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20/06/2014

SER "ANDRÉ"!

«André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram João e seguiram Jesus. Encontrou primeiro o seu irmão Simão, e disse-lhe: «Encontrámos o Messias!» - que quer dizer Cristo. E levou-o até Jesus. Fixando nele o olhar, Jesus disse-lhe: «Tu és Simão, o filho de João. Hás-de chamar-te Cefas» - que significa Pedra.» Jo 1, 40-42
Sempre ouvimos dizer que os primeiros catequistas devem ser os pais, que a primeira catequese tem que ser em casa, que a família deve rezar unida e deve dar testemunho aos vindouros, para que também eles encontrem o Deus que nos chama ao seu amor.

André, alertado por João Baptista seguiu Jesus, e encontrando o seu irmão Simão Pedro, logo lhe deu a Boa Nova e o levou a Jesus.

A frase, simples e concisa, é terna e tocante: «E levou-o até Jesus.»
Não o levou “a” Jesus, mas sim, levou-o ”até” Jesus!

Mostrou-lhe Jesus, fê-lo encontrar-se com Jesus, e, a partir daí, tudo passou a ser entre Jesus e Simão Pedro.
André reconhece o Messias, o Senhor, e é esse acreditar que ele transmite ao seu irmão, levando-o ao encontro d’Aquele que é objecto da sua fé.
A partir daqui, Pedro encontra Jesus, e tendo Jesus fixado nele o seu olhar, Pedro deixa-se conduzir até à missão que Ele há-de colocar sobre os seus ombros!

E nós, que um dia começámos a seguir Jesus, como pais, como irmãos, como parentes, também damos a Boa Nova aos da nossa casa?
Também os levamos até Jesus?
Também testemunhamos com palavras, com actos, com a nossa vida, a nossa fé em Jesus Cristo, Nosso Senhor e Salvador?

Sejamos então, todos e cada um de nós, “André”, para aqueles que se cruzam nas nossas vidas, começando por aqueles que o Senhor nos deu como família.


Monte Real, 17 de Junho de 2014
Joaquim Mexia Alves
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Maria procura o Filho que se perdeu

Três dias e três noites procura Maria o Filho que se perdeu... Oxalá possamos dizer, tu e eu, que a nossa vontade de encontrar Jesus também não conhece descanso. (Sulco, 794)

Que dor a de sua Mãe e a de S. José, porque – no regresso de Jerusalém – não vinha entre os parentes e amigos! E que alegria a sua, quando o vêem, já de longe, doutrinando os mestres de Israel! Mas reparai nas palavras, aparentemente duras, que saem da boca do Filho, ao responder a sua Mãe: por que me buscáveis?

Não era razoável que o procurassem? As almas que sabem o que é perder Cristo e encontrá-lo podem compreender isto... Por que me buscáveis? Não sabíeis que devo ocupar-me nas coisas de meu Pai?. Não sabíeis, porventura, que eu devo dedicar totalmente o meu tempo ao meu Pai celestial?

Este é o fruto da oração de hoje: que nos persuadamos de que o nosso caminhar na terra – em todas as circunstâncias e em todos os momentos – é para Deus; que é um tesouro de glória, uma imagem do Céu; que é, nas nossas mãos, uma maravilha que temos de administrar, com sentido de responsabilidade perante os homens e perante Deus, sem necessidade de mudar de estado, no meio da rua, santificando a nossa profissão ou o nosso ofício, a vida de família, as relações sociais e todas as actividades que parecem à primeira vista só terrenas. (Amigos de Deus, 53–54)

Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira





(Coisas muito simples, curtas, objectivas)



Propósito:
Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Jesus Cristo e a Igreja 19

O que são os evangelhos canónicos e o que são os apócrifos?
Quais e quantos são?

Evangelhos canónicos são os que a Igreja reconheceu como sendo aqueles que transmitem autenticamente a tradição apostólica e estão inspirados por Deus. São quatro e só quatro: Mateus, Marcos, Lucas e João. Assim o propôs expressamente Santo Ireneu de Leão nos finais do séc. II (Adversus Haereses 3.11.8-9) e assim o tem mantido constantemente a Igreja, propondo-o finalmente como dogma de fé ao definir o cânone das Sagradas Escrituras no Concílio de Trento (1545-1563).
A composição destes evangelhos tem as suas raízes no que os apóstolos viram e ouviram estando com Jesus, e nas aparições que tiveram dele depois de ressuscitar de entre os mortos. Logo a seguir os mesmos apóstolos, cumprindo o mandato do Senhor, pregaram a boa notícia (ou evangelho) acerca d’Ele e acerca da salvação que Ele traz a todos os homens, e foram-se formando comunidades de cristãos na Palestina e fora dela (Antioquia, cidades da Ásia Menor, Roma, etc.). Nestas comunidades as tradições foram tomando forma de relatos ou de ensinamentos acerca de Jesus, sempre sob a tutela dos apóstolos
que tinham sido testemunhas. Num terceiro momento essas tradições foram postas por escrito integrando-as numa narração em forma de biografia do Senhor.
Assim surgiram os evangelhos para uso das comunidades às quais estavam destinados. O primeiro, segundo parece, terá sido Marcos ou talvez uma edição de Mateus, em hebraico ou aramaico, mais breve que a actual. Os outros três imitaram o género literário deste. Neste trabalho, cada evangelista escolheu algumas coisas das muitas que se transmitiam, sintetizou outras e apresentou tudo atendendo à condição dos seus leitores imediatos.
Que os quatro gozaram da garantia apostólica vê-se no facto de terem sido recebidos e transmitidos como escritos pelos próprios apóstolos ou por discípulos directos dos mesmos: Marcos foi discípulo de São Pedro e Lucas de São Paulo.

Os evangelhos apócrifos são os que a Igreja não aceitou como conservando autêntica tradição apostólica, embora normalmente fossem apresentados sob o nome de algum apóstolo. Começaram a circular muito cedo, pois já são citados na segunda metade do séc. II, mas não gozavam da garantia apostólica como os quatro reconhecidos e, além disso, muitos deles continham doutrinas que não estavam de acordo com o ensino apostólico. “Apócrifo” começou por significar “segredo” por fazer referência a escritos que se dirigiam a um grupo especial de iniciados e serem conservados nesse grupo. Mais tarde passou a significar inautêntico e inclusivamente herético. À medida que passou o tempo o número desses apócrifos cresceu em grande número, quer para dar pormenores da vida de Jesus que não davam os evangelhos canónicos (por exemplo os apócrifos da infância de Jesus), quer para pôr sob o nome de algum apóstolo ensinamentos divergentes das que eram comuns na Igreja (por exemplo o evangelho de Tomé). Orígenes de Alexandria (+ 245) escrevia: “A Igreja em quatro evangelhos, os hereges, muitíssimos”.

Entre as informações dos Padres da Igreja, os que conservou a piedade cristã, e os testemunhados de um modo ou outro em papiros, o número de “evangelhos apócrifos” conhecidos é pouco superior a cinquenta.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Temas para meditar 151

O que é rezar?

Ter, antes de mais, esta doutrina clara: todos podemos rezar; mais concretamente, todos devemos rezar, porque viemos ao mundo para amar a Deus, louvá-lo, servi-lo e depois, na outra vida – aqui estamos de passagem -, gozá-Lo eternamente. E o que é rezar? Simplesmente, falar com Deus mediante orações vocais ou na meditação. Não é admissível a desculpa de que não sabemos ou nos cansamos. Falar com Deus para aprender d’Ele, consiste em olhá-lo, em contar-lhe a nossa vida – trabalho, alegrias, penas, cansaços, reacções, tentações -, se O escutarmos, ouviremos que nos sugere: Deixa aquilo, sê mais cordial, trabalha melhor, serve os outros, não penses mal de ninguém, fala com sinceridade e com educação… Não desprezemos o tesouro da oração, porque ama-se como se reza, e reza-se como se ama. Com a certeza de que, ao contemplar o Mestre em Getsemani, a nossa mente abrir-se-á à necessidade de rezar, também quando não for fácil fazê-lo.

(javier echevarríaGetsemaní, Planeta 3ª ed. pg. 12)

Tratado da lei 29

Questão 97: Da mudança das leis.

Em seguida devemos tratar da mudança das leis. E nesta questão discutem-se quatro artigos;

Art. 1 — Se a lei humana deve de algum modo ser mudada.
Art. 2 — Se a lei humana há de sempre ser mudada quando aparecerem melhores instituições.
Art. 3 — Se o costume pode obter força de lei e abrogar a lei.
Art. 4 — Se os chefes do povo podem dispensar nas leis humanas.

Art. 1 — Se a lei humana deve de algum modo ser mudada.

(Infra, q. 104, a. 3, ad 2; Ad. Galat., cap. I, lect. II. V Ethic., lect. XII).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei humana de nenhum modo deve ser mudada.

1. — Pois, a lei humana deriva da lei natural, como já se disse (q. 95, a. 2). Ora, a lei natural perdura imutável. Logo, também a lei humana deve permanece imutável.

2. Demais. — Como diz o Filósofo, a medida deve, por excelência, ser permanente. Ora, a lei humana é a medida dos actos humanos, como já se disse (q. 90, a. 1, a. 2). Logo, deve permanecer imutável.

3. Demais. — Ser justa e recta da essência da lei, como já se disse (q. 95, a. 2). Ora, o que é uma vez recto é-o sempre. Logo, o que foi uma vez lei deve sê-lo sempre.

Mas, em contrário, Agostinho diz: A lei temporal, embora justa, pode, no decurso do tempo, ser justamente mudada.

Como já se disse (q. 91, a. 3), a lei humana é um ditame da razão por que se dirigem os actos humanos. E assim, por dupla causa pode a lei humana ser justamente mudada: uma fundada na razão; outra, proveniente dos homens, cujos actos são regulados por lei.

Uma é fundada na razão, porque à razão humana é natural ascender gradualmente do imperfeito para o perfeito. Por isso vemos, nas ciências especulativas, que os primeiros filósofos transmitiram aos seus sucessores umas doutrinas imperfeitas, que estes por sua vez transmitiram aos seus sucessores mais aperfeiçoadas. Ora, o mesmo se dá na ordem das acções. Assim, os primeiros que intentaram descobrir mais útil disposição para a comunidade humana, não podendo prever tudo, por si mesmos, fizeram algumas instituições imperfeitas e falhas em muitos casos, que os pósteros modificaram, estabelecendo por sua vez algumas outras, que, em alguns casos, podem não realizar a utilidade comum.

Por outro lado, por parte do homem, cujos actos são regulados por lei, esta pode mudar-se rectamente, por causa da mudança das condições dos homens, aos quais convêm coisas diversas segundo as suas diversas condições. Assim Agostinho dá o exemplo seguinte. Se um povo for de boa moderação, grave e guarda diligentíssimo da utilidade comum, a lei é justamente feita para que a tal povo seja lícito estabelecer os seus magistrados, que administrem a república. Mas se, depravado esse povo paulatinamente, venha a tornar venal o seu sufrágio e entregar o governo a homens flagiciosos e celerados, é justo cassar-lhe o poder de distribuir as honras, e transferi-lo ao arbítrio de uns poucos bons.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A lei natural é uma participação da lei eterna, como já se disse (q. 91, a. 2), e por isso permanece imutável; e essa imutabilidade tem-na da perfeição da razão divina, que institui a natureza. Ao contrário, a razão humana é mutável e imperfeita. E portanto, a sua lei é mutável. Além disso, a lei natural contém alguns preceitos universais, que sempre permanecem; ao passo que a lei estabelecida pelo homem contém preceitos particulares, provocados pelos casos emergentes.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A medida deve ser permanente quanto possível. Mas na ordem das coisas mutáveis não pode haver nada que permaneça imutável. Donde, a lei humana não pode ser absolutamente imutável.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Na ordem das coisas materiais a rectidão é considerada absolutamente; e por isso permanece na sua essência. Ao passo que a rectidão da lei é considerada em relação à utilidade comum, a qual não é sempre proporcionada uma mesma realidade, como já se disse. Por isso essa rectidão é susceptível de mudança.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (A paz na familia)

Tempo comum XI Semana

Evangelho: Mt 6, 19-23

19 «Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões arrombam as paredes e roubam. 20 Entesourai para vós tesouros no céu, onde nem a ferrugem nem a traça os consomem, e onde os ladrões não arrombam as paredes nem roubam. 21 Porque onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração. 22 «O olho é a lâmpada do corpo. Se o teu olho for são, todo o teu corpo terá luz. 23 Mas, se teu olho for malicioso todo o teu corpo estará em trevas. Se, pois, a luz que há em ti é trevas, quão tenebrosas serão essas trevas!

Comentário:

Quantos pecados tiveram a sua “origem” no olhar.

Lembremos um dos mais conhecidos de todos os tempos, o pecado de David. As consequências de ter detido o seu olhar numa cena íntima  e reservada foram terríveis, desde o assassínio congeminado de Urias, até à própria morte do seu filho e herdeiro.

Olhar, ver é bem diferente de mirar, aquele pode ser natural e directo, e, portanto, natural; este, é sempre um acto voluntário e, como todos os actos de vontade, tem consequências.

(ama, comentário sobre Mt 6, 19-23, 2013,06.21)


Leitura espiritual



Temas


A PAZ NA FAMÍLIA

INTRODUÇÃO

DESEJOS DE PAZ

Se perguntarmos a uma pessoa recém-casada qual é o bem que mais deseja na família, provavelmente responderá:

– O amor.

Se fizermos a mesma pergunta a um homem ou a uma mulher já maduros, com longos anos de convivência familiar, é provável que nos responda:

– A paz.

Nem todos dirão isso, certamente, mas muitos, sim. É que os anos de convívio entre marido e mulher, e entre pais e filhos, vão evidenciando, com luminosa clareza, que a paz é um bem inestimável, tanto mais precioso quanto mais frágil e difícil é de conseguir e de conservar.

– Paz! Pelo amor de Deus, quero paz lá em casa! – dizem alguns, com gemidos de náufrago que já não aguenta mais segurar-se numa tábua no meio da tormenta.

Têm ampla experiência das agruras da “guerra”: desavenças, incompreensões, brigas, maus humores, recriminações, injustiças, teimosias, desafios, reclamações monótonas... A esses, a harmonia parece-lhes um sonho que lhes escapou das mãos há muito tempo, como se fosse um balão perdido no espaço, sem meio algum de o recuperar.

A harmonia familiar é um ideal que essas pessoas entristecidas amam, com um amor ardente e dolorido, unido à convicção amarga de que a paz familiar estável não existe na terra ou, caso exista, é uma loteria que não os contemplou.

Uma loteria, uma questão de sorte. É assim que muitos veem as alegrias da paz familiar. Uns são agraciados e outros não. Qualquer pessoa – pai, mãe, filho – que se queixa da falta de paz familiar costuma dispor de uma explicação para essa infelicidade: a má sorte de ter que conviver com um cônjuge ou filhos – ou pais – de carácter difícil, de temperamento insuportável, de... instintivamente, o queixume pela falta de paz toma a forma de uma acusação. Sabemos bem quem são os culpados, e sabemos bem de que males são culpados. É a grosseria do marido, é a indisciplina e o desrespeito dos filhos, é a tirania irracional dos pais... Ou, então: “É que não me compreendem, não me escutam, não acreditam em mim, não têm responsabilidade, não têm ordem, gritam à toa, ofendem...

Assim, não é possível ter paz!”

Em face dessa tendência para a acusação dos outros, parece-me muito sugestivo o seguinte comentário de um escritor brasileiro:
“Nos casos de conflitos entre pessoas [o autor está tratando do divórcio], asseveramos que a única solução, o único termo ou desenlace perfeito só pode ser atingido quando se chega à confrontação leal e verídica de um sentimento de culpa. Um desentendimento jamais poderá ser resolvido se as partes obstinadamente fogem dessa confrontação. Consegue-se um apaziguamento com evasivas, com fórmulas conciliatórias como aquela: «ninguém tem culpa»; mas só se consegue uma cura profunda e fecunda no momento em que cada parte queixosa seja capaz de um duplo ato moral: o do reconhecimento de sua culpa, na base de uma genuína humildade; e o da ciência proporcionada e justa da culpa alheia, num acto de misericórdia, predisposto ao perdão [...].

O remédio específico para os humanos desentendimentos não pode ser puramente psicológico. Há-de ser moral, e não é outro senão o ato de humildade e o acto de generosidade”

É um conselho lúcido e muito útil. Sim. Quando cambaleia ou naufraga a paz familiar, a primeira coisa que devemos fazer é deixar de lado toda e qualquer acusação, por objetiva e justa que pareça, e começar pela tarefa humilde de reconhecer as nossas culpas:
“Qual é a minha parte de culpa no mal-estar familiar?” Ninguém nos pede que assumamos toda a culpa, mas sim que comecemos por enxergá-la e aceitá-la sem desculpas, como passo prévio para conquistar ou reconquistar a paz no lar.

Depois disso, poderemos dar o segundo passo, o da ponderação serena e objetiva da culpa alheia, e então estaremos em condições de encarar essa culpa com a disposição generosa de compreender e perdoar, de corrigir e ajudar.

AS CORDAS DO CORAÇÃO

Uma comparação simples pode ajudar-nos a perceber melhor a conveniência de começar reconhecendo a nossa culpa.

O coração humano pode ser comparado a um instrumento de cordas. Imagine, se quiser, um violino, uma harpa, ou um piano, que tem cordas também.

É claro que, para extrair do instrumento uma música harmoniosa – uma sinfonia, uma rapsódia, uma sonata –, é necessário um bom intérprete. Mas não adianta dispor do melhor intérprete do mundo, se o instrumento tem as cordas soltas ou mal afinadas. Por mais que o virtuose se esforce, só conseguirá dissonâncias roucas ou estridentes, ruídos abafados, cacofonias. A primeira coisa que fazem os músicos de uma orquestra, antes que o regente levante a batuta e imponha o silêncio expectante do início do concerto, é afinar os instrumentos. Qualquer amante da música lembra-se desses barulhinhos inconfundíveis de violoncelos, violinos e contrabaixos a regular as cordas.

Pois bem, o coração também tem as suas cordas. Umas cordas que se chamam virtudes ou defeitos. São as cordas da humildade ou do orgulho, da fortaleza ou da moleza, da preguiça ou da laboriosidade, do otimismo ou do pessimismo, da generosidade ou da mesquinhez... Virtudes que soam bem, ou defeitos que soam mal.

Os outros, quer sejam amáveis ou grosseiros, quer sejam pacientes ou irritadiços, farão soar dentro do nosso coração uma nota conforme as nossas cordas. Se a corda da generosidade anda fraca, qualquer atitude da esposa, do marido, do filho ou do pai que exija algum sacrifício fará vibrar a nota desafinada do mau-humor. Pelo contrário, se o coração for grande e a corda da generosidade estiver “bem temperada”, mesmo as agressões mais desagradáveis dos outros farão ressoar a nota da compreensão, da afabilidade que desvia a discussão, da grandeza de alma que finge nem ter reparado na ofensa. E, então, haverá paz.

Vale a pena, portanto, insistir em que a primeira causa das desavenças, brigas e desarmonias, não convém buscá-la no que “os outros fazem ou dizem”, mas na maneira como isso que fazem ou dizem – quer seja bom, quer ruim – repercute no nosso coração.

Lembremo-nos do exemplo de Cristo. Ele – cujo coração de Homem-Deus tinha as cordas das virtudes divinamente afinadas – espalhava à sua volta uma paz imensa, não só quando pregava aprazivelmente nas margens do lago de Genesaré, e todos se encantavam com as suas palavras, mas também quando agonizava no alto da cruz, cercado de impropérios, zombarias e tormentos atrozes.

Do coração é que sai tudo, dizia Cristo (Mc 7, 21). Tudo depende do coração, do amor, da bondade e das virtudes que nele se enraízam. Boas virtudes são geradoras de paz.

Defeitos arraigados são provocadores de guerra.

Como entendia bem São Paulo o ensinamento de Cristo! Bastará, por ora, lembrar apenas dois trechos das suas cartas, que põem à mostra as cordas da paz e as cordas da guerra:
– Cordas da paz: Revesti-vos de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, mansidão, paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se um tiver contra outro motivo de queixa [...]. Mas, acima de tudo, revesti-vos do amor, que é o vínculo da perfeição. Triunfe em vossos corações a paz de Cristo, para a qual fostes chamados (Col 3, 12-15).

– Cordas da guerra: Nenhuma palavra má saia da vossa boca [...]. Toda a amargura, indignação, cólera, gritos, injúrias, e toda a espécie de malícia, sejam banidos dentre vós (Ef 4, 29.31).

Guerra e paz, sim. Vale a pena encará-las ambas. E, para que a nossa reflexão seja como uma escada, que vai subindo dos fundões até às cumeadas, assim como Dante começou a Divina Comédia pelo Inferno, também vamos iniciar estas simplicíssimas meditações entrando, primeiro, nos porões onde fermentam os conflitos familiares, para depois subir, contemplar com perspectiva cristã o ideal familiar, e procurar, enfim, os caminhos que podem conduzir a família à paz.

UMA DESCIDA AOS PORÕES

PRIMEIRO PORÃO: O ORGULHO O “EU” SOBRE O ALTAR

De todas as cordas desafinadas do coração, a pior é a do orgulho. Este vício capital é o primeiro inimigo da paz familiar; o orgulho que, de resto, é o inimigo número um de toda a bondade e de toda a alegria. Não é em vão que a Bíblia diz, no livro do Eclesiástico, que o orgulho é o princípio de todo o pecado (Ecli 10, 15).

Mas, o que é o orgulho?

Uma definição clássica reza assim: “O orgulho é o apetite desordenado da própria excelência”. Trocando a frase em miúdos, significa: é o desejo exorbitado de sobressair, de ficar por cima, de ser valorizado, acatado e estimado; é a ânsia de sentir-se superior aos outros, ou pelo menos nunca inferiorizado; é a incapacidade de aceitar qualquer coisa que fira o nosso amor-próprio ou rebaixe a nossa imagem.

O orgulho cega. Essa supervalorização do nosso “eu” impede-nos de enxergar a verdade sobre os nossos defeitos e culpas, porque não suportamos que essa verdade nos situe abaixo do alto conceito que fazemos de nós mesmos ou nos coloque por baixo dos outros.

Poderíamos dizer que a pessoa orgulhosa construiu um altar dentro do seu coração, onde entronizou o seu próprio “eu” como um ídolo intocável, que constantemente defende e adora. Qualquer coisa que atinja esse falso “deus”, qualquer coisa que tente questioná-lo ou ameace rebaixá-lo, provoca no orgulhoso uma reação imediata, violenta como uma descarga elétrica, ou abafada e surda (por exemplo, um mutismo sufocante, um ar carrancudo de dignidade ofendida, etc.), que acaba com a paz.

Não há dúvida de que o orgulho é a corda mais desafinada do coração.

Melhor dizendo, o orgulho é todo um conjunto de cordas desafinadas.
Procuraremos agora ouvir o som de algumas delas. Não será agradável a música, mas pode ser bom escutá-la, não, evidentemente, pelo prazer maldoso de ver retratadas nela as falhas das pessoas da nossa casa (“É o vivo retrato do meu marido”, “Acho que o autor deste livro fez a radiografia da minha mulher”, “É, chapado, o meu irmão”, “Olhe aí a cara da minha sogra”...); não, não vamos procurar esse prazer ruim... Pelo contrário, vamos tentar fazer um reconhecimento humilde dos porões escuros da nossa própria alma – das nossas cordas desafinadas –, com o intuito positivo de ajustar-lhes as cravelhas, de afinar, em suma, o instrumento poderoso que é o nosso coração e, com a ajuda de Deus, conseguir que ele vibre com notas cada vez mais puras e harmoniosas.

Vejamos, pois, essas cordas, sem pretender falar de todas, nem colocá-las numa determinada ordem de importância. Pensemos simplesmente nos atritos familiares que nos são mais conhecidos e deixemos a reflexão correr.

Facilmente salta à vista uma primeira corda bem mal ajustada: a crítica.

(cont.)