Notas:
[i] O sal da terra, págs. 27-28
[ii] Anteprojeto para a Constituição Europeia, 2004
[iii] Fundamentos espirituales de Europa
[iv] El laicismo está poniendo en peligro la libertad religiosa
[v] Ibid
[vi] L’abolition de l’homme
[vii] O sal da terra, págs. 107-109
[viii] "El fundamentalismo islâmico", em Una mirada a Europa, Rialp, Madrid, 1993
[ix] Entrevista a Jaime Antúnez Aldunate
[x] Introducción ai cristianismo