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29/07/2014

Primeira condição: trabalhar, e trabalhar bem!

Se queremos de verdade santificar o trabalho, é preciso cumprir iniludivelmente a primeira condição: trabalhar, e trabalhar bem!, com seriedade humana e sobrenatural. (Forja, 698)

Na vossa ocupação profissional, corrente e ordinária, encontrareis a matéria – real, consciente, valiosa – para realizar toda a vida cristã, para corresponder à graça que nos vem de Cristo.

Nas vossas ocupações profissionais, realizadas face a Deus, pôr-se-ão em jogo a Fé, a Esperança e a Caridade. Os incidentes, as relações e os problemas que o vosso trabalho traz consigo alimentarão a vossa oração. O esforço por cumprirdes os vossos deveres correntes será o modo de viverdes a Cruz, que é essencial para o Cristão. A experiência da vossa debilidade e os fracassos que existem sempre em todo o esforço humano dar-vos-ão mais realismo, mais humildade, mais compreensão com os outros. Os êxitos e as alegrias convidar-vos-ão a dar graças e a pensar que não viveis para vós mesmos, mas para o serviço dos outros e de Deus.


Para viver assim, para santificar a profissão, é necessário, primeiro que tudo, trabalhar bem, com seriedade humana e sobrenatural. (…) O milagre que o Senhor vos pede é a perseverança na nossa vocação cristã e divina, a santificação do trabalho de cada dia: o milagre de converter a prosa diária em decassílabos, em verso heróico, pelo amor com que realizais a vossa ocupação habitual. Aí vos espera Deus para que sejais almas com sentido de responsabilidade, com zelo apostólico, com competência profissional. (Cristo que passa, nn. 49–50)

Pequena agenda do cristão


TeRÇa-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)





Propósito:
Aplicação no trabalho.

Senhor, ajuda-me a fazer o que devo, quando devo, empenhando-me em fazê-lo bem feito para to poder oferecer.

Lembrar-me:
Os que estão sem trabalho.

Senhor, lembra-te de tantos e tantas que procuram trabalho e não o encontram, provê às suas necessidades, dá-lhes esperança e confiança.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Diálogos apostólicos 27


Nota: Normalmente, estes “Diálogos apostólicos”, são publicados sob a forma de resumos e excertos de conversas semanais. Hoje, porém, dado o assunto, pareceu-me de interesse publicar quase na íntegra.





Voltamos ao assunto das férias e para começar, disse-te:

‘Para enfrentar sacrifícios que possam ser impostos pelas circunstâncias, nada melhor que preparar-se com pequenas acções voluntárias de privação.’

‘Mortificações em férias?’ Perguntas espantado!

‘Claro’, respondo, ‘claro que sim!
Pensa bem: há tempo mais adequado para fazeres sacrifícios que as férias?
Basta adiares um pouco aquilo que te apetece fazer no momento.
O sacrifício nas férias tem muitíssimo valor porque, normalmente, há muitas pequenas coisas que tens o ensejo de fazer.
Se adiares algumas, ou mesmo prescindir delas, alcanças um assinalável mérito.
Por exemplo:
·        Não te apetece nada dar aquele passeio com aqueles amigos?
Mas…vai e faz “boa-cara” sê companheiro agradável, colabora, sem esforço, para o bem-estar de todos.
Já sabes…às vezes…custa mesmo!
·        Porque é que hás-de comprar aquela revista?
O que te trará de novo?
Esse dinheiro dará, talvez, para uns gelados para os mais pequenos…

·        Não! Levantares-te mais cedo não será um sacrifício, já que a única Missa disponível é logo de manhãzinha.
Tens todo o resto do dia para descansar, além do mais, se deixares a Missa para o final da tarde corres sério risco de… não teres tempo…

·        Está bem…almoçar num restaurante na praia é agradável e bom.
Mas… será necessário?
Talvez pudesses trazer do alojamento umas coisas leves e saudáveis.
Tens duas vantagens: Pouparás dinheiro e podes tomar banho à vontade sem risco de uma indigestão.

Hoje a conversa já vai longe. Como só partes para férias em meados de Agosto, se concordas continuaremos para a semana.’


Temas para meditar - 189

Tristeza


A tristeza má é a que leva a imaginação a vaguear de um lado para o outro baralhando recordações, forjando fantasias, procurando compensações, murmurando contra a luta ascética e o trabalho, e tendo como consequência a falta de vontade e a indolência.


(antónio cardigosFiliação Divina, Rei dos Livros, nr. 99)

Bento VXI – Pensamentos espirituais 9

O sacerdócio


Na realidade, tudo o que é constitutivo do nosso ministério não pode ser produto das nossas capacidades pessoais. Isto é válido para a celebração dos Sacramentos, mas vale igualmente para o serviço da Palavra: não somos enviados para nos anunciarmos a nós mesmos nem às nossas opiniões pessoais, mas para anunciar o mistério de Cristo e, n'Ele, a medida do verdadeiro humanismo.


(BENTO XVI, Discurso ao clero de Roma 2005.05.13) 

Tratado da lei 68

Questão 103: Da duração dos preceitos cerimoniais.

Art. 2 — Se as cerimónias da lei antiga tinham a virtude de justificar no tempo dessa lei.

(Supra, q. 100, a. 12; q. 102, a. 5, ad 4; III, q. 62, a. 6; IV Sent., dist. I, q. 1, a. 5, qª 1, 3; Ad Gatal., cap. II, lect. IV; cap. III, lect. IV; Ad Hebr., cap. IX, lect, II).

O segundo discute-se assim. — Parece que as cerimónias da lei antiga tinham a virtude de justificar, no tempo dessa lei.

1. — Pois, a expiação do pecado e a consagração do homem pertencem à justificação. Ora, a Escritura diz (Ex 39, 21) que pela aspersão do sangue e unção com o óleo eram consagrados os sacerdotes e as suas vestes. E noutro lugar diz (Lv 16, 16), que o sacerdote, pela aspersão do sangue do bezerro, expiava o santuário das impuridades dos filhos de Israel e das suas prevaricações e dos seus pecados. Logo, as cerimónias da lei antiga tinham a virtude de justificar.

2. Demais. — Aquilo pelo que o homem agrada a Deus pertence à justificação, conforme a Escritura (Sl 10, 8): O Senhor é justo e amou a justiça. Ora, pelas cerimónias alguns agradavam a Deus, conforme ainda a Escritura (Lv 10, 19): Como poderia eu agradar ao Senhor nas cerimónias, achando-me com o coração tão penalizado? Logo, as cerimónias da lei antiga tinham o poder de justificar.

3. Demais. — O que é do culto divino pertence mais à alma que ao corpo, conforme a Escritura (Sl 18, 8): A lei do Senhor, que é imaculada, converte as almas. Ora, pelas cerimónias da lei antiga, purificavam-se os leprosos. Logo, com maior razão, essas cerimónias podiam purificar a alma, justificando.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Gl 2): Se tivesse sido dada uma lei que pudesse justificar, Cristo morreu em vão, i. é, sem causa. Ora, isto é inadmissível. Logo, as cerimónias da lei antiga não justificavam.

Como já dissemos (q. 102, a. 5 ad 4), a lei antiga estabelecia uma dupla imundice: a espiritual, i. é, a da culpa; e a corporal, que privava da idoneidade para o culto divino. Assim como era considerado imundo o leproso, ou aquele que tocava algum cadáver: Por onde, a imundície não era senão uma certa irregularidade.

Ora, as cerimónias da lei antiga tinham a virtude de a purificar. Pois, eram uns remédios determinados por ordenação da lei, para purificar da referida imundície, estatuída pela própria lei. Por isso, o Apóstolo diz (Heb 9, 13): o sangue dos bodes e dos touros, e a cinza espalhada duma novilha, santifica aos imundos para purificação da carne. E assim como a imundície de que se era purificado, por essas cerimónias, era mais da carne que da mente, assim também as próprias cerimónias da justiça da carne o Apóstolo considera-as como justiças da carne postas até ao tempo da correcção.

Elas porém não tinham a virtude de expiar a imundície da mente, que é imundície da culpa. E isto porque a expiação dos pecados só pode ser feita por Cristo, que tira os pecados do mundo, como diz o Evangelho (Jo 1, 29). E como o mistério da encarnação e da paixão de Cristo ainda não estava totalmente consumado, as cerimónias da lei antiga não podiam conter realmente em si uma virtude profluente dessa encarnação e dessa paixão, como a contêm os sacramentos da lei nova. E por isso não podiam purificar do pecado, como diz o Apóstolo (Heb 10, 4): é impossível que com sangue de touros e de bodes se tirem os pecados. E a isto o Apóstolo chama elementos fracos e pobres; fracos, porque não podem purificar dos pecados; fraqueza essa proveniente de serem pobres, i. é, de não conterem em si a graça.

A mente dos fiéis podia contudo, na vigência da lei, unir-se a Cristo, que se encarnou e sofreu a paixão, e assim justificar-se pela fé em Cristo. Da qual era uma afirmação a observância dessas cerimónias, enquanto figura de Cristo. Por isso, no regime da lei antiga ofereciam-se certos sacrifícios pelos pecados; não que por si mesmos eles purificassem do pecado, mas por serem uma afirmação de fé, que dele purificava. E isso mesmo a lei o indica pelo modo de exprimir-se. Pois, determina que, na oblação das hóstias pelo pecado, o sacerdote rogará por ele (pelo príncipe) e o seu pecado lhe será perdoado; como se o pecado fosse perdoado, não por força dos sacrifícios, mas pela fé e devoção dos oferentes.

Deve contudo saber-se, que a expiação, pela cerimónia da lei antiga, das imundícies corpóreas, era figura da expiação dos pecados operada por Cristo.

Donde é claro, que as cerimónias, no regime da lei antiga; não tinham a virtude de justificar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Essa santificação do sacerdote, dos seus filhos, das suas vestes e de tudo o mais, pela aspersão do sangue, não passava de uma preparação ao culto divino e remoção dos impedimentos, para a purificação da carne, como diz o Apóstolo (Heb 9, 13). E prefigurava a outra purificação, pela qual Jesus, pelo seu sangue, santificou o povo. Ora, a expiação deve referir-se à remoção dessas imundícies corpóreas, e não à da culpa. Donde a referência à expiação do santuário, que entretanto não podia ser sujeito de culpa.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os sacerdotes agradavam a Deus, nas cerimónias, pela obediência, devoção e fé no que prefiguravam; não porém por elas, em si mesmas consideradas.

RESPOSTA À TERCEIRA. — As cerimónias instituídas para a purificação dos leprosos não se ordenavam a tirar a imundície da enfermidade da lepra; o que se patenteia por se aplicarem só ao que já estava limpo. Por isso, diz a Escritura (Lv 14, 3-4): o sacerdote, saindo fora do arraial, vendo que a lepra está curada, mandará ao que se purifica, que ofereça, etc. Donde é claro que era constituído juiz da lepra já curada e não, da que devia sê-lo. E as cerimónias de que se trata foram estabelecidas para tirar a imundície da irregularidade. Diz-se contudo que às vezes se acontecesse o sacerdote errar no juízo, o leproso era limpo miraculosamente por Deus, por virtude divina e não por virtude dos sacrifícios. Assim também, milagrosamente, apodrecia a coxa de uma mulher adúltera, depois de ter bebido a água que o sacerdote carregou de maldições, como está na Escritura (Nm 5, 19-27).

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho e comentário, Leit. Espiritual (Cong para a Doutrina da Fé - Sobre a oração)


Tempo comum XVII Semana


Santa Marta

Evangelho: Jo 11, 19-27

19 Muitos judeus tinham ido ter com Marta e Maria, para as consolarem pela morte de seu irmão. 20 Marta, pois, logo que ouviu que vinha Jesus, saiu-Lhe ao encontro; e Maria ficou sentada em casa.21 Marta disse então a Jesus: «Senhor, se estivesses cá, meu irmão não teria morrido. 22 Mas também sei agora que tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». 23 Jesus disse-lhe: «Teu irmão há-de ressuscitar». 24 Marta disse-Lhe: «Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição do último dia». 25 Jesus disse-lhe: «Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; 26 e todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá eternamente. Crês isto?». 27 Ela respondeu: «Sim, Senhor, eu creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus, que vieste a este mundo».

Comentário:


A ressurreição é um dos principais temas que mais nos ocupa o pensamento. Inúmeras perguntas e questões ficam sem uma resposta completa, decisiva, o que não admira porque se trata de um mistério, que a nossa inteligência não consegue decifrar plenamente. Só pela Fé chegamos a compreender que, sendo a nossa alma um espírito criado directamente por Deus, a sua habitação no nosso corpo é apenas temporária, isto é, enquanto tivermos vida.
Poder-se-ia dizer que a alma é a vida e, se assim é, esta não pode perecer, antes continua de forma misteriosa mas real, na eternidade.

O homem, de facto, não é eterno, mas sim imortal. Perece na sua substância mortal mas vive no seu ser espiritual.

As afirmações de Jesus – como esta que claramente faz a Marta – são uma garantia de que assim é.

Quando, no final dos tempos, o nosso corpo voltar a reunir-se à nossa alma, terá, então, outras características e qualidades que agora não possui, acompanhando a alma na eternidade, no lugar e condições que o julgamento divino determinar logo após a morte terrena.

(ama, comentário sobre Jo 11, 19-27, 2010.06.30)

Leitura espiritual


Documentos do Magistério

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

CARTA AOS BISPOS DA IGREJA CATÓLICA ACERCA DE ALGUNS ASPECTOS DA MEDITAÇÃO CRISTÃ

…/2

IV. A VIA CRISTÃ DA UNIÃO COM DEUS

13. Para encontrar a recta «via» da oração, o cristão deverá ter presente o que se disse precedentemente a propósito dos traços salientes da via de Cristo, cujo «alimento é fazer a vontade d’Aquele que (O) enviou e consumar a sua obra» (Jo. 4, 34). Jesus não vive uma união mais íntima e mais estreita com o Pai, do que esta, que, para Ele, se traduz continuamente numa oração profunda. A vontade do Pai envia-O aos homens, aos pecadores; mais: aos seus assassinos; e Ele não pode estar mais intimamente unido ao Pai do que obedecendo à sua vontade. O que não impede de nenhuma maneira que, no caminho terreno, Ele se retire também na solidão para rezar, para se unir ao Pai e receber d’Ele novo vigor para cumprir a sua missão no mundo. No Tabor, onde certamente Ele se une ao Pai de modo manifesto, é evocada a sua Paixão (cfr. Lc. 9, 31) e nem por um instante é tomada em consideração a possibilidade de permanecer em « três tendas » sobre o monte da Transfiguração. Qualquer oração contemplativa cristã reenvia continuamente ao amor do próximo, à acção e à paixão, e exactamente desta maneira aproxima de Deus em medida maior.

14. Para aproximar-se daquele mistério da união com Deus, que os Padres gregos chamavam divinização do homem, e para compreender com precisão as modalidades segundo as quais ela se realiza, é necessário ter presente, em primeiro lugar, que o homem é essencialmente criatura16 e tal permanece para sempre, de modo que jamais será possível uma absorção do eu humano pelo Eu divino, nem sequer nos mais elevados graus de graça. Deve-se, porém, reconhecer que a pessoa humana é criada «à imagem e semelhança» de Deus, e que o arquétipo desta imagem é o Filho de Deus, no Qual e pelo Qual fomos criados (cfr. Col. 1, 16). Ora este arquétipo desvela-nos o maior e o mais belo mistério cristão: o Filho é, desde toda a eternidade, «outro» em relação ao Pai e todavia, no Espírito Santo, é «da mesma substância»; por conseguinte, o facto de que exista uma alteridade não é um mal, mas, pelo contrário, o máximo dos bens. Existe alteridade no próprio Deus, que é uma só Natureza em Três Pessoas, e existe alteridade entre Deus e a criatura, que são por natureza diferentes. Finalmente, na sagrada eucaristia, como também nos outros Sacramentos — e analogamente nas suas obras e nas suas palavras —, Cristo dá-se-nos a si mesmo e torna-nos participantes da sua natureza divina 17 sem suprimir, contudo, a nossa natureza criada, da qual Ele mesmo participa por meio da sua encarnação.

15. Se se consideram no seu conjunto estas verdades, descobre-se, com profunda admiração, que na realidade cristã se actuam, ultrapassando qualquer medida, todas as aspirações presentes na oração das outras religiões, sem que isto implique que o eu pessoal e a sua criaturalidade devam ser anulados e desaparecer no mar do Absoluto. «Deus é amor» (1 Jo. 4, 8): esta afirmação profundamente cristã pode conciliar a união perfeita com a alteridade entre o amante e o amado, em eterna «quase-troca» e eterno diálogo. Deus mesmo constitui este eterno diálogo, e nós podemos, com plena verdade, tornar-nos participantes de Cristo, como «filhos adoptivos», e gritar com o Filho no Espírito Santo: «Abbá, Pai». Neste sentido, os Padres têm totalmente razão quando falam da divinização do homem, o qual, incorporado em Cristo, Filho de Deus por natureza, se torna participante, pela sua graça, da natureza divina, «filho no Filho». O cristão, recebendo o Espírito Santo, glorifica o Pai e participa realmente da Vida Trinitária de Deus.

V. QUESTÕES DE MÉTODO

16. A maior parte das grandes religiões que têm procurado a união com Deus na oração, têm indicado também os caminhos para a obter. Pois que «a Igreja católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo», 18 não se deverão desprezar, por preconceito, tais indicações, só por não serem de origem cristã. Poder-se-á, pelo contrário, colher nelas o que contêm de bom, tendo o cuidado naturalmente de não perder nunca de vista a concepção cristã da oração, a sua lógica e as suas exigências, sendo do ponto de vista desta totalidade que aqueles fragmentos deverão ser formulados de novo e assim assumidos. Dentre tais «fragmentos» deve-se nomear, em primeiro lugar, a aceitação humilde dum mestre experimentado na vida de oração e das suas directrizes; deste aspecto sempre se teve consciência na experiência cristã desde os tempos antigos, em particular desde a época dos Padres do deserto. O mestre, experimentado no «sentire cum Ecclesia», deve não somente guiar e chamar a atenção sobre certos perigos, mas, como «pai espiritual», deve introduzir também, de modo vital, tratando de coração para coração, na vida de oração, que é dom do Espírito Santo.

17. A tardia era clássica não cristã distinguia, de bom grado, três estádios na vida de perfeição: as vias da purificação, da iluminação e da união. Tal doutrina serviu de modelo para muitas escolas de espiritualidade cristã. O esquema, em si válido, carece todavia de alguns esclarecimentos que permitam uma sua correcta interpretação cristã, evitando perigosos equívocos.

18. A procura de Deus através da oração deve ser precedida e acompanhada pela ascese e pela purificação dos próprios pecados e erros, porque, segundo a palavra de Jesus, somente «os puros de coração verão a Deus» (Mt. 5, 8). O Evangelho visa sobretudo uma purificação moral de falta de verdade e de amor e, a um nível mais profundo, de todos os instintos egoísticos que impedem o homem de reconhecer e aceitar a vontade de Deus na sua pureza. Não são as paixões enquanto tais que são negativas (como pensavam os estoicos e os neoplatónicos): mas a sua tendência egoísta. É dela que o cristão se deve libertar, para chegar àquele estado de liberdade positiva que a era clássica cristã chamava «apátheia», a Idade Média «impassibilitas», e os Exercícios Espirituais de Santo Inácio «indiferencia». 19 Tudo isto é impossível sem uma radical abnegação, como se vê também em S. Paulo, que usa abertamente a palavra «mortificação» (das tendências pecaminosas). 20 Só esta abnegação torna o homem livre para realizar a vontade de Deus e de participar na liberdade do Espírito Santo.

19. Terá, por isso, de ser interpretada correctamente a doutrina daqueles mestres que recomendam «esvaziar» o espírito de todas as representações sensíveis e de todos os conceitos, mantendo, porém, uma amorosa atenção a Deus, de modo que permaneça no orante um vazio que pode ser então «cheio» pela riqueza divina. O vazio de que Deus precisa é o da renúncia ao próprio egoísmo, não necessariamente o da renúncia às coisas criadas que Ele nos deu e no meio das quais nos colocou. Não há dúvida que na oração nos devemos concentrar inteiramente em Deus e afastar o mais possível aquelas coisas deste mundo que nos prendem ao nosso egoísmo. Santo Agostinho é um mestre insigne sobre este ponto: se queres encontrar a Deus — diz —, abandona o mundo exterior e entra em ti mesmo. Todavia — prossegue —, não fiques em ti mesmo, mas vai mais além, porque tu não és Deus: Ele é mais profundo e maior do que tu. «Procuro a sua substância na minha alma e não a encontro; meditei, todavia, sobre a pesquisa de Deus e, inclinado para Ele, procurei conhecer, através das coisas criadas, ‘a realidade invisível de Deus’ (Rm. 1, 20)». 21 «Fechar-se em si mesmos»: eis o verdadeiro perigo. O grande Doutor da Igreja recomenda o concentrar-se em si mesmos, mas também o ultrapassar o eu que não é Deus, mas só uma criatura. Deus é «interior intimo meo, et superior summo meo». 22 Com efeito, Deus está em nós e connosco, mas transcende-nos no seu mistério. 23

20. Do ponto de vista dogmático, é impossível atingir o amor perfeito de Deus, se se prescinde da sua auto-doação no Filho encarnado, crucificado e ressuscitado. N’Ele, sob a acção do Espírito Santo, tomamos parte, por pura graça, na Vida intra-divina. Quando Jesus diz: «Quem me vê, vê o Pai» (Jo. 14, 9) não se refere simplesmente à visão e ao conhecimento exteriores da sua figura humana «a carne para nada serve»: Jo. 6, 63). Aquilo a que Ele se refere é, pelo contrário, um «ver» tornado possível pela graça da fé: um «ver» através da manifestação sensível de Jesus, o que Ele, como Verbo do Pai, quer verdadeiramente mostrar-nos de Deus («O Espírito é que vivifica [...]; as palavras que vos disse são espírito e vida», ibidem). Neste «ver» não se trata da abstracção puramente humana («abs-tractio») da figura em que Deus se revelou, mas de colher a realidade divina na figura humana de Jesus; de colher a sua dimensão divina e eterna na sua temporalidade. Como diz Santo Inácio nos Exercícios Espirituais, nós deveríamos procurar colher «o perfume infinito e a doçura infinita da Divindade» (n. 124), partindo da verdade revelada finita donde começámos. Ao elevar-nos, Deus é livre de «esvaziar-nos» de tudo o que nos agarra a este mundo, livre de atrair-nos completamente para a Vida trinitária do seu amor eterno. Todavia, este dom pode ser concedido somente «em Cristo, mediante o Espírito Santo» e não através das próprias forças, prescindindo da sua revelação.

21. No caminho da vida cristã, à purificação segue a iluminação mediante o amor que o Pai nos dá no Filho e a unção que d’Ele recebemos no Espírito Santo (cfr. 1 Jo. 2, 20). Desde a antiguidade cristã, fala-se da «iluminação», recebida no Baptismo. É ela que introduz os fiéis, iniciados nos divinos mistérios, no conhecimento de Cristo, mediante a fé que age por meio da caridade. Alguns escritores eclesiásticos até falam explicitamente da iluminação recebida no Baptismo como fundamento daquele sublime conhecimento de Cristo Jesus (cfr. Fil. 3, 8) que é definido como « theoria » ou contemplação. 24

Mediante a graça do Baptismo, os fiéis são chamados a progredir no conhecimento e no testemunho dos mistérios da fé «mercê da íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais». 25 Nenhuma luz de Deus torna «superadas» as verdades da fé. As eventuais graças de iluminação que Deus pode conceder ajudam a esclarecer melhor a dimensão mais profunda dos mistérios professados e celebrados pela Igreja, na esperança que o cristão possa contemplar a Deus como Ele é na glória (cfr. 1 Jo. 3, 2).

(cont.)
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Notas:
16. Cfr. Const. Past. Gaudium et spes, n. 19: « A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus. É desde o começo da sua existência que o homem é convidado a dialogar com Deus: pois, se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele por amor constantemente conservado; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e se entregar ao seu Criador».
17. Como escreve S. Tomás a respeito da eucaristia: « … proprius effectus huius sacramenti est conversio hominis in Christum, ut dicat cum Apostolo: Vivo ego, iam non ego; vivit vero in me Christus (Gál. 2, 20)» (In IV. Sent., d. 12, q. 2, a. 1).
18. Declaração Nostra aetate, n. 2.
19. Santo Inácio de Loyola, Ejercicios Espirituales, n. 23 e passim.
20. Cfr. Col. 3, 5; Rm. 6, 11 e seg.; Gál. 5, 24.
21. Santo Agostinho, Enarrationes in Psalmos XLI, 8: PL 36, 469.
22. Santo Agostinho, Confessiones, 3, 6, 11: PL 32, 688. Cfr. De vera Religione 39, 7: PL 34, 154.
23. O sentido cristão positivo do « esvaziamento » das criaturas resplandece de modo exemplar no « Poverello » de Assis. S. Francisco, pelo facto de ter renunciado às criaturas por amor do Senhor, contempla-as todas cheias da sua presença e refulgentes na sua dignidade de criaturas de Deus; pelo que entoa a secreta melodia do ser no seu Cântico das criaturas (cfr. C. Esser, Opuscula sancti Francisci Assisiensis, Ed. Ad Claras aquas, Grottaferrata (Roma) 1978, pp. 83-86). No mesmo sentido escreve na « Carta a todos os fiéis »: « Cada criatura que se encontra no céu e na terra e no mar e na profundidade dos abismos (Ap. 5, 13), tribute a Deus louvor, glória e honra e o abençoe, pois Ele é a nossa vida e a nossa força. Ele que é o único bom (Lc. 18, 19), que é o único altíssimo, omnipotente e admirável, glorioso e santo, digno de louvor e bendito pelos infinitos séculos dos séculos. Amen » (ibidem, Opuscula …, 124). S. Boaventura faz observar como em cada criatura Francisco percebia o apelo de Deus e efundia a sua alma no grande hino de reconhecimento e de louvor (cfr. Legenda S. Francisci, cap. 9, n. 1, in Opera Omnia, ed. Quaracchi 1898, Vol. VIII, p. 530).
24. Vejam-se, por exemplo: S. Justino, Apologia I, 61, 12-13: PG 6, 420-421; Clemente de Alexandria, Paedagogus I, 6, 25-31: PG 8, 281-284; S. Basílio de Cesareia, Homiliae diversae, 13, 1: PG 31, 424-425; S. Gregório Nazianzeno, Orationes, 40, 3, 1: PG 36, 361.
25. Const. dogm. Dei Verbum, n. 8.