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05/08/2014

Se os cristãos soubessem servir!

Quando te falo do "bom exemplo", quero indicar-te também que hás-de compreender e desculpar, que hás-de encher o mundo de paz e de amor. (Forja, 560)

Se os cristãos soubessem servir! Vamos confiar ao Senhor a nossa decisão de aprender a realizar esta tarefa de serviço, porque só servindo é que poderemos conhecer e amar Cristo e dá-Lo a conhecer e conseguir que os outros O amem mais.

Como o mostraremos às almas? Com o exemplo: que sejamos testemunho seu, com a nossa voluntária servidão a Jesus Cristo em todas as nossas actividades, porque é o Senhor de todas as realidades da nossa vida, porque é a única e a última razão da nossa existência. Depois, quando já tivermos prestado esse testemunho do exemplo, seremos capazes de instruir com a palavra, com a doutrina. Assim procedeu Cristo: coepit facere et docere, primeiro ensinou com obras, e só depois com a sua pregação divina.


Servir os outros, por Cristo, exige que sejamos muito humanos. Se a nossa vida é desumana, Deus nada edificará nela, porque habitualmente não constrói sobre a desordem, sobre o egoísmo, sobre a prepotência. Precisamos de compreender todas as pessoas, temos de conviver com todos, temos de desculpar todos, temos de perdoar a todos. Não diremos que o injusto é o justo, que a ofensa a Deus não é ofensa a Deus, que o mau é bom. Todavia, perante o mal, não responderemos com outro mal, mas com a doutrina clara e com a boa acção; afogando o mal em abundância de bem. (Cristo que passa, 182).

Temas para meditar 196


Fidelidade 



Fidelidade é não limitar-se a seguir os impulsos próprios, mas viver valores que ultrapassam a temporalidade da pessoa e mantê-los livre e generosamente.



(javier abad gómez Fidelidade Quadrante 1991 pg. 10)

Bento VXI – Pensamentos espirituais 10



Comunhão e Igreja



A fé cristã não é uma coisa puramente espiritual e interior e a nossa própria relação com Cristo não é apenas subjectiva e privada. Pelo contrário, é uma relação muito concreta e eclesial.





(BENTO XVI, Discurso ao clero de Roma 2005.05.13) 

Diálogos apostólicos


Nota: Normalmente, estes “Diálogos apostólicos”, são publicados sob a forma de resumos e excertos de conversas semanais. Hoje, porém, dado o assunto, pareceu-me de interesse publicar quase na íntegra.





Voltamos à conversa sobre as férias:

‘Jantar fora? Hoje?
Claro que sim, mas…onde?
Há restaurantes caros, outros caríssimos e alguns que são acessíveis.
No fim e ao cabo trata-se de um jantar e não um banquete!
Não te esqueças de que muitas pessoas - muitíssimas pessoas – não podem ter férias por razões de dificuldades económicas.
Tu, talvez não as tenhas mas…nem por isso podes gastar como um tonto.
Há coisas dispensáveis – já falámos disso – outras que não interessam nada e, ainda, outras  que são inconvenientes.

Os teus familiares e amigos e, principalmente os filhos, têm de ver que não é por estares de férias que perdes o “Norte” nos gastos.
Sê contido e não te importes que te façam algum reparo.
Tu…és tu, tens o teu carácter e a tua maneira de proceder.

Sempre em férias ou não!

Tratado da lei 75

Questão 105: Da razão de ser dos preceitos judiciais.

Em seguida devemos tratar da razão de ser dos preceitos judiciais.

E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se a lei antiga constituiu convenientemente os chefes.
Art. 2 — Se os preceitos judiciais relativos ao convívio social foram convenientemente estabelecidos.
Art. 3 — Se os preceitos judiciais relativos aos estrangeiros foram convenientemente estabelecidos.
Art. 4 — Se a lei antiga estabeleceu convenientemente preceitos relativos à sociedade doméstica.

Art. 1 — Se a lei antiga constituiu convenientemente os chefes.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei antiga constituiu inconvenientemente os chefes.

1. — Pois, como diz o Filósofo, a ordenação do povo depende precipuamente do chefe máximo.

Ora, a lei não determina como esse chefe supremo devia ser constituído, só determina sobre os chefes inferiores. Assim, diz, primeiro (Ex 18, 21): Escolhe dentre os do povo uns tantos homens tementes a Deus, etc., e (Nm 11, 16): Ajunta-me setenta homens dos anciãos de Israel, e (Dt 1, 13): Dai dentre vós homens sábios e capazes, etc. Logo, a lei antiga constituiu insuficientemente os chefes do povo.

2. Demais. — É próprio do que é óptimo fazer coisas óptimas, como diz Platão. Ora, a óptima constituição de um estado ou de um povo qualquer é ser governado por um rei. Pois esse regime representa por excelência o governo divino, pelo qual o Deus único governa o mundo desde o princípio. Logo, a lei devia ter constituído um rei para o povo e não deixar a escolha ao seu arbítrio, como o permitiu, (Dt 17, 14-15): Quando disseres eu constituirei um rei para me governar, elegerás aquele, etc.

3. Demais. — Diz a Escritura (Mt 12, 25): todo reino dividido contra si mesmo será desolado, o que ficou experimentalmente patenteado no povo judeu, cuja causa da destruição foi a divisão do reino. Ora, a lei deve principalmente buscar o que respeita ao bem comum do povo. Logo, a lei antiga devia ter proibido a divisão do reino em dois governos. E isso nem devia ter sido feito por autoridade divina, como, segundo se lê na Escritura (1 Rs 11, 29), o foi por autoridade de Ahias Silonita.

4. Demais. — Assim como os sacerdotes são constituídos para a utilidade do povo, no concernente a Deus, conforme o diz a Escritura (Heb 5, 1), assim os príncipes são constituídos para essa mesma utilidade, na ordem das coisas humanas. Ora, aos sacerdotes e aos levitas da lei destinavam-se certos proventos de que deviam viver, como os dízimos, as primícias e muitas outras semelhantes. Logo e pela mesma razão, aos príncipes do povo devia ordenar-se o que lhes servisse de sustento, e tanto mais quando lhes era proibido aceitar donativos, como diz a Escritura (Ex 23, 8): Não aceitarás donativos, porque eles fazem cegar ainda aos prudentes e pervertem as palavras dos justos.

5. Demais. — Assim como o regime real é o melhor de todos, assim o regime do tirano é a pior corrupção do governo. Ora, o Senhor, ao constituir o rei, instituiu um direito tirânico, conforme a Escritura (1 Sm 8, 11): Este será o direito do rei que vos há de governar, ele tomará os vossos filhos etc. Logo, a lei dispôs inconvenientemente sobre a constituição dos príncipes.

Mas, em contrário, o povo de Israel gabava-se da formosura do seu governo (Nm 24, 5): Que formosos são os teus pavilhões, ó Jacó, e que belas as tuas tendas, ó Israel! Ora, a formosura do governo do povo depende de príncipes bem constituídos. Logo, pela lei o povo foi bem constituído em relação aos seus reis.

A respeito da boa constituição dos chefes de uma cidade ou nação, devemos considerar duas coisas. Uma, que todos tenham parte no governo, assim se conserva a paz do povo e todos amam e guardam um tal governo, como diz Aristóteles. A outra é relativa à espécie do regime ou à constituição dos governos. E tendo estes diversas espécies, como diz o Filósofo, as principais são as seguintes. A monarquia, onde o chefe único governa segundo o exige a virtude, a aristocracia, i. é, o governo dos melhores, na qual alguns poucos governam segundo também o exige a virtude. Ora, o governo melhor constituído, de qualquer cidade ou reino, é aquele onde há um só chefe, que governa segundo a exigência da virtude e é o superior de todos. E, dependentes dele, há outros que governam, também conforme a mesma exigência. Contudo esse governo pertence a todos, quer por os chefes poderem ser escolhidos dentre todos, quer também por serem eleitos por todos. Donde, essa forma de governo é a melhor, quando combinada: monarquia, por ser só um o chefe, aristocracia, por muitos governarem conforme o exige a virtude, democracia i. é, governo do povo, por, deste, poderem ser eleitos os chefes e ao mesmo pertencer à eleição deles.

E isto foi o que instituiu a lei divina. Pois Moisés e os seus sucessores governavam o povo, sendo, como singularmente, os chefes de todos, e isso é uma espécie de monarquia. Mas eram escolhidos setenta e dois anciões, conforme a virtude. Pois, diz a Escritura (Dt 1, 15) Eu tirei das vossas tribos homens sábios e nobres e os constitui príncipes, sinal de um regime aristocrático.

Mas era também democrático por serem esses escolhidos dentre todo o povo: Escolhe dentre os do povo uns tantos sábios, etc. E também era o povo quem os escolhia: Dai entre vós homens sábios, etc. Por onde é claro que a melhor constituição dos chefes foi a estabelecida pela lei.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O povo judeu era governado por Deus, com especial cuidado. Por isso diz a Escritura (Dt 7, 6): O Senhor teu Deus te escolheu para seres o seu povo próprio. Por isso, o Senhor reservou para si a escolha do chefe supremo. E foi isto que Moisés pediu (Nm 27, 16): O Senhor Deus dos espíritos de todos os homens escolha algum homem que vigie sobre essa multidão. Assim, por ordem de Deus, foi Josué constituído no principado, depois de Moisés. E a respeito de cada um dos juízes, sucessores de Josué, se lê que Deus suscitou ao povo um salvador, e que o espírito do Senhor esteve neles, como está claro na Escritura. Por isso o Senhor também não cometeu ao povo a eleição do rei, mas a reservou para si, como se lê na Escritura (Dt 17, 15): Constituirás rei aquele a quem o Senhor teu Deus tiver escolhido.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O governo real é o melhor regime para o povo, não se corromper. Mas, por causa do grande poder de que o rei é dotado, o seu governo facilmente degenera em tirania, se não for perfeita a virtude de quem foi investido nesse poder. Pois, como diz Aristóteles, só o virtuoso pode suportar a boa fortuna. Ora, são poucos os de virtude perfeita, e principalmente os judeus eram cruéis e inclinados à avareza, vícios que sobretudo fazem os homens cair na tirania. Por isso o Senhor, desde o princípio, não lhes deu nenhum rei com amplos poderes, mas juízes e governadores, que lhes servissem de guardas. Mas depois, o pedido do povo, concedeu-lhe, quase indignado, um rei, como é claro pelo que disse a Samuel (1 Sm 8, 7): Não é a ti que eles rejeitaram, mas a mim, para eu não reinar sobre eles. Contudo, desde o princípio, para a escolha do rei, instituiu, primeiro, o modo de elegê-lo. Para isso estabeleceu as duas condições seguintes. Que, ao elegê-lo, procurassem conhecer o juízo de Deus. E não constituíssem reis de outra nação, por terem esses pouca afeição à nação de que foram feitos chefes, e por consequência não cuidam dela. Em segundo lugar, ordenou como os reis já constituídos deviam ter o seu género de vida: não multiplicarem os seus carros e cavalos, nem as mulheres, nem acumular riquezas imensas. Pois é por tais cobiças, que resvalam na tirania e se divorciam da justiça. Também determinou o modo de se haverem para com Deus: lerem sempre e meditarem a sua lei, e tê-lo sempre em temor e obediência. Ordenou ainda como havia de proceder em relação aos súditos: não os desprezar soberbamente, nem oprimi-los nem se desviarem da justiça.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A divisão do reino e a multidão dos reis foram dadas, antes, como pena aos judeus, por causa das suas muitas dissensões, que suscitaram principalmente contra o reinado justo de David, do que para a perfeição deles. Donde o dizer a Escritura (Os 13, 11): Eu te darei um rei no seu furor: e ainda (Os 8, 4): Eles reinaram por si mesmos e não por mim, eles foram príncipes e eu não os conheci.

RESPOSTA À QUARTA. — Os sacerdotes eram destinados ao culto, conforme a sucessão na família. E isto para serem tidos em maior reverência, por não poder qualquer do povo vir a ser sacerdote. Por isso, a honra que lhes era devida redundava em reverência ao culto divino. Por onde, era necessário se lhes destinassem certos bens especiais de que vivessem, os quais eram tirados dos dízimos, das primícias, como também das oblações e dos sacrifícios. Os príncipes, porém, eram tirados dentre todo o povo, e por isso tinham certos bens próprios de que podiam viver. E tanto mais quanto o Senhor proibira que mesmo o rei superabundasse em riquezas ou em magnificência de aparato. Quer porque, assim, não lhes era fácil serem arrastados pela soberba e caírem na tirania, ou também porque, não sendo os príncipes muito ricos e sendo laborioso o principado e cheio de cuidados, este não era muito desejado pela gente do povo, e assim desapareciam os motivos de sedição.

RESPOSTA À QUINTA. — O direito referido não era devido ao rei por instituição divina, mas antes, prenunciava a usurpação dos reis, que para si constituíram um direito iníquo, degenerando em tiranos e depredadores do povo. Isso é claro pelo que a Escritura acrescenta: E vós sereis seus servos, o que constitui, propriamente, a tirania, pois, os tiranos governam os seus súditos como se estes fossem escravos. E o dito de Samuel tinha por fim aterrá-los para não pedirem um rei. Mas, continua ainda a Escritura, o povo não quis dar ouvidos às razões de Samuel. Pode porém acontecer que um bom rei, sem tirania, tome os filhos do povo, constituindo-se seus tribunos e centuriões, e se apodere de muitos bens dos seus súditos, a fim de procurar o bem comum.


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evang.; Coment.; Leit. Esp. (Cong para a Doutrina da Fé - Aborto provocado)

Tempo comum XVIII Semana

Evangelho: Mt 15, 1-2. 10-14

1 Então, aproximaram-se d'Ele uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo: 2 «Porque violam os Teus discípulos a tradição dos antigos? Pois não lavam as mãos quando comem pão».
10 Depois, chamando a Si as turbas, disse-lhes: «Ouvi e entendei. 11 Não é aquilo que entra pela boca que mancha o homem, mas aquilo que sai da boca, isso é que torna impuro o homem». 12 Então, aproximando-se d'Ele os Seus discípulos, disseram-Lhe: «Sabes que os fariseus, ouvindo estas palavras, se escandalizaram?». 13 Jesus respondeu: «Toda a planta que meu Pai celestial não plantou, será arrancada pela raiz. 14 Deixai-os; são cegos, e guias de cegos; e, se um cego guia outro cego, ambos caem na cova».

Comentário:

Ao ler e meditar esta passagem do Evangelho de São Mateus não posso deixar de pensar nas multidões de cegos que se deixam guiar por cegos.

Estes últimos, afinal, vêm muitíssimo bem os resultados da sua acção junto dos outros, pobres e verdadeiros cegos que sem luz nem critério se deixam conduzir como que possuídos de um fatalismo que os levará, inevitavelmente, ao desastre.

Os primeiros merecem o meu repúdio mais veemente porque não passam de expertos manipuladores em proveito próprio.

Os segundos têm a minha compunção e esperança que acabem por ver a luz verdadeira, a única que ilumina e guia o caminho para Deus e a felicidade eterna.

(ama, comentário sobre Mt 15, 1-2. 10-14, 2014.05.23)

Leitura espiritual



Documentos do Magistério

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
DECLARAÇÃO
sobre o aborto provocado

I. INTRODUÇÃO

1. O problema do aborto provocado e da sua possível liberalização legal tornou-se, um pouco em toda a parte, tema de discussões apaixonadas. Tais debates seriam menos graves se não se tratasse da vida humana, valor primordial que é preciso proteger e promover. Toda a gente compreende bem isso, embora alguns procurem razões para, mesmo contra toda a evidência, servir a esta causa também com o aborto. De facto, não deixa de causar estranheza vermos como, ao mesmo tempo, crescem indiscriminadamente os protestos contra a pena de morte e contra toda e qualquer forma de guerra, por um lado; e a reivindicação de liberalizar o aborto, quer inteiramente, quer sobre a base de indicações cada vez mais alargadas, por outro. Ora, a Igreja tem consciência bastante de que faz parte da sua vocação defender o homem contra tudo aquilo que poderia porventura corrompê-lo ou rebaixá-lo, para ficar calada pelo que concerne a tal assunto: por isso mesmo que o Filho de Deus se fez homem, não existe homem algum que não seja seu irmão quando à humanidade, e que não seja chamado a tornar-se cristão, a receber d'Ele a salvação.

2. Em numerosos países, os poderes públicos que resistem a uma liberalização das leis respeitantes ao aborto são objecto de fortes pressões que intentam levá-los a isso mesmo. Essa liberalização, diz-se, não violaria a consciência de ninguém, pois deixar-se-ia cada um livre para seguir a própria opinião, impedindo simultaneamente quem quer que fosse de impor a outrem o seu pensar. O pluralismo ético é reivindicado como a consequência normal do pluralismo ideológico. E no entanto, existe uma grande diferença entre um e outro, porque a acção atinge mais depressa os interesses de outrem do que a simples opinião; além disso nunca se pode invocar a liberdade de opinião para lesar os direitos dos outros, especialmente o seu direito à vida.

3. São numerosos os leigos cristãos, em especial médicos, bem como as associações de pais e de mães de família, os homens políticos ou personalidades que ocupam lugares de responsabilidade, que têm reagido energicamente contra esta campanha de opinião. Mas sobretudo um bom número de Conferências Episcopais, e de Bispos isoladamente por própria iniciativa, julgaram oportuno recordar aos fiéis, sem margem para ambiguidades, a doutrina tradicional da Igreja [1] . Esses documentos, cuja convergência é algo que impressiona, põem admiravelmente em realce a atitude, a um tempo humana e cristã, de respeito pela vida. Aconteceu, no entanto, que alguns deles têm deparado, aqui e além, com reservas ou até mesmo com a contestação.

4. Encarregada de promover e de defender a fé e a moral na Igreja Universal, [2] a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé propõe-se vir recordar a todos os fiéis estes ensinamentos, nas suas linhas essenciais. Ilustrando, assim, a unidade da Igreja, confirmará, com a autoridade própria da Santa Sé, aquilo que os Bispos em boa hora empreenderam. E, ao fazê-lo, conta que todos os fiéis, incluindo mesmo aqueles que possam ter-se sentido abalados pelas controvérsias e pelas opiniões novas, compreendam que não se trata de opor uma opinião a outras, mas sim de transmitir-lhes uma doutrina constante do Magistério supremo, que expõe a norma dos costumes, sob a luz da fé [3]. É óbvio, portanto, que a presente Declaração implica uma grave obrigação para as consciências dos fiéis [4]. E praza a Deus, por ela, iluminar também todos os homens que procuram, com inteireza de coração, «praticar a verdade» (Jo. 3, 21).

II. À LUZ DA FÉ

5. «Deus não fez a morte, nem se alegra que pereçam os vivos» (Sab. 1, 13). É certo que Deus criou seres que não têm senão uma duração limitada e que a morte física não pode estar ausente do mundo dos viventes corporais. Mas, aquilo que é querido, antes de mais nada, é a vida; e, no universo visível, tudo foi feito em vista do homem, imagem de Deus e coroamento do mundo (cfr. Gén. 1, 26-28). No plano humano, foi «por inveja do demónio que a morte entrou no mundo» (Sab. 2, 24); introduzida pelo pecado, ela permanece a ele ligada; ela é dele o sinal e o fruto. No entanto, ela não poderá triunfar. Confirmando a fé na ressurreição, o Senhor proclamará no Evangelho que «Deus... não é o Deus dos mortos, mas dos vivos» (Mt. 22, 32-33); e a morte, bem como o pecado, será vencida, definitivamente, pela ressurreição em Cristo (cfr. 1 Cor. 15, 20-27). Compreende-se assim que a vida humana, mesmo sobre a terra, seja algo precioso. Insuflada pelo Criador, [5] é por Ele que ela será reassumida (cfr. Gén. 2, 7; Sab. 15, 11). Ela permanece sob a sua protecção; o sangue do homem clama por Ele (cfr. Gén. 4, 10) e Ele pedirá contas desse sangue, «porque o homem foi criado à semelhança de Deus» (Gén. 9, 5-6). 0 Mandamento de Deus é formal: «Não matarás» (Ex. 20, 13). Ao mesmo tempo que é um dom, a vida é também uma responsabilidade: recebida como um «talento» (cfr. Mt. 25, 14-30), ela deve ser posta a render. Para a fazer frutificar, muitas são as tarefas que ao homem se apresentam neste mundo, às quais ele não deve furtar-se; mas, de uma maneira mais profunda ainda, para o cristão, pois ele sabe bem que a vida eterna para ele depende daquilo que, com a graça de Deus, fizer durante a sua vida sobre a terra.

6. A tradição da Igreja sempre considerou a vida humana como algo que deve ser protegido e favorecido, desde o seu início, do mesmo modo que durante as diversas fases do seu desenvolvimento. Opondo-se aos costumes greco-romanos, a Igreja dos primeiros séculos insistiu na distância que, quanto a este ponto, separa deles os costumes cristãos. No livro chamado Didaché diz-se claramente: «Tu não matarás, mediante o aborto, o fruto do seio; e não farás perecer a criança já nascida» [6]. Atenágoras frisa bem que os cristãos têm na conta de homicidas as mulheres que utilizam medicamentos para abortar; ele condena igualmente os assassinos de crianças, incluindo no número destas as que vivem ainda no seio materno, «onde elas já são objecto da solicitude da Providência divina» [7]. Tertuliano não usou, talvez, sempre a mesma linguagem; contudo, não deixa também de afirmar, com clareza, o princípio essencial: «É um homicídio antecipado impedir alguém de nascer; pouco importa que se arranque a alma já nascida, ou que se faça desaparecer aquela que está ainda para nascer. É já um homem aquele que o virá a ser» [8].

7. E no decorrer da história, os Padres da Igreja, bem como os seus Pastores e os seus Doutores, ensinaram a mesma doutrina, sem que as diferentes opiniões acerca do momento da infusão da alma espiritual tenham introduzido uma dúvida sobre a ilegitimidade do aborto. É certo que, na altura da Idade Média em que era opinião geral não estar a alma espiritual presente no corpo senão passadas as primeiras semanas, se fazia uma distinção quanto à espécie do pecado e à gravidade das sanções penais. Houve excelentes autores que admitiram, para esse primeiro período, soluções casuísticas mais suaves do que aquelas que eles davam para o concernente aos períodos seguintes da gravidez. Mas, jamais se negou, mesmo então, que o aborto provocado, mesmo nos primeiros dias da concepção fosse objectivamente falta grave. Uma tal condenação foi de facto unânime. De entre os muitos documentos, bastará recordar apenas alguns. Assim: o primeiro Concílio de Mogúncia, em 847, confirma as penas estabelecidas por Concílios precedentes contra o aborto; e determina que seja imposta a penitência mais rigorosa às mulheres «que matarem as suas crianças ou que provocarem a eliminação do fruto concebido no próprio seio» [9]. O Decreto de Graciano refere estas palavras do Papa Estêvão V: «É homicida aquele que fizer perecer, mediante o aborto, o que tinha sido concebido» [10]. São Tomás, Doutor comum da Igreja, ensina que o aborto é um pecado grave contrário à lei natural [11]. Nos tempos da Renascença, o Papa Sisto V condena o aborto com a maior severidade [12]. Um século mais tarde, Inocêncio XI reprova as proposições de alguns canonistas «laxistas», que pretendiam desculpar o aborto provocado antes do momento em que certos autores fixavam dar-se a animação espiritual do novo ser [13]. Nos nossos dias, os últimos Pontífices Romanos proclamaram, com a maior clareza, a mesma doutrina. Assim: Pio XI respondeu explicitamente às mais graves objecções; [14] Pio XII excluiu claramente todo e qualquer aborto directo, ou seja, aquele que é intentado como um fim ou como um meio para o fim; [15] João XXIII recordou o ensinamento dos Padres sobre o carácter sagrado da vida, «a qual, desde o seu início, exige a acção de Deus criador» [16]. E bem recentemente, ainda, o II Concílio do Vaticano, presidido pelo Santo Padre Paulo VI, condenou muito severamente o aborto: «A vida deve ser defendida com extremos cuidados, desde a concepção: o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis» [17]. O mesmo Santo Padre Paulo VI, ao falar, por diversas vezes, deste assunto, não teve receio de declarar que a doutrina da Igreja «não mudou; e mais, que ela é imutável» [18].

III. E TAMBÉM À LUZ DA RAZÃO

8. O respeito pela vida humana não se impõe apenas aos cristãos; a razão basta de per si para o exigir, baseando-se na análise daquilo que é e deve ser uma pessoa. Constituído por uma natureza racional, o homem é um sujeito pessoal, capaz de reflectir sobre si próprio e de decidir dos seus actos e, portanto, do seu próprio destino; é livre. É, por consequência, senhor de si; ou melhor dito — porque ele se perfaz a si mesmo no tempo — ele dispõe dos meios para se tornar tal e nisso está o seu dever. Imediatamente criada por Deus, a sua alma é espiritual e, por isso, imortal. Mais: ele está aberto para Deus e não encontrará senão n'Ele a sua plena realização. No entanto, ele vive na comunidade dos seus semelhantes e nutre-se da comunicação interpessoal com eles, no indispensável meio social. Em face da sociedade e dos outros homens, cada pessoa humana se possui a si mesma, possui a sua vida e os seus diversos bens, à maneira de direito; e isso exige-o da parte de todos os outros em relação a si uma estrita justiça.

9. Contudo, a vida temporal que se leva neste mundo não se identifica com a pessoa; esta tem como seu próprio um nível de vida mais profundo, que não poderá acabar. Sim, a vida temporal é um bem fundamental, aqui na terra condição de todos os demais bens; mas existem valores mais altos, pelos quais poderá ser lícito e mesmo até necessário expor-se ao perigo de a perder. Numa sociedade de pessoas, o bem comum é para cada uma delas uma finalidade que deve servir, à qual há-de saber subordinar o seu interesse particular. Mas esse bem comum não constitui o seu fim último; e, neste sentido, é a sociedade que está ao serviço da pessoa, porque esta não consumará o seu destino senão em Deus. Ela não pode ser subordinada definitivamente senão a Deus. Nunca se pode tratar um homem como simples meio de que porventura se dispusesse para alcançar um fim mais elevado.

10. Sobre os direitos e os deveres recíprocos da pessoa e da sociedade, compete à moral esclarecer as consciências e ao direito determinar e organizar os encargos. Ora existe um conjunto de direitos que a sociedade não tem que conceder, porque eles lhe são anteriores; mas que ela tem por dever preservar a fazer valer: tais são a maior parte daqueles que hoje em dia se denominam os «direitos do homem» e que a nossa época se gloria de ter formulado.

11. O primeiro direito de uma pessoa humana é a sua vida. Ela tem outros bens e alguns deles são mais preciosos; mas este — da vida — é fundamental, condição de todos os demais. Por isso, ele deve, mais do que qualquer outro, ser protegido. Não compete à sociedade, nem compete à autoridade pública, seja qual for a sua forma, reconhecer este direito a alguns somente e não a outros: toda a discriminação aqui é iníqua, quer se fundamente na raça, quer no sexo, quer na cor, quer, enfim, na religião. Não é o reconhecimento por outrem que constitui este direito: ele precede tal reconhecimento; mais: ele exige ser reconhecido e é estritamente injusto recusar reconhecê-lo.

12. Uma discriminação fundada sobre os diversos períodos da vida não será pois mais justificável do que outra qualquer. O direito à vida permanece na sua inteireza num velhinho, mesmo que este se ache muito debilitado; permanece num doente incurável, este não o perdeu. Não é menos legítimo numa criança que acaba de nascer do que num homem feito. Na realidade, o respeito pela vida humana impõe-se desde o momento em que começou o processo da geração. Desde quando o óvulo foi fecundado, encontra-se inaugurada uma vida, que não é nem a do pai, nem a da mãe, mas a de um novo ser humano, que se desenvolve por si mesmo. Ele não virá jamais a tornar-se humano, se o não for desde logo.

13. A esta evidência de sempre (absolutamente independente das discussões acerca do momento da animação), [19] a ciência genética moderna traz preciosas confirmações. Ela demonstrou, com efeito, que desde o primeiro instante se encontra traçado o programa daquilo que virá a ser este novo vivente: um homem, este homem indivíduo com as suas notas características já bem determinadas. A partir da fecundação, começou a aventura de uma vida humana, na qual cada uma das suas capacidades requer tempo, mesmo um tempo bastante longo, para eclodir e para se achar em condições de agir. O mínimo que se pode dizer é que a ciência actual, no seu estado mais evoluído, não dá apoio algum substancial aos defensores do aborto. De resto, não pertence às ciências biológicas dar um juízo decisivo sobre questões propriamente filosóficas e morais, como são a do momento em que se constitui a pessoa humana e a da legitimidade do aborto. Ora, sob o ponto de vista moral, isto é certo mesmo que porventura subsistisse uma dúvida concernente ao facto de o fruto da concepção ser já uma pessoa humana: é objectivamente um pecado grave ousar correr o risco de um homicídio. «É já um homem aquele que o virá a ser» [20].

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)
____________________________
Notas:

[1] Encontrar-se-á um bom número de documentos episcopais en CAPRILE G., Non uccidere. «Il Magistero della Chiesa sull'aborto », Parte II, pp. 47-300, Roma 1973.
[2] Const. Apost. Regimini Ecclesiae universae, II1, 1, 29; cfr. ibid., 31: « São da sua competência todas as questões que dizem respeito à doutrina da fé e dos costumes, ou que com a fé estejam relacionadas »: A.A.S. 59 (1967), p. 897.
[3] Const. Lumen gentium, n. 12: A.A.S. 57 (1965), pp. 16-17. A presente Declaração não trata de todos os problemas que podem levantar-se sobre o assunto de aborto: cabe aos teólogos examiná-los e discuti-los. Ela recorda simplesmente alguns princípios fundamentais, que devem de ser para estes mesmos teólogos uma luz e uma norma, e para todos os cristãos a confirmação de certezas fundamentais da doutrina católica.
[4] Const. Lumen gentium, n. 25: A.A.S. 57 (1965), pp. 29-31.
[5] Os autores sagrados não fazem considerações filosóficas acerca da animação, mas falam do período da vida que precede o nascimento como sendo já objecto da atenção de Deus: Ele, efectivamente, cria e forma o ser humano, como algo plasmado por suas mãos (cfr. Sl. 118, 73). Ao que parece, este tema teve a sua primeira expressão em Jer. 1, 5; mas ele é depois retomado em muitos outros textos. Assim: cfr. Is. 49, 15; 46, 3; Jo. 10, 8-12; Si. 22, 10; Sl. 71, 6; Sl. 139, 13. No Evangelho, lemos em São Lucas: « Logo que me chegou aos ouvidos o som da tua saudação, exultou de alegria o menino no meu seio (1, 44).
[6] Didachè apostolorum, V, 2; ed. FUNK, Patres Apostolici, 1, 17; A Epístola de Barnabé, XIX, 5, utiliza as mesmas expressões (ed. FUNK, I. c., I, 91-93).
[7] ATENÁGORAS, Apologia em favor dos cristãos, 35. Em. P.G. 6, 970; e em S.Ch. (= Sources Chrétiennes), 3, pp. 166-167. Tenha-se também presente a Epístola a Diogneto, V, 6 (FUNK, o. c., I, 399; S.Ch. 33, 63), na qual se diz dos cristãos: «Eles procriam filhos, mas não eliminam nunca os fetos».
[8] TERTULLIANO, Apologeticum, IX, 8: P.L. I, 371-372; em Corp. Christ. I, p. 103, 1. 31-36.
[9] Cânon 21 (MANSI, 14, p. 909). Cfr. o Concílio de Elvira, cânon 63 (MANSI, 2, p. 16) e o Concílio de Ancira, cânon 21 (ibid., p. 519). Poder-se-á ver também o decreto de Gregório III, respeitante à penitência a impor àqueles que porventura se tornaram culpados deste crime (MANSI, 12, 292, c. 17).
[10] GRACIANO, Concordantia discordantium canonum, C, 2, q. 5, c. 20. Durante a Idade Média recorria-se frequentemente à autoridade de Santo Agostinho, o qual escreveu a este propósito, na sua obra De nuptiis et concupiscentiis, c. 15: « Por vezes esta crueldade libidinosa, ou esta libidinagem cruel vão até ao ponto de arranjarem venenos que tornam as pessoas estéreis. E se o resultado desejado não é alcançado desse modo, a mãe extingue a vida e expele o feto que estava nas suas entranhas; de tal maneira que o filho morre antes de ter vivido; de sorte que, se o filho já vivia no seio materno, ele é matado antes de nascer (P.L. 44, 423-424: CSEL 42, 230. Cfr. o Decreto de Graciano, o. c., C. 32, q. 2, c. 7).
[11] Comentário sobre as Sentenças, livro IV, dist. 31, na exposição do texto.
[12] Constitutio Effraenatum, de 1588 (Bullarium Romanum, V, 1, pp. 25-27; Fontes Iuris Canonici, I, n. 165, pp. 308-311).
[13] DENZ-SCHÖN., 1184. Cfr. também a Constituição Apostolicae Sedis de Pio IX (Acta Pii IX, V, pp. 55-72; em A.S.S. 5 [1869], pp. 287-312; e em Fontes Iuris Canonici, III, n. 552, pp. 24-31).
[14] Encíclica Casti connubii: A.A.S. 22 (1930), pp. 562-565; DENZ-SCHÖN., 3719-21 (2242-2244).
[15] As declarações de Pio XII são explícitas, precisas e numerosas; essas declarações exigiriam, por si sós, um estudo aturado. Citamos apenas — porque aí se formula o princípio em toda a sua universalidade — o Discurso dirigido à União Italiana Médico-Biológica « São Lucas », em 12 de Novembro de 1944: «Até ao momento em que um homem não se tornar culpado, a sua vida é intocável; e por isso é ilícito todo e qualquer acto que tenda directamente para destruí-la, quer essa destruição seja intentada como fim, ou somente como meio para o fim, quer se trate de uma vida no seu estado embrionário ou já no seu desenvolvimento pleno ou, ainda, prestes a chegar ao seu termo» (Discorsi e radiomessaggi, VI, p. 191).
[16] Encíclica Mater et Magistra: A.A.S. 53 (1961), p. 447.
[17] Const. Gaudium et spes, n. 51; cfr. também n. 27 (A.A.S. 58 [1966], p. 1072; e cfr. 1047).
[18] Alocução Salutiamo con paterna effusione, de 9 de Dezembro de 1972: A.A.S. 64 (1972), p. 777. Dentre os testemunhos desta doutrina imutável, recorde-se a declaração do Santo Ofício, que condena o aborto directo (A.S.S. 17 [1884], p. 556; 22 [1888-1890], p. 748; DENZ-SCHÖN. 3258, [1890]).
[19] Esta Declaração deixa expressamente de parte o problema do momento de infusão da alma espiritual. Sobre este ponto não há tradição unânime e os autores acham-se ainda divididos. Para alguns, ela dá-se a partir do primeiro momento da concepção; para outros, ela não poderia preceder ao menos a nidificação. Não compete à ciência dirimir a favor de uns ou de outros, porque a existência de uma alma imortal não entra no seu domínio. Trata-se de uma discussão filosófica, da qual a nossa posição moral permanece independente, por dois motivos: 1° no caso de se supor uma animação tardia, estamos já perante uma vida humana, em qualquer hipótese, (biológicamente verificável); vida humana que prepara e requer esta alma, com a qual se completa a natureza recebida dos pais; 2° por outro lado, basta que esta presença da alma seja provável (e o contrário nunca se conseguirá demonstrá-lo) para que o tirar-lhe a vida equivalha a aceitar o risco de matar um homem, não apenas em expectativa, mas já provido da sua alma.
[20] TERTULIANO, citado mais acima na nota 8.