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Temas para meditar 207


Pecado 



Afastamo-nos também da luz quando, na incerteza do nosso dever, desleixamos instruirmo-nos a fim de permanecermos numa meia-luz, que favorece as meias medidas, mas que conduz ao pecado completo.


(georges chevrot Jesus e a Samaritana Éfeso 1956 pg. 92)

Tratado da lei 86

Questão 107: Da comparação entre a lei nova e a antiga.

Art. 4 — Se a lei nova é mais onerosa do que a antiga.

[III Sent., dist. XL, a. 4, qª 3 ; Quodl. IV, q. 8, a. 2 ; In Matth, ; cap. IX].

O quarto discute-se assim. — Parece que a lei nova é mais onerosa que a antiga.

1. — Pois, sobre o constante da Escritura — Aquele que quebrar um destes mínimos mandamentos — diz Crisóstomo: Os mandamentos de Moisés, como — não matarás, não fornicarás — são mais fáceis de praticar. Enquanto que os de Cristo, como — Não te encolerizarás, não cobiçaras — são mais difíceis. Logo, a lei nova é mais onerosa que a antiga.

2. Demais. — É mais fácil usar da prosperidade terrena, do que sofrer tribulações. Ora, no Antigo Testamento, a prosperidade temporal era consecutiva à observância da lei, como se vê na Escritura (Dt 28, 1-14). Ao passo que muitas adversidades perseguem os observantes da lei nova, consoante o Apóstolo (2 Cor 6, 4-10): Portemo-nos em nossas mesmas pessoas como ministros de Deus, na muita paciência, nas tribulações, nas necessidades, nas angústias, etc. Logo, a lei nova é mais onerosa que a antiga.

3. Demais. — Um preceito acrescentado a outro é mais difícil de ser observado. Ora, a lei nova foi acrescentada à antiga. Assim, esta proibiu o perjúrio; ao passo que aquela, até mesmo o juramento. A lei antiga proibia a separação da mulher sem o libelo de repúdio, a nova proibiu absolutamente a separação, como o diz a Escritura (Mt 5, 31 ss), conforme a exposição de Agostinho. Logo, a lei nova é mais onerosa que a antiga.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Mt 11, 28): Vinde a mim, todos os que andam em trabalho e vos achais carregados. E segundo a explicação de Hilário: Chama a si os que padecem as dificuldades da lei e estão carregados com os pecados do século. E depois, o Senhor acrescenta, falando do jugo do Evangelho: O meu jugo é suave, e o meu peso leve. Logo, a lei nova é mais leve que a antiga.

Em relação às obras virtuosas, para regular as quais foram dados os preceitos da lei, surge dupla dificuldade. — Uma, relativa às obras externas, que em si mesmas trazem uma certa dificuldade e onerosidade. E neste ponto a lei antiga será muito mais onerosa que a nova. Pois, com as suas múltiplas cerimónias, obrigava a mais actos externos que a lei nova. Esta, além dos preceitos da lei natural, poucas coisas acrescentou, com a doutrina de Cristo e dos Apóstolos. Embora muitos acréscimos se fizessem depois, por instituição dos santos padres. Mas ainda neste ponto, Agostinho diz, que não se deve perder de vista a moderação, para não se tornar onerosa a vida dos fiéis. Assim, referindo-se a alguns, diz: Carregam com obras servis a nossa própria religião, que, com manifestíssimas e pouquíssimas cerimónias de sacrifícios, a misericórdia de Deus quis que fosse livre. De modo que é mais tolerável a condição dos judeus, sujeitos, a sacramentos legais e não a presunções humanas.

A outra dificuldade versa sobre os actos virtuosos internos, como quando praticados pronta e agradavelmente. Ora, atacar essa dificuldade é a função da virtude. Pois, a prática desses actos, muito difícil para quem não possui a virtude, torna-se fácil para o virtuoso. E neste ponto os preceitos da lei nova são mais onerosos que os da antiga. Pois, aquela proíbe os movimentos internos da alma, que a lei antiga não proibia expressamente em todos os casos, embora o fizesse em alguns, em que porém não se acrescentava nenhuma pena à proibição. Ora, o que a lei nova dispõe é dificílimo para quem não tem virtude. Pois, como diz o Filósofo, é fácil fazer o que faz o justo, mas agir como ele age, deleitável e prontamente, é difícil para quem não tem justiça. E assim também diz a Escritura (1 Jo 5, 3): os seus mandamentos não são custosos, o que Agostinho explica: o que não é difícil para quem ama é-o para quem não ama.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A autoridade aduzida refere-se expressamente à dificuldade da lei nova, quanto à expressa proibição dos movimentos internos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — As contrariedades que sofrem os observantes da lei nova não são impostas pela própria lei, contudo, como o amor, em que a lei consiste, são facilmente toleradas. Pois, como diz Agostinho o amor torna fácil e quase destrói o que é cruel e duro.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Esses acréscimos aos preceitos da lei antiga têm por fim facilitar-lhe a observância, como diz Agostinho. Logo, daí não se conclui que a lei nova seja mais onerosa, mas ao contrário, mais fácil.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evang.; Coment.; Leit. Esp. (Magistério - Ratzinguer)

Tempo comum XIX Semana

Evangelho: Mt 19, 13-15

13 Então, foram-Lhe apresentadas várias crianças para que Lhes impusesse as mãos e orasse por elas. Mas os discípulos repreendiam-nas. 14 Jesus, porém, disse-lhes: «Deixai as crianças, e não as impeçais de vir a Mim, porque delas é o Reino dos Céus». 15 E, tendo-lhes imposto as mãos, partiu dali.

Comentário:

Nem mais… nem menos! Se o Reino dos Céus é das crianças é natural que o Rei as queira junto de Si!

Que maravilha!

Como recusar um desafio tão grande como este: ser como criança?

E como será isso possível aos homens adultos cheios de preconceitos, ideias formadas, vícios e defeitos de carácter?

De facto, não é possível, isto é, sem a ajuda do próprio Rei e Senhor. No fim e ao cabo estamos a falar de entrega confiada e alegre nas Suas mãos amorosas, deixar que seja Ele a conduzir a nossa vida, a tentar em tudo, fazer a Sua vontade.

(ama, Comentário sobre Mt 19, Carvide, 13-15, 2013.08.18)

Leitura espiritual



Magistério

cardeal joseph ratzinger

Algumas perguntas pessoais

…/8

Nossa Senhora, Mãe que cura.

Esta antiquíssima e misteriosa imagem a que os romanos chamam Salus populi Romani [salvação ou saúde do povo romano] é, segundo
a tradição, a imagem que Gregório Magno levou em procissão pelas ruas de Roma no ano de 590, num momento em que a peste devastava a cidade. Quando terminou a procissão, cessou também a epidemia; Roma recobrou a saúde. O nome desta imagem quer dizer-nos: neste nome pode Roma, neste nome podem os homens curar-se continuamente.

Desta figura ao mesmo tempo juvenil e venerável, dos seus olhos sábios e bondosos, olha-nos a bondade maternal de Deus. "Como alguém que é consolado pela sua mãe, assim eu vos consolarei", diz-nos Deus através do profeta Isaías (66, 13). O consolo maternal revela-nos plenamente Deus, sobretudo através das mães, através da sua Mãe.

E quem poderia estranhá-lo?

Diante desta imagem, desaparece de nós a fatuidade, diluem-se as crispações da nossa soberba, o medo diante dos nossos sentimentos e tudo aquilo que nos faz adoecer por dentro. A depressão e o desespero nascem de que o âmbito dos nossos sentimentos está desordenado ou entrou em colapso. Já não vemos o que há de cálido, de consolador, de bom e salvador no mundo - coisas que somente podemos perceber com o coração -. Na frieza de um conhecimento que foi privado das suas raízes, o mundo torna-se puro desespero. Daí que a aceitação desta imagem cure. Devolve-nos ao chão da fé e da condição humana, sempre que aceitemos a partir de dentro a sua linguagem, sempre que não nos fechemos a ela. [...] Esta imagem [.-.] ajuda-nos assim a desligar a fé do esforço da vontade e do entendimento e a situá-la novamente na totalidade do nosso ser. [...]

Podemos abrir-nos de novo à proximidade da nossa Mãe sem medo de falsos sentimentalismos [i].


O futuro da Igreja


Minoria? Há muitos anos, o senhor falava em termos proféticos sobre a Igreja do futuro: a Igreja - dizia então - reduzir-se--á nas suas dimensões, e será preciso começar novamente. Mas desta prova sairá uma Igreja que terá obtido uma grande força do processo de simplificação pelo qual terá passado, da sua renovada capacidade de olhar para dentro de si mesma. Qual é a perspectiva que nos espera na Europa?

Para começar, a Igreja "reduzir-se-á numericamente". Quando fiz esta afirmação, choveram-me de toda a parte censuras de pessimismo. Hoje, quando todas as proibições parecem ter caído em desuso, entre elas as que dizem respeito ao que se vem chamando pessimismo - o qual, com frequência, não passa de um sadio realismo -, cada vez são mais os que admitem que a percentagem dos cristãos baptizados na Europa vem diminuindo: numa cidade como Magdeburgo, é de apenas 8% da população total, incluindo-se aí todas as confissões cristãs. Os dados estatísticos mostram tendências irrefutáveis. Neste sentido, reduz-se a possibilidade de identificação entre povo e Igreja em determinadas áreas culturais. Devemos tomar nota disto com simplicidade e realismo.

A Igreja de massas pode ser algo muito bonito, mas não é necessariamente a única modalidade do ser Igreja. A Igreja dos primeiros três séculos era pequena, sem que por isso fosse uma comunidade sectária. Pelo contrário, não estava fechada sobre si mesma, mas sentia uma grande responsabilidade pelos pobres, pelos doentes, por todos. No seu seio encontravam abrigo todos aqueles que se nutriam de uma fé monoteísta e estavam à busca de uma promessa. Essa consciência de não ser um clube fechado, mas de estar aberta à comunidade no seu conjunto, sempre foi um componente intrínseco da Igreja. [...]

Devemos tomar nota da diminuição das nossas fileiras, mas devemos continuar igualmente a ser uma Igreja aberta. A Igreja não pode ser um grupo fechado, auto-suficiente. Devemos, sobretudo, ser missionários, no sentido de voltar a propor à sociedade aqueles valores que são os fundamentos da forma legal que a sociedade deu a si mesma, e que estão na base da própria possibilidade de construir qualquer comunidade social verdadeiramente humana. A Igreja continuará a propor os grandes valores humanos universais. Porque, se o Direito deixa de ter fundamentos morais compartilhados por todos, desmorona também como Direito. Deste ponto de vista, a Igreja tem uma responsabilidade universal. Responsabilidade missionária significa precisamente, como diz o Papa, empreender verdadeiramente uma nova evangelização.

Não podemos aceitar tranquilamente que o resto da Humanidade volte a precipitar-se no paganismo; devemos encontrar o caminho para levar o Evangelho também aos não-crentes. A Igreja deve recorrer a toda a sua criatividade para fazer com que não se apague a força viva do Evangelho [ii].

Perigo e esperança.

Qual é, a seu parecer, o grande perigo e a grande esperança da Igreja, hoje?

Acredito que o maior perigo está em que nos convertamos numa organização social que não esteja fundada na fé do Senhor. À primeira vista, poderia parecer que só importa o que estamos fazendo e que a fé não é tão importante. Mas se a fé desaparece, todas as outras coisas, como vimos, decompõem--se. Penso que existe o perigo, com todas estas actividades e perspectivas externas, de subestimar a importância da fé e de perdê-la, de começar a viver numa Igreja em que a fé não seja importante.

E existe a grande esperança de que veremos uma nova presença do Senhor. Já vimos que a sua presença sacramental na Eucaristia é um dom para todos nós e nos permite amar os outros e trabalhar pelos outros. Penso que a nova presença da Eucaristia e o novo amor por Cristo, o próprio Cristo presente na Eucaristia, é o elemento mais alentador do nosso tempo [iii].

Perspectivas.

Que mudanças sofrerá a Igreja?

Penso que devemos ser muito cautelosos à hora de fazer previsões, porque o desenvolvimento histórico sempre traz muitas surpresas. A futurologia fracassa com frequência. Ninguém se arriscava, por exemplo, a prever a queda dos regimes comunistas. A sociedade mundial sofrerá profundas mudanças, mas por enquanto não temos condições de prever que consequências terá a diminuição numérica do mundo ocidental, que ainda é o dominante, qual será a nova cara da Europa transformada pelas correntes migratórias, que civilização e que formas sociais hão-de impor-se. Seja como for, o que é claro é que a Igreja ocidental se sustentará sobre um potencial diverso.

O que conta mais, na minha opinião, é "essencializar", para usar uma expressão de Romano Guardini. É necessário evitar a elaboração de pré-construções fantásticas de algo que se poderá revelar muito diferente e que não podemos pré-fabricar nos meandros do nosso cérebro, para concentrar-se, pelo contrário, no essencial, que depois poderá encontrar novos modos de encarnar-se. É importante um processo de simplificação que nos permita distinguir o que constitui a viga-mestra da nossa doutrina, da nossa fé, o que nela tem valor perene.
É importante voltar a propor as grandes constantes de fundo nos seus componentes fundamentais: as questões sobre Deus, a salvação, a esperança, a vida, sobre tudo o que eticamente tem um valor básico [iv].

Escândalos.

Eminência [...]: devo dizer-lhe, honestamente, que os últimos dias foram como uma prova de fé para mim e para alguns dos meus colegas [refere-se à campanha contra a Igreja por causa dos padres pedófilos nos Estados Unidos]. Como enfrentar a tentação da desesperança que às vezes experimentamos [...]?

Penso que temos de nos lembrar de Nosso Senhor, que nos disse: "No campo da Igreja não haverá só trigo, mas também palha; dos mares do mundo, tirareis não somente peixes, mas também coisas inaceitáveis". Portanto, o Senhor anuncia-nos uma Igreja em que existirão escândalos e pecadores. Devemos lembrar-nos de que São Pedro, o primeiro dos Apóstolos, foi um grande pecador, e apesar disso o Senhor quis que esse Pedro pecador fosse a rocha da Igreja. Com isso, indicou-nos que não esperássemos que todos os Papas fossem grandes santos: temos de aceitar que alguns deles sejam pecadores.

[Cristo] anuncia-nos que no campo da Igreja haverá muita palha. A situação actual não nos surpreende se considerarmos a História da Igreja. Houve épocas que foram pelo menos tão complicadas como a nossa, com escândalos, coisas ruins, etc. Basta pensar no século IX, no X, no Renascimento... Contemplando, pois, as palavras do Senhor aplicadas à História da Igreja, poderemos relativizar os escândalos de hoje.

Sofremos. Temos que sofrer porque os escândalos fazem sofrer muita gente, e agora penso nas vítimas. Certamente, temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar que essas coisas aconteçam no futuro, mas, por outro lado, sabemos que o Senhor - e esta é a essência da Igreja - se sentava à mesa com pecadores. Esta é a própria definição da Igreja: que o Senhor se senta à mesa com pecadores.
Portanto, não podemos surpreender-nos [de que haja pecados]. Não podemos cair na desesperança.

Pelo contrário, o Senhor disse-nos: "Não estou aqui só para os justos, mas sim para os pecadores". Temos que estar certos de que o Senhor, verdadeiramente, e também hoje em dia, procura os pecadores para os salvar.

Durante os dois últimos anos, muitos diagnosticaram uma crise de abusos sexuais que estariam infestando a Igreja nos Estados Unidos. [...] O senhor, eu sei, acompanhou bastante essa crise, tratando de fechar as feridas. A minha pergunta ê: quais pensa que sejam as raízes dessa crise?

Distinguiria talvez dois elementos: um geral e outro específico. O elemento geral é, como já disse, a fraqueza dos seres humanos, incluídos os sacerdotes. As tentações existem também para os padres, e isso sempre será assim. Temos de aceitá-lo e entender que [...] estas coisas podem acontecer.

O segundo ponto é mais específico. Por que é mais comum nestes tempos do que no passado? Penso que um ponto essencial é a debilidade da fé. Somente se eu me encontrar a sós com o Senhor, se o Senhor estiver presente para mim - não a ideia, mas a Pessoa com quem vivo uma profunda amizade -, se eu o conhecer pessoalmente e estiver todos os dias em contacto com o seu amor, somente então é que a fé se converterá numa realidade para mim.
Se for assim, ela passará a ser o chão da minha vida, a mais firme realidade, e não uma simples possibilidade.
Se for assim, se eu estiver realmente convicto e em contacto com o amor do Senhor, então Ele me ajudará a vencer as tentações, por mais que pareçam impossíveis de vencer. Se não actualizamos a nossa fé todos os dias, se ela se enfraquece e se converte em algo que não é fundamental na vida, então começam todos esses problemas.

É por todas estas razões que a debilidade da fé e a pouca presença da fé na Igreja são o ponto essencial [das crises]. Parece-me que é um problema que vimos arrastando há quarenta ou cinquenta anos: a noção de que temos de ter ideias comuns com todo o mundo e de que a fé é um assunto muito pessoal, juntamente com a falta de consciência de que é um dom de Deus. A primeira coisa a fazer, neste caso, é voltar a aprender, é reconvertermo-nos a uma fé profunda e educarmo-nos na fé.

Penso também que, nos últimos quarenta ou cinquenta anos, o ensino moral na Igreja não esteve muito claro. Tivemos tantos mestres que ensinavam falsidades e diziam: "Não, isso não é pecado. Isso é comum e, como todos o fazem, está permitido"! Por causa dessas ideias, não tivemos uns ensinamentos morais claros. Acredito que há duas coisas essenciais nesta matéria: a conversão a uma fé profunda, a vida sacramental e de oração, por um lado; e, por outro, um ensino moral e a convicção de que a Igreja tem o Espírito Santo do seu lado.

O que diria aos fiéis nos Estados Unidos que se encontram tão abatidos nestes momentos que não sabem para quem olhar?

Bem, em primeiro lugar o que têm de fazer é olhar para o Senhor. Ele está sempre presente e sempre perto de nós. E olhem também para os santos de todos os tempos. Os humildes, os fiéis estão aí, talvez de maneira não tão evidente porque não aparecem na televisão; mas estão presentes, e é nisso que a Igreja confia: confia em que todos os fiéis encontrarão esse tipo de pessoas. Assim verão que, com todos os problemas de hoje, a Igreja não desapareceu, continua adiante, especialmente graças a pessoas que não são muito visíveis. Penso, por conseguinte, que o essencial é encontrar o Senhor, ver os santos de todos os tempos e encontrar também os que não estão canonizados, as pessoas singelas que estão no coração da Igreja [v].

Autoridade na Igreja.

A obediência [...], segundo alguns, já não seria nem ao menos uma virtude cristã, mas uma herança de um passado autoritário, dogmático, a ser, portanto, superado.

Com efeito, se a Igreja é a nossa Igreja, se a Igreja somos apenas nós, se as suas estruturas não são as que Cristo quis, então não se pode mais conceber a existência de uma hierarquia como serviço aos baptizados, estabelecida pelo próprio Senhor. Recusa-se o conceito de uma autoridade querida por Deus, de uma autoridade que tem a sua legitimidade em Deus, e não no consenso da maioria dos membros da organização, como acontece nas estruturas políticas.

Mas a Igreja de Cristo não é um partido, não é uma associação nem um clube: a sua estrutura profunda é ineliminável; não é democrática, e sim sacramental, e portanto hierárquica: porque a hierarquia baseada na sucessão apostólica é condição indispensável para obter a força e a realidade dos sacramentos. Aqui, a autoridade não se baseia em votações da maioria; baseia-se na autoridade do próprio Cristo, que quis fazer com que participassem dela homens que fossem os seus representantes até ao seu retorno definitivo. Só se poderá redescobrir a necessidade e a fecundidade católica da Igreja retomando essa visão de obediência à sua legítima hierarquia [vi].

Divisões entre os cristãos.

Deus escreve certo por linhas tortas. Mas as linhas permanecem tortas, e isso significa que as divisões estão relacionadas com o pecado humano. O pecado não se torna positivo só porque, se for compreendido como algo que deve ser superado pela conversão e apagado pelo perdão, pode levar a um processo de crescimento. Já Paulo teve de explicar aos Romanos a ambiguidade que nascera do seu ensinamento sobre a graça, segundo a qual, se o pecado conduzia à graça, podia ser aceite tranquilamente (Rom 6, 19). A capacidade divina de tirar coisas boas até dos nossos pecados certamente não significa que o pecado seja bom. E o facto de que Deus pode tirar frutos positivos da divisão não a torna boa em si mesma [vii].

A única apologética. A única, a verdadeira apologia do cristianismo pode reduzir-se a dois argumentos: os santos que a Igreja produziu e a arte que germinou no seu seio. O Senhor torna-se crível pela magnificência da santidade e da arte, que explodem dentro da comunidade crente, mais que pelas astutas escapatórias que a apologética elaborou para justificar os lados obscuros que abundam, infelizmente, nos acontecimentos humanos da Igreja. Se a Igreja, portanto, deve continuar a converter, a humanizar o mundo, como pode, na sua liturgia, renunciar à beleza, que está unida de modo inseparável ao amor e, ao mesmo tempo, ao esplendor da Ressurreição? Não, os cristãos não devem contentar-se facilmente, devem continuar a fazer da sua Igreja o lar do belo, portanto do verdadeiro, sem o que o mundo se torna o primeiro círculo do inferno. [...]

Um teólogo que não ame a arte, a poesia, a música, a natureza, pode ser perigoso. Essa cegueira e surdez para o belo não são secundárias, reflete-se necessariamente também na sua teologia [viii].

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)





Notas:
[i] Meditación para el tiempo de Navidad, em Humanitas, n. 12
[ii] Dios y el mundo; repr. em Avvenire, 27.09.2001
[iii] La crisis de la Iglesia: una fe débil
[iv] Dios y el mundo
[v] La crisis de la Iglesia: una fe débil
[vi] A fé em crise?, pág. 32
[vii] Entrevista à Frankfurter Allgemeine Zeitung, 22.09.2000
[viii] A fé em crise?, pág. 97