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Pequena agenda do cristão

SÁBADO



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)





Propósito:
Honrar a Santíssima Virgem.

A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da Sua serva, de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas, santo é o Seu nome. O Seu Amor se estende de geração em geração sobre os que O temem. Manifestou o poder do Seu braço, derrubou os poderosos do seu trono e exaltou os humildes, aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel Seu servo, lembrado da Sua misericórdia, como tinha prometido a Abraão e à sua descendência para sempre.

Lembrar-me:
Santíssima Virgem Mãe de Deus e minha Mãe.

Minha querida Mãe: Hoje queria oferecer-te um presente que te fosse agradável e que, de algum modo, significasse o amor e o carinho que sinto pela tua excelsa pessoa.
Não encontro, pobre de mim, nada mais que isto: O desejo profundo e sincero de me entregar nas tuas mãos de Mãe para que me leves a Teu Divino Filho Jesus. Sim, protegido pelo teu manto protector, guiado pela tua mão providencial, não me desviarei no caminho da salvação.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?


Temas para meditar - 173

Confissão

Deus conhece os nossos pecados; não temos que lhos mostrar. A confissão não é para Ele, é para nós: para nos fazer tomar consciência da nossa culpabilidade. Nem sempre é possível enumerar todos os pecados, mas o essencial é não esconder voluntariamente nenhuma falta grave.



(GEORGES CHEVROT, Jesus e a Samaritana, Éfeso, 1956, pg 162)

Jesus Cristo e a Igreja - 22

O que são os Gnósticos?

O termo “gnóstico” vem da palavra grega “ gnosis” que significa conhecimento. O gnóstico é, portanto, aquele que adquire um conhecimento especial e vive segundo ele. “Gnose” não tem um sentido pejorativo.
Alguns Santos Padres como Clemente de Alexandria e Santo Ireneu falam da gnose como o conhecimento de Jesus Cristo obtido pela fé: “ a verdadeira gnose – escreve Santo Ireneu – é a doutrina dos Apóstolos” (Adv. Haer. IV, 33)
O termo “ gnóstico” adquiriu um sentido pejorativo depois de aplicado pelos mesmos Padres a certos hereges que tiveram um notável relevo entre os séculos II e IV. O primeiro a designá-los assim foi Santo Ireneu, que vê a sua origem na heresia de Simão, o Samaritano (Act 8, 9-24), dizendo que os seus seguidores se propagaram pela Alexandria, a Ásia Menor e Roma, dando lugar a “ uma multidão de gnósticos que emergem do chão como se de fungos se tratassem” (Adv. Haer. 1, 29.1). Deles, continua Santo Ireneu, derivam os valentinianos que são os que combate directamente. Explica tal abundância e diversidade de seitas dizendo que “ a maioria dos seus inventores – de facto, todos – querem ser mestres; abandonam a seita que abraçaram e urdem um ensino a partir de outra doutrina, e a partir de esta surge mais outra, mas todos insistem em ser originais e em terem feito por si mesmos as doutrinas que se limitaram a compilar” (Adv. Haer. 1.28.1).

Destas informações de Ireneu e de outros Padres que também combateram aqueles hereges (especialmente Santo Hipólito de Roma e Santo Epifânio de Salamina), deduz-se que foi tal a quantidade de grupos (simonianos, nicolaítas, ofitas, naasenos, setianos, peratas, basilidianos, carpocratianos, valentinianos, marcosianos) e mestres (Simão, Cerinto, Basílides, Carpócrates, Cerdão, Valentim, Ptolomeu,
Teódoto, Heracleão, Bardesanes… ) que foram designados “gnósticos”, embora só de um modo muito genérico se possam agrupar numa mesma classificação. De todas as obras heréticas “ gnósticas” descobertas em 1945 em Nag Hammadi (Alto Egipto) – cerca de quarenta – fica-se com uma impressão parecida: cada obra contém a sua própria orientação doutrinal herética.

Dentro desta diversidade, os melhor conhecidos são os gnósticos valentinianos, e também os que mais influência exerceram. Actuavam dentro da Igreja como uma “ fera oculta” diz Santo Ireneu. Tinham as
mesmas Escrituras Sagradas que a Igreja, mas interpretvam-nas num sentido contrário. O Deus verdadeiro, segundo eles, não era o Criador do Antigo Testamento; distinguiam diversos Cristos entre os seres do mundo celeste (eões); afirmavam que a salvação se obtinha pelo conhecimento de si mesmo como chispa divina presa na matéria; que a redenção de Cristo consistiria em despertar para esse conhecimento; e que só os homens espirituais (pneumaitikoi) estariam destinados à salvação. O carácter elitista desta seita e o desprezo pelo mundo criado configuravam, entre outros traços, a mentalidade daqueles hereges, representantes mais significativos dos “gnósticos” .

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Tratado da lei 51

Questão 100: Dos preceitos morais da lei antiga.

Art. 7 — Se os preceitos do decálogo foram dados convenientemente.

(IIª-IIae, q. 122, a. 2 sqq.; III Sent., dist. XXXVII, a. 2, qª 1).

O sétimo discute-se assim. — Parece que os preceitos do decálogo foram dados inconvenientemente.

1. — Pois, os preceitos afirmativos ordenam para os actos virtuosos; ao passo que os negativos os separam dos actos viciosos. Ora, em qualquer matéria, virtudes e vícios opõem-se entre si. Logo, em qualquer matéria, sobre que verse um preceito do decálogo, devia estabelecer-se um preceito afirmativo e um negativo. Logo, inconvenientemente se estabeleceram alguns afirmativos e alguns, negativos.

2. Demais. — Isidoro diz: toda lei se funda na razão. Ora, todos os preceitos do decálogo concernem à lei divina. Logo, de todos se devia dar a razão, e não só do primeiro e do terceiro.

3. Demais. — Pela observação dos preceitos merecemos prémios, de Deus. Ora, as promessas divinas concernem os prémios dos preceitos. Logo, devia fazer-se uma promessa relativa a cada preceito e não só, ao primeiro e ao quarto.

4. Demais. — A lei antiga é chamada a lei do temor porque pela cominação de penas induzia à observação dos preceitos. Ora, todos os preceitos do decálogo pertencem à lei antiga. Logo, em todos se devia fazer a cominação da pena e não só no primeiro e no segundo.

5. Demais. — Todos os preceitos de Deus devem conservar-se na memória, conforme a Escritura (Pr 3, 3): Grava-os sobre as tábuas do teu coração. Logo é inconveniente fazer menção da memória só no terceiro preceito. Donde, os preceitos do decálogo foram dados inconvenientemente.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Sb 11, 21): Deus fez todas as coisas com conta e peso e medida. Logo, com maior razão, observou modo conveniente no dar os preceitos da sua lei.

Nos preceitos da lei divina está contida a máxima sabedoria; por isso, diz a Escritura (Dt 4, 6): Esta é a vossa sabedoria e inteligência aos povos. Ora, do sapiente é próprio dispor todas as coisas em devido modo e ordem. Donde é manifesto, que os preceitos da lei foram ministrados de modo conveniente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A afirmação implica sempre a negação do contrário; mas nem sempre, da negação de um contrário, resulta a afirmação do outro. Assim, resulta sempre de que, se alguma coisa é branca, não é negra; mas não se pode dizer que, se não é negra, é portanto branca; por ter a negação maior extensão que a afirmação. Daí vem que o preceito negativo — não se deve fazer injúria a outrem — estende-se a maior número de pessoas, conforme o primeiro ditame da razão, do que o preceito pelo qual se deve prestar a outrem um obséquio ou um benefício. Pois, primeiramente, o ditame da razão implica que devemos fazer benefícios ou serviços àqueles de quem recebemos benefícios, se ainda não os recompensamos. Mas duas pessoas há cujos benefícios ninguém pode pagar suficientemente: Deus e o próprio pai, como diz Aristóteles. Por isso, estabeleceram-se só dois preceitos afirmativos: um, que manda honrar os pais; outro, sobre a celebração do Sábado, em comemoração dos benefícios divinos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os preceitos puramente morais têm razão manifesta; por isso, não era necessário acrescentar-lhes nenhuma outra. Mas a alguns preceitos acrescenta-se um cerimonial determinativo do preceito moral comum. Assim, ao primeiro: Não farás imagem de escultura; e no terceiro é determinado o dia do Sábado. Por isso, num e noutro caso, era preciso assinalar a razão.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os homens, de ordinário, dirigem os seus actos para alguma utilidade. Por isso, era necessário estabelecer a promessa de um prémio, naqueles preceitos dos quais não se via proceder nenhuma utilidade, mas antes, serem impedimentos dela. Ora, como os pais cada vez mais se vão separando de nós, não esperamos nenhuma utilidade deles. Donde, ao preceito que manda honrá-los se acrescentou uma promessa. Semelhantemente, quanto ao que proíbe a idolatria, que os homens consideravam como obstáculo a uma utilidade aparente, que criam poder conseguir, por pactos feitos com os demónios.

RESPOSTA À QUARTA. — As penas são sobretudo necessárias contra os inclinados ao mal, como diz Aristóteles. Donde, a lei acrescenta a cominação de penas só naqueles preceitos, que supõem inclinação para o mal. Ora, os homens eram inclinados à idolatria, por causa do costume geral das nações. Semelhantemente, são também inclinados ao perjúrio, por causa da frequência do juramento. Por isso, aos dois primeiros preceitos se acrescentou uma cominação.

RESPOSTA À QUINTA. — O preceito sobre o Sábado foi estabelecido como comemorativo do benefício passado. Por isso, especialmente se faz nele menção da memória. — Ou, porque o preceito sobre o Sábado tem uma determinação adjunta, que não é da lei da natureza; e portanto, esse preceito precisava de uma advertência especial.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho, comentário e Leit. Espirit. (Instr. Dignitas Personae)


Tempo comum XIV Semana

Evangelho: Mt 10, 24-33

24 «Não é o discípulo mais que o mestre, nem o servo mais que o senhor. 25 Basta ao discípulo ser como o mestre e ao servo como o senhor. Se eles chamaram Belzebu ao pai de família, quanto mais aos seus familiares! 26 «Não os temais, pois, porque nada há encoberto que não se venha a descobrir, nem oculto que não venha a saber-se. 27 O que Eu vos digo às escuras, dizei-o às claras e o que é dito ao ouvido, pregai-o sobre os telhados. 28 «Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode lançar a alma e o corpo na Geena. 29 Porventura não se vendem dois passarinhos por uns tostões? E, todavia, nem um só deles cairá no chão sem a permissão de vosso Pai. 30 Até os próprios cabelos da vossa cabeça estão todos contados. 31 Não temais, pois: vós valeis mais que muitos passaritos. 32 «Todo aquele, portanto, que Me confessar diante dos homens, também Eu o confessarei diante do Meu Pai que está nos céus. 33 Porém, quem Me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante do Meu Pai, que está nos céus.

Comentário:

Não é próprio do cristão ter medo das consequências que possam advir por seguir Cristo.
Isso, que é fácil de dizer, ganha especial relevância nos dias de hoje em que por diversas partes do mundo se manifesta, por vezes de forma brutal, o ódio a Cristo, à Sua Igreja, aos cristãos.
Por aqui, na Europa, parece estarmos a salvo dessas perseguições, mas, de facto, continua e cada vez mais, a necessidade de afirmar as verdades da  e agir sem receio e decididamente contra essas outras formas de ataque a Santa Igreja, a Fé e princípios cristãos que se manifestam sob a forma de leis iníquas e atentatórias da dignidade do ser humano em geral e do cristão em particular.

(ama, comentário sobre Mt 10, 24-33, 2013.07.13)

Leitura espiritual


Documentos do Magistério

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
INSTRUÇÃO DIGNITAS PERSONAE
SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE BIOÉTICA

A clonagem humana

28. Por clonagem humana entende-se a reprodução assexual e agâmica do inteiro organismo humano, com o objectivo de produzir uma ou mais «cópias» do ponto de vista genético substancialmente idênticas ao único progenitor 47.

A clonagem é proposta com dois fins fundamentais: reprodutivo, isto é, para obter o nascimento de uma criança clonada, e terapêutico ou de investigação. A clonagem reprodutiva seria, em teoria, capaz de satisfazer algumas particulares exigências, tais como o controlo da evolução humana, a selecção de seres humanos com qualidades superiores, a pré-selecção do sexo do nascituro, a produção de um filho que seja a «cópia» de um outro, a produção de um filho por um casal afectado por formas de esterilidade não curáveis. A clonagem terapêutica, ao contrário, foi proposta como instrumento de produção de células estaminais embrionárias com património genético pré-determinado, de modo a superar o problema da rejeição (imuno-incompatibilidade). Esta está, portanto, ligada à temática do emprego das células estaminais.

As tentativas de clonagem suscitaram viva preocupação no mundo inteiro. Diversos organismos, a nível nacional e internacional, formularam avaliações negativas sobre a clonagem humana, que na grande maioria dos Países foi proibida.

A clonagem humana é intrinsecamente ilícita, enquanto, ao levar ao extremo a negatividade ética das técnicas de fecundação artificial, pretende dar origem a um novo ser humano sem relação com o acto de recíproca doação entre dois cônjuges e, mais radicalmente, sem nenhuma ligação com a sexualidade. Tal circunstância dá lugar a abusos e a manipulações gravemente lesivas da dignidade humana 48.

29. No caso de a clonagem ter um fim reprodutivo, impor-se-ia ao sujeito clonado um património genético pré-ordenado, submetendo-o, de facto, como foi dito, a uma forma de escravidão biológica, da qual dificilmente poderia libertar-se. O facto de uma pessoa se arrogar o direito de determinar arbitrariamente as características genéticas de uma outra pessoa representa uma grave ofensa à dignidade desta última e à igualdade fundamental entre os seres humanos.

Da particular relação existente entre Deus e o homem, desde o primeiro momento da existência, deriva a originalidade de cada pessoa, que obriga a respeitar a sua singularidade e integridade, inclusive a biológica e a genética. Cada um de nós encontra no outro um ser humano que deve a própria existência e as próprias características ao amor de Deus, do qual só o amor entre os cônjuges constitui uma mediação conforme o desígnio do Criador e Pai celeste.

30. Mais grave ainda, do ponto de vista ético, é a chamada clonagem terapêutica. Criar embriões com o propósito de os destruir, mesmo com a intenção de ajudar os doentes, é totalmente incompatível com a dignidade humana, porque faz da existência de um ser humano, se bem que em estado embrionário, um mero instrumento para usar e destruir. É gravemente imoral sacrificar uma vida humana a uma finalidade terapêutica.

As objecções éticas, vindas de diversas partes, contra a clonagem terapêutica e contra o uso de embriões humanos formados in vitro, levaram alguns cientistas a propor novas técnicas, que são apresentadas como sendo capazes de produzir células estaminais de tipo embrionário, sem, porém, pressupor a destruição dos verdadeiros embriões humanos 49. Tais propostas suscitaram muitas interrogações científicas e éticas, no campo sobretudo do estatuto ontológico do «produto» assim obtido. Enquanto não forem esclarecidas essas dúvidas, há que ter presente quanto foi afirmado pela Encíclica Evangelium vitae: «o valor em jogo é tal que, sob o perfil moral, bastaria a simples probabilidade de se encontrar na presença de uma pessoa para se justificar a mais categórica proibição de qualquer intervenção tendente a eliminar o embrião humano» 50.

O uso terapêutico das células estaminais

31. As células estaminais são células indiferenciadas, que possuem duas características fundamentais: a) a capacidade prolongada de se multiplicar sem se diferenciar; b) a capacidade de dar origem a células progenitoras de trânsito, das quais descendem células altamente diferenciadas, por exemplo, nervosas, musculares e hemáticas.

Desde que se verificou experimentalmente que as células estaminais, se transplantadas num tecido danificado, tendem a favorecer a repopulação de células e a regeneração desse tecido, abrem-se novas perspectivas para a medicina regeneradora, que têm suscitado grande interesse entre os investigadores do mundo inteiro.

No homem, as fontes de células estaminais, até agora individuadas, são o embrião nas fases iniciais do seu desenvolvimento, o feto, o sangue do cordão umbilical, vários tecidos do adulto (a medula óssea, o cordão umbilical, o cérebro, o mesenquima de vários órgãos, etc.) e o líquido amniótico. Inicialmente, os estudos concentraram-se sobre as células estaminais embrionárias, porque se pensava que só elas possuem grande potencialidade de multiplicação e de diferenciação. Numerosos estudos, porém, demonstram que também as células estaminais adultas apresentam uma sua versatilidade. Ainda que tais células não pareçam ter a mesma capacidade de renovação e a mesma plasticidade das células estaminais de origem embrionária, estudos e experiências de alto nível científico tendem, todavia, a atribuir a essas células resultados mais positivos, se comparados com as embrionárias. Os protocolos terapêuticos actualmente praticados prevêem o uso de células estaminais adultas e, nesse campo, foram iniciadas muitas linhas de investigação que abrem novos e prometedores horizontes.

32. Para a avaliação ética, há que considerar tanto os métodos de extracção das células estaminais como os riscos do seu uso clínico ou experimental.

Por quanto concerne aos métodos utilizados na recolha das células estaminais, devem ser considerados tendo em conta a sua origem. Consideram-se lícitas as metodologias que não danificam gravemente o sujeito, de que se extraem as células estaminais. Tal condição verifica-se, geralmente, no caso de extracção: a) dos tecidos de um organismo adulto; b) do sangue do cordão umbilical, no momento do parto; c) dos tecidos de fetos mortos de morte natural. A extracção de células estaminais do embrião humano vivo, pelo contrário, provoca inevitavelmente a sua destruição, o que a torna gravemente ilícita. Neste caso, «a investigação, independentemente dos resultados de utilidade terapêutica, não está deveras ao serviço da humanidade, pois faz-se através da eliminação de vidas humanas, que têm a mesma dignidade dos demais seres humanos e dos próprios investigadores. A própria história condenou no passado e condenará no futuro uma tal ciência, não só porque é privada da luz de Deus, mas também de humanidade» 51.

A utilização de células estaminais embrionárias ou células diferenciadas delas derivadas, eventualmente fornecidas por outros investigadores com a supressão de embriões, ou que se encontram no comércio, levantam sérios problemas do ponto de vista da cooperação com o mal e do escândalo 52.

No que diz respeito ao uso clínico de células estaminais obtidas com procedimentos lícitos, não existem objecções morais. Respeitem-se, todavia, os comuns critérios de deontologia médica. A propósito, proceda-se com grande rigor e prudência, reduzindo ao mínimo os eventuais riscos para os pacientes, facilitando o confronto dos cientistas entre si e oferecendo uma informação completa ao grande público.

São para encorajar o impulso e o apoio à investigação que visa o emprego das células estaminais adultas, por não comportarem problemas éticos 53.

Tentativas de hibridação

33. Recentemente, foram utilizados ovócitos animais para a reprogramação de núcleos de células somáticas humanas – geralmente chamada clonagem híbrida –, com o fim de extrair células estaminais embrionárias dos embriões resultantes, sem ter de recorrer ao uso de ovócitos humanos.

Do ponto de vista ético, tais práticas representam uma ofensa à dignidade do ser humano, pela mistura de elementos genéticos humanos e animais, capazes de alterar a identidade específica do homem. O eventual uso das células estaminais, extraídas de tais embriões, comportaria, além disso, riscos sanitários acrescidos, ainda totalmente desconhecidos, pela presença de material genético animal no seu citoplasma. Expor conscientemente um ser humano a tais riscos é moralmente e deontologicamente inaceitável.

O uso de «material biológico» humano de origem ilícita

34. Na investigação científica e na produção de vacinas ou de outros produtos, utilizam-se, por vezes, linhas celulares, que são o resultado de uma intervenção ilícita contra a vida ou contra a integridade física do ser humano. A conexão com a acção injusta pode ser imediata ou mediata, uma vez que se trata geralmente de células que se reproduzem facilmente e em abundância. Este «material», por vezes é comercializado e outras vezes distribuído gratuitamente nos centros de investigação por organismos estatais que o fazem por lei. Tudo isto dá lugar a diversos problemas éticos, em tema de cooperação com o mal e de escândalo. Convém, portanto, enunciar os princípios gerais, a partir dos quais os operadores de recta consciência podem avaliar e resolver as situações, em que possam eventualmente ser envolvidos na sua actividade profissional.

Antes de mais, recorde-se que a mesma avaliação moral do aborto «deve aplicar-se também às recentes formas de intervenção sobre embriões humanos, que, não obstante visarem objectivos em si legítimos, implicam inevitavelmente a sua morte. É o caso da experimentação sobre embriões, em crescente expansão no campo da pesquisa biomédica e legalmente admitida nalguns Países…. O uso de embriões ou de fetos humanos como objecto de experimentação constitui um crime contra a sua dignidade de seres humanos, que têm direito ao mesmo respeito devido à criança já nascida e a qualquer pessoa» 54. Estas formas de experimentação constituem sempre uma desordem moral grave 55.

35. Uma situação diferente verifica-se, quando os investigadores empregam «material biológico» de origem ilícita, que foi produzido fora do seu centro de investigação ou que se encontra no comércio. A Instrução Donum vitae formulou o princípio geral, a observar nestes casos: «os cadáveres de embriões ou fetos humanos, voluntariamente abortados ou não, devem ser respeitados como os restos mortais dos outros seres humanos. De modo particular, não podem ser objecto de mutilação ou autópsia se a sua morte não for assegurada e sem o consentimento dos pais ou da mãe. Além disso, deve-se sempre salvaguardar a exigência moral de que não tenha havido nenhuma cumplicidade com o aborto voluntário e que seja evitado o perigo de escândalo» 56.

A tal propósito, não basta o critério da independência formulado por algumas comissões éticas, ou seja, afirmar que seria eticamente lícita a utilização de «material biológico» de proveniência ilícita, sempre que exista uma clara separação entre os que produzem, congelam e fazem morrer os embriões e os que investigam a evolução da experimentação científica. O critério de independência não basta para evitar uma contradição na atitude de quem afirma não aprovar a injustiça cometida por outros e, ao mesmo tempo, aceita para o seu trabalho «material biológico» que outros obtêm mediante semelhante injustiça. Quando o ilícito tem o aval das leis que regulamentam o sistema sanitário e científico, há que marcar distância dos aspectos iníquos do sistema, para não dar a impressão de uma certa tolerância ou aceitação tácita de acções gravemente injustas 57. Isso, de facto, contribuiria para aumentar a indiferença, se não mesmo o favor, com que tais acções são vistas em certos ambientes médicos e políticos.

Às vezes, objecta-se que as considerações precedentes parecem pressupor que os investigadores de recta consciência teriam o dever de se opor activamente a todas as acções ilícitas realizadas no âmbito da medicina, alargando assim excessivamente a sua responsabilidade ética. O dever de evitar a cooperação com o mal e o escândalo, diz respeito, na realidade, à sua actividade profissional ordinária, que devem equacionar rectamente e mediante a qual devem testemunhar o valor da vida, opondo-se também às leis gravemente injustas. Portanto, o dever de recusar o referido «material biológico» – mesmo na ausência de uma certa relação próxima dos investigadores com as acções dos técnicos da procriação artificial ou com a dos que praticaram o aborto, e na ausência de um prévio acordo com os centros de procriação artificial – resulta do dever de, no exercício da própria actividade de investigação, se distanciar de um quadro legislativo gravemente injusto e de afirmar com clareza o valor da vida humana. Por isso, o critério da independência acima referido é necessário, mas pode ser eticamente insuficiente.

Naturalmente, dentro deste quadro geral, existem responsabilidades diferenciadas, e razões graves poderiam ser moralmente proporcionadas para justificar a utilização do referido «material biológico». Assim, por exemplo, o perigo para a saúde das crianças pode autorizar os pais a utilizar uma vacina, em cuja preparação foram usadas linhas celulares de origem ilícita, permanecendo firme o dever da parte de todos de manifestar o próprio desacordo em matéria e pedir que os sistemas sanitários disponibilizem outros tipos de vacina. Por outro lado, tenha-se presente que, nas empresas que utilizam linhas celulares de origem ilícita, não é a mesma a responsabilidade dos que decidem a orientação da produção e a dos que não têm nenhum poder de decisão.

No contexto da urgente mobilização das consciências em favor da vida, há que recordar aos profissionais da saúde que «a sua responsabilidade é hoje muito maior e encontra a sua inspiração mais profunda e o seu apoio mais forte precisamente na intrínseca e imprescindível dimensão ética da profissão clínica, como já reconhecia o antigo e sempre actual juramento de Hipócrates, segundo o qual, é pedido a cada médico que se comprometa no respeito absoluto da vida humana e da sua sacralidade» 58.

CONCLUSÃO

36. O ensinamento moral da Igreja foi, por vezes, acusado de conter muitas proibições. Na realidade, ele funda-se no reconhecimento e na promoção de todos os dons que o Criador concedeu ao homem, como a vida, o conhecimento, a liberdade e o amor. Especial apreço merecem, por isso, não só as actividades cognoscitivas do homem, mas também as actividades práticas, como o trabalho e a actividade tecnológica. Com estas últimas, de facto, o homem, participante do poder criador de Deus, é chamado a transformar o criado, ordenando os seus múltiplos recursos em favor da dignidade e do bem-estar de todos os homens e do homem todo, e a ser ainda o guarda do seu valor e intrínseca beleza.

A história da humanidade é testemunha, por outro lado, de como o homem tenha abusado, e ainda abuse, do poder e das capacidades que lhe foram confiados por Deus, dando lugar a diversas formas de discriminação injusta e de opressão para com os mais fracos e os mais indefesos. Os quotidianos atentados contra a vida humana; a existência de grandes áreas de pobreza, onde os homens morrem de fome e de doença, excluídos dos recursos cognoscitivos e práticos, que muitos Países possuem em superabundância; um progresso tecnológico e industrial, que está criando o risco concreto de uma queda do ecossistema; o uso das investigações científicas no âmbito da física, da química e da biologia para fins bélicos; as numerosas guerras que ainda hoje dividem povos e culturas, infelizmente são apenas alguns sinais eloquentes de como o homem pode fazer mau uso das suas capacidades e tornar-se o pior inimigo de si mesmo, perdendo a consciência da sua alta e específica vocação de colaborador da obra criadora de Deus.

Paralelamente, a história da humanidade manifesta um real progresso na compreensão e no reconhecimento do valor e da dignidade de cada pessoa, fundamento dos direitos e dos imperativos éticos, com que se procurou e se procura construir a sociedade humana. Foi precisamente em nome da promoção da dignidade humana, que se proibiu todo o comportamento e estilo de vida lesivos da mesma dignidade. Assim, por exemplo, as proibições, jurídico-políticas, e não apenas éticas, das diversas formas de racismo e de escravidão, das injustas discriminações e marginalizações das mulheres e crianças e das pessoas doentes ou com grave deficiência, são testemunho evidente do reconhecimento do valor inalienável e da intrínseca dignidade de cada ser humano e sinal de um progresso autêntico que percorre a história da humanidade. Por outras palavras, a legitimidade de cada proibição funda-se na necessidade de tutelar um bem moral autêntico.

37. Se o progresso humano e social se caracterizou, inicialmente, pelo desenvolvimento da indústria e da produção dos bens de consumo, hoje qualifica-se pelo desenvolvimento da informática e da investigação no campo da genética, da medicina e das biotecnologias, aplicadas também ao homem, sectores de grande importância para o futuro da humanidade, mas onde se verificam também abusos evidentes e inaceitáveis. «Como, há um século, era a classe operária a ser oprimida nos seus direitos fundamentais, e a Igreja com grande coragem a defendeu, proclamando os sacrossantos direitos da pessoa do trabalhador, assim agora, quando uma outra categoria de pessoas é oprimida no direito fundamental da vida, a Igreja sente o dever de, com a mesma coragem, dar voz a quem não a tem. O seu é sempre o grito evangélico em defesa dos pobres do mundo, de quantos são ameaçados, desprezados e oprimidos nos seus direitos humanos» 59.

Em virtude da missão doutrinal e pastoral da Igreja, a Congregação para a Doutrina da Fé sentiu-se no dever de reafirmar a dignidade e os direitos fundamentais e inalienáveis de cada ser humano, também nas fases iniciais da sua existência, e de explicitar as exigências de tutela e de respeito que o reconhecimento de tal dignidade de todos exige.

O cumprimento deste dever implica a coragem de se opor a todas as práticas que determinam uma grave e injusta discriminação em relação aos seres humanos ainda não nascidos, que têm a dignidade de pessoa, criadas também eles à imagem de Deus. Por detrás de cada «não» refulge, na fadiga do discernimento entre o bem e o mal, um grande «sim» ao reconhecimento da dignidade e do valor inalienáveis de cada e irrepetível ser humano chamado à existência.

Os fiéis empenhar-se-ão com força na promoção uma nova cultura da vida, acolhendo os conteúdos desta Instrução com o religioso assentimento do seu espírito, sabendo que Deus dá sempre a graça necessária para observar os seus mandamentos, e que, em cada ser humano, sobretudo nos mais pequenos, se encontra o próprio Cristo (cf. Mt 25,40). Também todos os homens de boa vontade, de modo especial os médicos e os investigadores abertos ao diálogo e desejosos de atingir a verdade, saberão compreender e aceitar estes princípios e avaliações, destinados à tutela da frágil condição do ser humano nas suas fases iniciais de vida e à promoção de uma civilização mais humana.

O Sumo Pontífice Bento XVI, na Audiência concedida a 20 de Junho de 2008 ao abaixo-assinado Cardeal Prefeito, aprovou a presente Instrução, decidida na Sessão Ordinária desta Congregação, e ordenou a sua publicação.

Roma, da Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 8 de Setembro de 2008, Festa da Natividade da Beata Virgem Maria.

WILLIAM Card. LEVADA
Prefeito
LUIS F. LADARIA, S.I.
Arcebispo titular de Thibica
Secretário
___________________________________
Notas:
47 No estado actual dos conhecimentos, as técnicas propostas para realizar a clonagem humana são duas: a fixação gemelar e a transferência de núcleo. A fixação gemelar consiste na separação artificial de células singulares ou grupo de células do embrião, nas primeiras fases do desenvolvimento, e na sucessiva transferência destas células para o útero, com o fim de obter, de modo artificial, embriões idênticos. A transferência de núcleo ou clonagem propriamente dita, consiste na introdução de um núcleo extraído de uma célula embrionária ou somática num ovócito precedentemente desnucleado, seguida da activação deste ovócito, que, consequentemente, deveria desenvolver-se como embrião.
48 Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução Donum vitae, I, 6: AAS 80 (1988), 84; JOÃO PAULO II, Discurso aos membros do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé (10 de Janeiro de 2005), n. 5: AAS 97 (2005), 153.
49 Novas técnicas deste género são, por exemplo, a aplicação da partenogénese ao homem, a transferência de um núcleo alterado (Altered Nuclear transfer: ANT) e a reprogramação assistida do ovócito (Oocyte Assisted Reprogramming: OAR).
50 JOÃO PAULO II, Carta encíclica Evangelium vitae, n. 60: AAS 87 (1995), 469.
51 BENTO XVI, Discurso aos participantes no Congresso internacional sobre o tema: “As células estaminais: que futuro para a terapia?”, promovido pela Pontifícia Academia para a Vida (16 de Setembro de 2006): AAS 98 (2006), 694.
52 Cf. n. 34-35 desta Instrução.
53 Cf. BENTO XVI, Discurso aos participantes no Congresso internacional sobre o tema: “As células estaminais: que futuro para a terapia?”, promovido pela Pontifícia Academia para a Vida (16 de Setembro de 2006): AAS 98 (2006), 693-695.
54 JOÃO PAULO II, Carta encíclica Evangelium vitae, n. 63: AAS 87 (1995), 472-473.
55 Cf. Ibidem, n. 62: l.c., 472.
56 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução Donum vitae, I, 4: AAS 80 (1988), 83.
57 Cf. JOÃO PAULO II, Carta encíclica Evangelium vitae, n. 73: AAS 87 (1995), 486: «O aborto e a eutanásia são, portanto, crimes que nenhuma lei humana pode pretender legitimar. Leis deste tipo não só não criam obrigação alguma para a consciência, como, ao contrário, geram uma grave e precisa obrigação de opor-se a elas através da objecção de consciência». O direito à objecção de consciência, expressão do direito à liberdade de consciência, deveria ser tutelado pelas legislações civis.
58 JOÃO PAULO II, Carta encíclica Evangelium vitae, n. 89: AAS 87 (1995), 502.
59 JOÃO PAULO II, Carta a todos os Bispos sobre “O Evangelho da vida” (19 de Maio de 1991): AAS 84 (1992), 319.