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04/08/2014

Levai a carga uns dos outros

Diz o Senhor: "Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Nisto se conhecerá que sois meus discípulos". – E São Paulo: "Levai a carga uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo". – Eu não te digo nada. (Caminho, 385)

Olhando à nossa volta, talvez descobríssemos razões para pensar que a caridade é realmente uma virtude ilusória. Mas considerando as coisas com sentido sobrenatural, descobrirás também a raiz dessa esterilidade, que se cifra numa ausência de convívio intenso e contínuo, de tu a tu, com Nosso Senhor Jesus Cristo, e no desconhecimento da acção do Espírito Santo na alma, cujo primeiro fruto é precisamente a caridade.

Recolhendo um conselho do Apóstolo – levai uns as cargas dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo – acrescenta um Padre da Igreja: amando a Cristo, suportaremos facilmente a fraqueza dos outros, mesmo a daquele a quem ainda não amamos, porque não tem boas obras.

Por aí se eleva o caminho que nos faz crescer na caridade. Enganar-nos-íamos se imaginássemos que primeiro temos de nos exercitar em actividades humanitárias, em trabalhos de assistência, excluindo o amor do Senhor. Não descuidemos Cristo por causa do próximo que está enfermo, uma vez que devemos amar o enfermo por causa de Cristo.


Olhai constantemente para Jesus, que, sem deixar de ser Deus, se humilhou tomando a forma de servo para nos poder servir, porque só nessa mesma direcção se abrem os afãs por que vale a pena lutar. O amor procura a união, a identificação com a pessoa amada; e, ao unirmo-nos com Cristo, atrair-nos-á a ânsia de secundar a sua vida de entrega, de amor sem medida, de sacrifício até à morte. Cristo coloca-nos perante o dilema definitivo: ou consumirmos a existência de uma forma egoísta e solitária ou dedicarmo-nos com todas as forças a uma tarefa de serviço. (Amigos de Deus, 236)

Temas para meditar 195



Fim último 




Fizeste-nos, Senhor, para Ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansa em Ti.




(Stº agostinho Confissões II 1)

Tratado da lei 74

Questão 104: Dos preceitos judiciais.

Art. 4 — Se os preceitos judiciais podem ter divisão certa.

O quarto discute-se assim. — Parece que os preceitos judiciais não podem ter nenhuma divisão certa.

1. — Pois, os preceitos judiciais ordenavam os homens uns para os outros. Ora, sendo infinitas as coisas de que os homens necessitam e precisavam de ordenar, entre si, elas não podem depender de nenhuma distinção certa. Logo, os preceitos judiciais não podem ter divisão certa.

2. Demais. — Os preceitos judiciais são determinações dos morais. Ora, estes não têm nenhuma divisão senão enquanto se reduzem aos do decálogo. Logo, os preceitos judiciais não são susceptíveis de nenhuma distinção certa.

3. Demais. — Dos preceitos cerimoniais, por serem susceptíveis de divisão certa, a lei indica uma certa divisão, chamando a uns sacrifícios, e a outros, observâncias. Mas a lei não indica nenhuma distinção entre os preceitos judiciais. Logo, parece, não são susceptíveis de divisão certa.

Mas, em contrário. — Onde há ordem há-de necessariamente haver distinção. Ora, a noção de ordem é própria, sobretudo, dos preceitos judiciais, pelos quais se ordenava o povo judeu. Logo, devem ter, por excelência, uma divisão certa.

A lei é uma como arte para instituir e ordenar a vida humana. Ora, cada arte tem uma certa divisão nas suas regras. Portanto, toda a lei deve conter uma certa divisão nos seus preceitos, de contrário, a confusão viria aniquilar-lhe a utilidade. Donde deve­mos concluir, que os preceitos judiciais da lei antiga, que ordenavam os homens uns para os outros, comportam uma distinção fundada na da ordenação humana. Ora, em qualquer povo, podemos descobrir quádrupla ordem. Uma, a dos chefes em relação aos súbditos, outra, a dos súbditos entre si, a terceira, a dos indivíduos desse povo para com os estranhos, a quarta, a dos membros da sociedade doméstica, como a do pai para o filho, da esposa para o esposo, do senhor para o escravo. Em conformidade com estas quatro ordens, podem dividir-se os preceitos judiciais da lei antiga. — Assim, ela estabeleceu alguns preceitos sobre a constituição e o dever dos chefes, e sobre o respeito a eles devido. E esta é uma parte dos preceitos judiciais. — Outras, sobre as relações aos cidadãos entre si, como sobre a compra e venda, os julgamentos e as penas. E esta é a segunda parte dos preceitos judiciais. — Outros, relativos aos estrangeiros, p. ex., sobre as guerras contra os inimigos e o modo de receber os estranhos e os ádvenas. E esta é a terceira parte dos preceitos judiciais. — Enfim, a lei estabeleceu certos preceitos sobre a sociedade doméstica, como os relativos aos escravos, às mulheres e aos filhos. E esta é a quarta parte dos preceitos judiciais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os preceitos relativos à ordenação dos homens entre si são, sem dúvida, em número infinito. Contudo, podem reduzir-se a um certo número deles, conforme à diferença das ordenações humanas, como já se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os preceitos do decálogo são os primeiros no género dos preceitos morais, como já dissemos (q. 100, a. 3). Donde, os outros preceitos morais dividem-se relativamente a eles. Os preceitos judiciais porém e os cerimoniais têm a sua força obrigatória fundada, não na razão natural, mas na só instituição. Portanto, a divisão deles tem outra razão de ser.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A lei indica a divisão dos preceitos judiciais pela própria matéria que regulam.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evang.; Coment.; Leit. Esp. (Cong para a Doutrina da Fé - Católicos na vida política)

Tempo comum XVIII Semana

Evangelho: Mt 14, 22-36

22 Imediatamente Jesus obrigou os Seus discípulos a subir para a barca e a passarem antes d'Ele à outra margem do lago, enquanto despedia a multidão. 23 Despedida esta, subiu a um monte para orar a sós. Quando chegou a noite, achava-Se ali só. 24 Entretanto a barca no meio do mar era batida pelas ondas, porque o vento era contrário. 25 Ora, na quarta vigília da noite, Jesus foi ter com eles, andando sobre o mar. 26 Os discípulos, quando O viram andar sobre o mar, assustaram-se e disseram: «É um fantasma». E, com medo, começaram a gritar. 27 Mas Jesus falou-lhes imediatamente dizendo: «Tende confiança: sou Eu, não temais». 28 Pedro, tomando a palavra, disse: «Senhor, se és Tu, manda-me ir até onde estás por sobre as águas». 29 Ele disse: «Vem!». Descendo Pedro da barca, caminhava sobre as águas para ir ter com Jesus. 30 Vendo, porém, que o vento era forte, teve medo e, começando a afundar-se, gritou, dizendo: «Senhor salva-me!». 31 Imediatamente Jesus, estendendo a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?». 32 Depois que subiram para a barca, o vento cessou. 33 Os que estavam na barca prostraram-se diante d'Ele, dizendo: «Verdadeiramente Tu és o Filho de Deus». 34 Tendo atravessado o lago, foram para a terra de Genesaré. 35 Tendo-O reconhecido o povo daquele lugar, mandaram prevenir toda aquela região, e apresentaram-Lhe todos os doentes. 36 Estes rogavam-Lhe que os deixasse tocar, ao menos, a orla do Seu vestido. E todos os que a tocaram ficaram curados.

Comentário:

Os que estavam na barca fazem um profundo acto de Fé! Movidos pelo excepcional e inacreditável comportamento de Cristo, não podem mais que reconhecer a Sua Divindade!

Porque viram e assistiram, assim corresponderam! E nós que não assistimos nem vemos? Acreditamos?

De facto a Fé que temos é em si mesma um milagre autêntico e palpável e, por isso mesmo, o Senhor nos chamou bem-aventurados porque mesmo sem termos visto acreditamos.

(ama, comentário sobre Mt 14, 22-36, 2014.05.22)

Leitura espiritual



Documentos do Magistério

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política

…/2

III. Princípios da doutrina católica sobre laicidade e pluralismo

5. Se, perante tais problemáticas, é lícito pensar em utilizar uma pluralidade de metodologias que reflectem sensibilidades e culturas diferentes, já não é consentido a nenhum fiel apelar para o princípio do pluralismo e da autonomia dos leigos em política, para favorecer soluções que comprometam ou atenuem a salvaguarda das exigências éticas fundamentais ao bem comum da sociedade. Por si, não se trata de “valores confessionais”, uma vez que tais exigências éticas radicam-se no ser humano e pertencem à lei moral natural. Não exigem, da parte de quem as defende, a profissão de fé cristã, embora a doutrina da Igreja as confirme e tutele, sempre e em toda a parte, como um serviço desinteressado à verdade sobre o homem e ao bem comum das sociedades civis. Não se pode, por outro lado, negar que a política deve também regular-se por princípios que têm um valor absoluto próprio, precisamente por estarem ao serviço da dignidade da pessoa e do verdadeiro progresso humano.

6. O apelo que muitas vezes se faz à “laicidade” que deveria guiar à acção dos católicos, exige uma clarificação, não apenas de terminologia. A promoção segundo consciência do bem comum da sociedade política nada tem a ver com o “confessionalismo” ou a intolerância religiosa. Para a doutrina moral católica, a laicidade entendida como autonomia da esfera civil e política da religiosa e eclesiástica – mas não da moral – é um valor adquirido e reconhecido pela Igreja, e faz parte do património de civilização já conseguido 23. João Paulo II repetidas vezes alertou para os perigos que derivam de qualquer confusão entre esfera religiosa e esfera política. “São extremamente delicadas as situações, em que uma norma especificamente religiosa se torna, ou tende a tornar-se, lei do Estado, sem que se tenha na devida conta a distinção entre as competências da religião e as da sociedade política. Identificar a lei religiosa com a civil pode efectivamente sufocar a liberdade religiosa e até limitar ou negar outros direitos humanos inalienáveis” 24. Todos os fiéis têm plena consciência de que os actos especificamente religiosos (profissão da fé, prática dos actos de culto e dos sacramentos, doutrinas teológicas, comunicação recíproca entre as autoridades religiosas e os fiéis, etc.) permanecem fora das competências do Estado, que nem deve intrometer-se neles nem, de forma alguma, exigi-los ou impedi-los, a menos de fundadas exigências de ordem pública. O reconhecimento dos direitos civis e políticos e a realização de serviços públicos não podem estar condicionados a convicções ou prestações de natureza religiosa da parte dos cidadãos.

Completamente diferente é a questão do direito-dever dos cidadãos católicos, aliás como de todos os demais cidadãos, de procurar sinceramente a verdade e promover e defender com meios lícitos as verdades morais relativas à vida social, à justiça, à liberdade, ao respeito da vida e dos outros direitos da pessoa. O facto de algumas destas verdades serem também ensinadas pela Igreja não diminui a legitimidade civil e a “laicidade” do empenho dos que com elas se identificam, independentemente do papel que a busca racional e a confirmação ditada pela fé tenham tido no seu reconhecimento por parte de cada cidadão. A “laicidade”, de facto, significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só. Seria um erro confundir a justa autonomia, que os católicos devem assumir em política, com a reivindicação de um princípio que prescinde do ensinamento moral e social da Igreja.

Intervindo nesta matéria, o Magistério da Igreja não pretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião dos católicos em questões contingentes. Entende, invés – como é sua função própria – instruir e iluminar a consciência dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam a uma participação na vida política, para que o seu operar esteja sempre ao serviço da promoção integral da pessoa e do bem comum. O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, que põe um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência, que é única e unitária. “Não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos: de um lado, a chamada vida ‘espiritual’, com os seus valores e exigências, e, do outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida de família, de trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura. O ramo, enxertado na videira, que é Cristo, leva a sua linfa a todo o sector da actividade e da existência. Pois todos os variados campos da vida laical fazem parte do plano de Deus, que quer que eles sejam como que o ‘lugar histórico’ onde se revela e se realiza o amor de Jesus Cristo para glória do Pai e serviço aos irmãos. Qualquer actividade, qualquer situação, qualquer empenho concreto – quais, por exemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o amor e a dedicação à família e à educação dos filhos, o serviço social e político, a proposta da verdade no ­âmbito da cultura – são ocasiões providenciais para um ‘constante exercício da fé, da esperança e da caridade’” 25. Viver e agir politicamente em conformidade com a própria consciência não significa acomodar-se passivamente em posições estranhas ao empenho político ou numa espécie de confessionalismo; é, invés, a expressão com que os cristãos dão o seu coerente contributo para que, através da política, se instaure um ordenamento social mais justo e coerente com a dignidade da pessoa humana.

Nas sociedades democráticas todas as propostas são discutidas e avaliadas livremente. Aquele que, em nome do respeito da consciência individual, visse no dever moral dos cristãos de ser coerentes com a própria consciência um sinal para desqualificá-los politicamente, negando a sua legitimidade de agir em política de acordo com as próprias convicções relativas ao bem comum, cairia numa espécie de intolerante laicismo. Com tal perspectiva pretende-se negar, não só qualquer relevância política e cultural da fé cristã, mas até a própria possibilidade de uma ética natural. Se assim fosse, abrir-se-ia caminho a uma anarquia moral, que nada e nunca teria a ver com qualquer forma de legítimo pluralismo. A prepotência do mais forte sobre o fraco seria a consequência lógica de uma tal impostação. Aliás, a marginalização do Cristianismo não poderia ajudar ao projecto de uma sociedade futura e à concórdia entre os povos; seria, pelo contrário, uma ameaça para os próprios fundamentos espirituais e culturais da civilização 26

IV. Considerações sobre aspectos particulares

7. Aconteceu, em circunstâncias recentes, que também dentro de algumas associações ou organizações de inspiração católica, surgiram orientações em defesa de forças e movimentos políticos que, em questões éticas fundamentais, exprimiram posições contrárias ao ensinamento moral e social da Igreja. Tais escolhas e alinhamentos, estando em contradição com princípios basilares da consciência cristã, não são compatíveis com a pertença a associações ou organizações que se definem católicas. Verificou-se igualmente, que certas revistas e jornais católicos em determinados países, por ocasião de opções políticas, orientaram os eleitores de modo ambíguo e incoerente, criando equívocos sobre o sentido da autonomia dos católicos em política, e não tendo em conta os princípios acima referidos.

A fé em Jesus Cristo, que Se definiu a Si mesmo “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), exige dos cristãos o esforço de se empenharem mais decididamente na construção de uma cultura que, inspirada no Evangelho, reproponha o património de valores e conteúdos da Tradição católica. A necessidade de apresentar em termos culturais modernos o fruto da herança espiritual, intelectual e moral do catolicismo torna-se extremamente urgente e inadiável, até para se evitar o risco de uma diáspora cultural dos católicos. Por outro lado, a espessura cultural alcançada e a madura experiência de empenho político que os católicos, em diversos países, souberam exprimir, sobretudo nas décadas a seguir à segunda guerra mundial, não permite pô-los em nenhum complexo de inferioridade relativamente a outras propostas que a história recente mostrou serem fracas ou radicalmente falimentares. É insuficiente e redutivo pensar que o empenho social dos católicos possa limitar-se a uma simples transformação das estruturas, porque, não existindo na sua base uma cultura capaz de acolher, justificar e projectar as instâncias que derivam da fé e da moral, as transformações apoiar-se-iam sempre em alicerces frágeis.

A fé nunca pretendeu manietar num esquema rígido os conteúdos socio-políticos, bem sabendo que a dimensão histórica, em que o homem vive, impõe que se admita a existência de situações não perfeitas e, em muitos casos, em rápida mudança. Neste âmbito, há que recusar as posições políticas e os comportamentos que se inspiram numa visão utópica que, ao transformar a tradição da fé bíblica numa espécie de profetismo sem Deus, instrumentaliza a mensagem religiosa, orientando a consciência para uma esperança unicamente terrena que anula ou redimensiona a tensão cristã para a vida eterna.

Ao mesmo tempo, a Igreja ensina que não existe autêntica liberdade sem a verdade. “Verdade e liberdade ou se conjugam juntas ou miseramente juntas desaparecem”, escreveu João Paulo II 27. Numa sociedade, onde a verdade não for prospectada e não se procurar alcançá-la, resultará também enfraquecida toda a forma de exercício autêntico de liberdade, abrindo-se o caminho a um libertinismo e individualismo, prejudiciais à tutela do bem da pessoa e da inteira sociedade.

8. A tal propósito, convém recordar uma verdade que hoje nem sempre é bem entendida ou formulada com exactidão na opinião pública corrente; a de que o direito à liberdade de consciência e, de modo especial, à liberdade religiosa, proclamado pela Declaração Dignitatis humanae do Concílio Vaticano II, está fundado sobre a dignidade ontológica da pessoa humana e, de maneira nenhuma, sobre uma inexistente igualdade entre as religiões e os sistemas culturais humanos 28. Nesta linha, o Papa Paulo VI afirmou que “o Concílio, de modo nenhum, funda um tal direito à liberdade religiosa sobre o facto de que todas as religiões e todas as doutrinas, mesmo erróneas, tenham um valor mais ou menos igual; funda-o, invés, sobre a dignidade da pessoa humana, que exige que não se a submeta a constrições exteriores, tendentes a coarctar a consciência na procura da verdadeira religião e na adesão à mesma” 29. A afirmação da liberdade de consciência e da liberdade religiosa não está, portanto, de modo nenhum em contradição com a condenação que a doutrina católica faz do indiferentismo e do relativismo religioso 30; pelo contrário, é plenamente coerente com ela.

V. Conclusão

9. As orientações contidas na presente Nota entendem iluminar um dos mais importantes aspectos da unidade de vida do cristão: a coerência entre a fé e a vida, entre o evangelho e a cultura, recomendada pelo Concílio Vaticano II. Este exorta os fiéis “a cumprirem fielmente os seus deveres temporais, deixando-se conduzir pelo espírito do evangelho. Afastam-se da verdade aqueles que, pretextando que não temos aqui cidade permanente, pois demandamos a futura, crêem poder, por isso mesmo, descurar as suas tarefas temporais, sem se darem conta de que a própria fé, de acordo com a vocação de cada um, os obriga a um mais perfeito cumprimento delas”. Queiram os fiéis “poder exercer as suas actividades terrenas, unindo numa síntese vital todos os esforços humanos, familiares, profissionais, científicos e técnicos, com os valores religiosos, sob cuja altíssima jerarquia tudo coopera para a glória de Deus” 31.

O Sumo Pontífice João Paulo II na Audiência de 21 de Novembro de 2002 aprovou a presente Nota, decidida na Sessão Ordinária desta Congregação, e mandou que fosse publicada.

Roma, sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 24 de Novembro de 2002, Solenidade de N. S. Jesus Cristo Rei do Universo.

X Joseph Card. Ratzinger
Prefeito

X Tarcísio Bertone, SDB
Arcebispo emérito de Vercelli
Secretário

_____________________________
Notas:
23 Concílio Vaticano II, Const. Past. Guadium et spes, n. 76.
24 João Paulo II, Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 1991: “Se queres a paz, respeita a consciência de cada homem”, IV, AAS 83 (1991) 410-421.
25 João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, n. 59. A citação interna é do Concílio Vaticano II, Decr. Apostolicam actuositatem, n. 4.
26 João Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, in: L’Osservatore Romano, 11 de Janeiro de 2002.
27 João Paulo II, Carta Enc. Fides et ratio, n. 90, AAS 91 (1999) 5-88.
28 Cfr.Concílio Vaticano II, Decl. Dignitatis humanae, n. 1: “O Sagrado Concílio professa, em primeiro lugar, que o próprio Deus manifestou ao género humano o caminho por que os homens, servindo-O, podem ser salvos e tornar-se felizes em Cristo. Acreditamos que esta única verdadeira religião se verifica na Igreja Católica”. Isto não impede que a Igreja nutra um sincero respeito pelas várias tradições religiosas; pelo contrário, considera que nelas estão presentes “elementos de verdade e bondade”. Cfr. Concílio Vaticano II, Const. Dogm. Lumen gentium, n. 16; Decr. Ad gentes, n. 11; Decl. Nostra aetate, n. 2; João Paulo II, Carta Enc. Redemptoris missio, n. 55, AAS 83 (1991) 249-340; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Dominus Iesus, nn. 2. 8. 21, AAS 92 (2000) 742-765.
29 Paulo VI, Discurso ao Sacro Colégio e aos Prelados Romanos, in: Insegnamenti di Paolo VI, 14 (1976) 1088-1089.
30 Cfr. Pio IX, Carta Enc. Quanta cura, ASS 3 (1867) 162; Leão XIII, Carta Enc. Immortale Dei, ASS 18 (1885) 170-171; Pio XI, Carta Enc. Quas primas, AAS 17 (1925) 604-605; Catecismo da Igreja Católica, n. 2108; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Dominus Iesus, n. 22.
31 Concílio Vaticano II, Const. Past. Gaudium et spes, n. 43; Cfr. também João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, n. 59.