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13/06/2014

Com Maria, que fácil!

Antes, só, não podias... – Agora, recorreste à Senhora, e, com Ela, que fácil! (Caminho, 513)

Os filhos, especialmente quando são ainda pequenos, costumam pensar no que hão-de fazer por eles os seus pais, esquecendo-se das suas obrigações de piedade filial. Nós, os filhos, somos geralmente muito interesseiros, embora esta nossa conduta – já o fizemos notar – não pareça incomodar muito as mães, porque têm suficiente amor nos seus corações e querem com o melhor carinho: aquele que se dá sem esperar correspondência.

Assim acontece também com Santa Maria. (...) Hão-de doer-nos, se as encontrarmos, as nossas faltas de delicadeza com esta boa Mãe. Pergunto-vos e pergunto-me a mim mesmo: como a honramos?

Voltemos mais uma vez à experiência de cada dia, ao modo de tratar com as nossas mães na terra. Acima de tudo, que desejam dos seus filhos, que são carne da sua carne e sangue do seu sangue? O seu maior desejo é tê-los perto. Quando os filhos crescem e não é possível continuarem a seu lado, aguardam com impaciência as suas notícias, emocionam-se com tudo o que lhes acontece, desde uma ligeira doença até aos acontecimentos mais importantes.

Olhai: para a nossa Mãe, Santa Maria, jamais deixamos de ser pequenos, porque Ela nos abre o caminho até ao Reino dos Céus, que será dado aos que se tornam meninos. De Nossa Senhora nunca nos devemos afastar. Como a honraremos? Tendo intimidade com Ela, falando com Ela, manifestando-lhe o nosso carinho, ponderando no nosso coração os episódios da sua vida na terra, contando-lhes as nossas lutas, os nossos êxitos e os nossos fracassos. (Amigos de Deus, nn. 289–290)


Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira





(Coisas muito simples, curtas, objectivas)



Propósito:
Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Jesus Cristo e a Igreja 18

Pode negar-se a existência histórica de Jesus?

Na actualidade, as análises históricas mais rigorosas coincidem em afirmar com toda a certeza – inclusivamente prescindindo por completo da fé e do emprego das fontes históricas cristãs para evitar qualquer possível desconfiança – que Jesus de Nazaré existiu; viveu na primeira metade do século primeiro; era judeu; habitou a maior parte da sua vida na Galileia; formou um grupo de discípulos que o seguiram; suscitou fortes adesões e esperanças pelo que dizia e pelas acções admiráveis que realizava; esteve na Judeia e em Jerusalém pelo menos uma vez, por ocasião da festa da Páscoa; foi visto com receio por parte de alguns membros do Sinédrio e com cautela por parte da autoridade romana, pelo que no fim foi condenado à pena capital pelo procurador romano da Judeia, Pôncio Pilatos; e morreu cravado numa cruz. Depois de morto, o seu corpo foi colocado num sepulcro, mas ao fim de alguns dias, o cadáver já não estava aí.
O desenvolvimento contemporâneo da investigação histórica permite considerar como provados, pelo menos esses factos, o que não é pouco para um personagem de há vinte séculos. Não há evidências racionais que garantam com maior segurança a existência de personagens como Homero, Sócrates ou Péricles – citando apenas alguns muito conhecidos – do que a que outorgam as provas da existência de Jesus. E inclusivamente o número de dados objectivos, criticamente contrastáveis, que se têm sobre estas personagens é quase sempre muito menor.

Porém, o caso de Jesus é distinto, não apenas pela profunda marca que deixou, mas porque as informações que proporcionam as fontes históricas sobre Ele, traçam uma personalidade e apontam para acções que vão para além do imaginável e além daquilo que pode estar disposto a aceitar, quem pense que não há nada para além do visível e do comprovável experimentalmente. Os dados convidam a pensar que Ele era o Messias que haveria de vir reger o seu povo como um novo David, e mais ainda, que Jesus é o Filho de Deus feito homem.

Para acolher de verdade esse convite é necessário contar com um auxílio divino gratuito, que concede uma luz à inteligência e a capacita para perceber em toda a sua profundidade a realidade em que vive. Mas trata-se de uma luz que não desfigura essa realidade, mas que permite captá-la com todas os seus matizes reais, muitos dos quais escapam à observação ordinária. Essa é a luz da fé.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Temas para meditar 144

Reino de Deus



O Reino de Deus não tem preço, e todavia custa exactamente o que tenhas (...). A Pedro e a André custou-lhes o abandono de uma barca e de umas redes; à viúva custou-Lhe duas moeditas de prata (cf. Lc 21, 2); a outro, um copo de água fresca (cf. Mt 10, 42).


(S. gregório magnoHom. 5 sobre os evangelhos)

Tratado da lei 22

Questão 95: Da Lei humana

Art. 4 — Se Isidoro estabelece convenientemente a divisão das leis humanas ou do direito humano.

(V Ethic., lect. XII).

O quarto discute-se assim. — Parece que Isidoro estabelece inconvenientemente a divisão das leis humanas, ou do direito humano.

1. — Pois, neste direito compreende o direito das gentes, assim chamado, como ele próprio o diz, porque por eles se regem todos os povos. Ora, como diz ainda o mesmo, o direito natural é comum a todas as nações. Logo, o direito das gentes não está contido no direito positivo humano, mas antes, no direito natural.

2. Demais. — Causas que têm a mesma virtude não diferem formal, mas só, materialmente. Ora, as leis, os plebiscitos, os senatus-consultos e outras disposições legais, que o autor enumera, têm todos a mesma virtude. Logo, parece que só hão-de diferir materialmente. Ora, não se deve, na arte, levar em conta essa distinção que pode dividir-se ao infinito. Logo, é inconveniente estabelecer tal divisão das leis humanas.

3. Demais. — Como há, na cidade, príncipes, sacerdotes e soldados, há também muitos outros ofícios humanos. Logo, parece que, assim como se introduz de certo modo um direito militar e um direito público exercido pelos sacerdotes e pelos magistrados, assim também devem introduzir-se outros direitos e outros ofícios próprios da cidade.

4. Demais. — Deve-se preterir o acidental. Ora, uma lei pode, acidentalmente, ser feita por um ou outro indivíduo. Logo, é inconveniente estabelecer uma divisão das leis humanas fundada nos nomes dos legisladores, de modo que, p. ex., uma se chame Cornélia, outra, Falcídia, etc.

Mas, em contrário, basta a autoridade de Isidoro.

Uma divisão pode ser feita, essencialmente, pelo que constitui a essência do ente a ser dividido. Assim, a essência do animal compreende a alma, que pode ser racional ou irracional. Por onde, própria e essencialmente, o animal é dividido em racional e irracional, e não em branco e preto, totalmente estranhos à sua essência. Ora, há muitos elementos constitutivos da essência da lei humana, segundo os quais qualquer pode ser, própria e essencialmente, dividida.

Assim, primeiramente, é da sua essência ser derivada da lei natural, como do sobredito resulta (a. 2). E, a esta luz, o direito positivo divide-se em direito das gentes e direito civil, conforme aos dois modos porque se dá a derivação da lei natural, como já antes se disse (a. 2). Pois, ao direito das gentes pertence o que deriva da lei natural como as conclusões derivam dos princípios; tais as compras justas, vendas e outras transacções sem as quais os homens não podem ter convivência, que é de direito natural, porque o homem é um animal naturalmente social, como o prova Aristóteles. O que, porém, deriva da lei da natureza, por determinação particular, pertence ao direito civil, pelo qual cada Estado determina O que lhe é acomodado.

Em segundo lugar, da essência da lei humana é ordenar-se ao bem comum da cidade. E, a esta luz, a lei humana pode dividir-se conforme à diversidade dos que especialmente trabalham para o bem comum. Assim, os sacerdotes, orando a Deus pelo povo; os príncipes, governando o povo; e os soldados, pugnando pela salvação dele. Por onde, a estes homens se aplicam certos direitos especiais.

Em terceiro lugar, é da essência da lei humana ser instituída pelo governador da comunidade civil, como já dissemos. E assim sendo, as leis humanas distinguem-se conforme aos diversos regimes da cidade. — Dos quais um, segundo o Filósofo, se chama reino, i. é, quando a cidade é governada por um só chefe. Ao qual correspondem as constituições. Outro regime é o chamado aristocracia, que é o principado dos melhores ou optimatas. E a estes correspondem as respostas dos prudentes e também os senatus-consultos. — Outro é a oligarquia, i. é, o principado de poucos, ricos e poderosos ao qual corresponde o direito pretoriano, também chamado honorário. — Outro, ainda, é o regime do povo chamado democracia, ao qual correspondem os plebiscitos. — Outro por fim é o tirânico, absolutamente corrupto, e por isso nenhuma lei lhe corresponde. — Mas há também um regime composto de todos esses, que é o melhor. E a esse corresponde a lei, estabelecida simultaneamente pelos patrícios e pelos plebeus, como diz Isidoro.

Enfim, em quarto lugar, é da essência da lei humana ser directiva dos actos humanos. E a esta luz, conforme aos diferentes assuntos para os quais as leis foram estabelecidas, assim se distinguem as leis, às vezes denominadas pelos nomes dos seus autores. Tais são as distinções de lei Júlia, sobre os adultérios; lei Cornélia, sobre os sicários, e assim por diante, não por causa dos seus autores, mas por causa dos seus objectos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O direito das gentes, sendo racional, é, de certo modo, natural ao homem, enquanto derivado da lei natural, a, modo de conclusão não muito remota dos princípios; por isso os homens facilmente se põem de acordo relativamente a ele.

Distingue-se, contudo, do direito natural, sobretudo do que é comum a todos os animais.

Pelo que foi dito se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OUTRAS OBJECÇÕES.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (A Paciência 3)


Tempo comum Semana X

Evangelho: Mt 5, 33-37

33 «Igualmente ouvistes que foi dito aos antigos: “Não perjurarás, mas guardarás para com o Senhor os teus juramentos”. 34 Eu, porém, digo-vos que não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o trono de Deus; 35 nem pela terra, porque é o escabelo de Seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande rei. 36 Nem jurarás pela tua cabeça, pois não podes fazer branco ou preto um só dos teus cabelos. 37 Seja o vosso falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que passa disto, procede do Maligno.

Comentário:

Quem diz a verdade não tem necessidade nem de testemunhas nem de juramentos. A verdade é só uma, inteira e completa não tem cambiantes nem meias palavras.

O exemplo que Jesus Cristo que é a Verdade dá aos cristãos é mais que elucidativo.

O cristão não tem de justificar o que diz ou afirma porque todos o hão-de conhecer como pessoa veraz e de inteira confiança.

(ama, comentário sobre Mt 5, 33-37, 2014.04.16)

Leitura espiritual



Temas


A PACIÊNCIA

…/3

O egoísta é monótono. Dirige-se a Deus e aos outros, dizendo sempre: “Dá-me!” É um homem que vive para pegar, para tomar, para armazenar, para desfrutar, em suma, para obter...

O egoísta parece ter, dentro do coração, um cachorrinho obsessivo, que dia e noite late sem parar, com voz esganiçada e estridente: Eu! Eu! Eu! E, quando a voz afina: Mim! Mim! Mim!

Só que o mundo está repleto de outros cachorros iguais e lhe responde com o eco das suas próprias palavras, de modo que por toda a parte se lança contra ele o mesmo ganido: Eu! Eu! Eu!

Certamente o mundo não costuma fazer-nos a toda a hora reverências orientais nem nos estende aos pés tapetes vermelhos.

NA CONTRAMÃO DOS HOMENS E DE DEUS

Desse entrechoque de egoísmos, logicamente, hão de sair faíscas. Um encontrão! Uma cotovelada! Um “chega pra lá!” Um “eu primeiro!” Um “espere um pouco e você vai ver!” A colisão de egoísmos é inevitável, pois o meu egoísmo sempre vai na contramão do outro, e é fisicamente impossível colocar dois centros diferentes no mesmo círculo ou dois umbigos do mundo exatamente no mesmo ponto.

Estamos vendo, e parece coisa clara, que a maior parte das nossas impaciências são apenas egoísmos contrariados. Se as fôssemos examinando uma após outra, numa espécie de microscópio espiritual, acabaríamos verificando que, nelas, nas impaciências, estão todas as cores de que o egoísmo humano se tinge, quer seja a cor orgulhosa, quer a comodista, a hedonista, a sensual ou a invejosa... Todas aquelas cores do espectro em que a luz triste do egoísmo se dispersa.

Alguém já disse – sem dúvida com exagerada dureza – que o mundo é um chiqueiro de egoísmos, onde estes, em recinto fechado, se mordem e dilaceram. Algo parecido com isso é o que não tardará a descobrir, por experiência própria, quem adotar como filosofia de conduta “gozar a vida”, “passar o melhor possível”, “conseguir o máximo”, “levar vantagem em tudo”.

O pior, porém, não é que isso tudo não passe de uma ilusão trágica, decepcionante, num mundo que não nos abre alas como ao seu “príncipe”. O pior é que o egoísta, por princípio, anda sempre na contramão de Deus, e isso é muito mais sério e perigoso.

Deus só tem uma mão: o Amor. O egoísmo trafega em outro sentido. É significativo que uma condição prévia para andar na mão de Deus e para aprender o amor cristão seja esta: Quem quiser salvar a sua vida – diz Cristo – a perderá; mas quem perder a sua vida por amor de mim [quem souber sacrificá-la por amor], a salvará (cf. Mt 16, 25 e Mc 8, 35). A mão de Deus é o Amor. Sair dela é atravessar-se na estrada, e aí todas as colisões são inevitáveis.

O egoísmo colide com tudo e, além disso, tem a triste faculdade de tornar negativas todas as coisas, opondo-as a si. O egoísta, por exemplo, em vez de valer-se do temperamento da esposa para saber “como” deve amá-la, serve-se disso como motivo para humilhá-la e ofendê-la. Não pensa:
“Ela é lenta, vou estimulá-la, vou ajudá-la”. Pensa: “Ela é lenta; atrasa tudo! Não julgava que fosse tão lerda quando casei! Isto não pode continuar!” São duas maneiras opostas de reagir perante uma mesma situação. Duas maneiras que se podem dar em todas as situações. As mais belas coisas estiolam nas mãos do egoísta.

Vale a pena repisar bem a afirmação de que o nosso egoísmo é a causa fundamental dos nossos aborrecimentos. Assim como o lendário Rei Midas tinha o poder de transformar em ouro tudo o que tocava, o egoísta tem a virtude de transformar em pontas, em cacos de vidro, em navalhas e espinheiros, tudo o que não se curva aos seus desejos.

O QUE A VIDA ESPERA DE NÓS

No relato autobiográfico intitulado Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração, [1] o psiquiatra
Viktor Frankl relata o ambiente de profundo abatimento que se ia apossando do espírito de seus
companheiros de barracão, no campo de concentração nazista em que se encontravam, à medida
que as expectativas de libertação se afunilavam e o futuro aparecia cada vez mais sombrio.
Era comum ouvir-se dizer: – “Eu já não espero mais nada da vida”.
“Que resposta podemos dar a essas palavras?” – perguntava-se Frankl. E a seguir, com vibrações de descoberta, explica a nova luz que se acendeu nele e que procurou transmitir aos outros:
“Do que realmente precisamos é de uma mudança radical da nossa atitude perante a vida.

Temos que aprender nós mesmos, e depois ensinar aos desesperados, que na verdade não é importante o que nós esperamos da vida; importante é o que a vida espera de nós”.

Numa noite em que um corte de luz mergulhou os prisioneiros numa depressão ainda maior, Frankl, embora gelado e sonolento, irritado e cansado, sentiu que era preciso fazer alguma coisa para infundir ânimo àqueles pobres farrapos humanos que já desistiam da vida. Levantou-se, então, e falou. Expôs com veemente ardor a sua descoberta. E essa ideia de que a vida tem um sentido infinitamente superior ao de simplesmente satisfazer desejos, obter coisas, passar bem, gozar de boa saúde, invadiu, como um clarão de esperança, aqueles corações agoniados.

Entenderam que Deus, a esposa, os filhos, os amigos, o mundo esperavam deles (deles que pareciam animais acuados, prestes a serem levados para o matadouro) um testemunho – na vida ou na morte – de que o ser humano foi feito para algo muito maior do que comer, beber, gozar, rir na fortuna e chorar na adversidade. Deus e os outros esperavam algo que só cada um deles, com grandeza de alma, podia dar. Deus e o mundo “precisavam” de cada um deles!

Esta concepção da vida, como é óbvio, opõe-se frontalmente à atitude egoísta acima descrita. É a outra possível vertente da nossa existência. A única verdadeira. A vida só pode ser encarada como uma missão a cumprir, que nos é confiada por Deus, como uma edificação de que somos responsáveis e de que outros dependem. Não vivemos para obter; vivemos para edificar.

QUERENDO EDIFICAR UMA TORRE

O próprio Cristo utiliza a imagem da edificação para falar de nós. Diante do seu futuro, o homem é um construtor. Deus facilita-lhe o material, desvenda-lhe aos poucos as linhas mestras da “obra” a ser realizada e estende-lhe a mão para ajudá-lo na tarefa. Mas cada qual é responsável por fazer a obra bem feita. Quem de vós, se quiser edificar uma torre, não se senta primeiro e calcula...? (Lc 14, 28).

Aprofundando na imagem da edificação, Cristo diz-nos ainda como se deve fazer o cálculo, qual é a garantia de que a construção será sólida e indestrutível: Aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente que edificou a sua casa sobre rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa: ela, porém, não caiu, porque estava edificada sobre rocha (Mt 7, 24-27).

Construir sobre rocha, fazer uma edificação que nenhuma contrariedade – vento ou chuva, tremores ou enchentes – possa abalar, só se consegue quando o alicerce sobre o qual se levanta é a palavra de Cristo: Aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática...

É a palavra, é a mensagem de Cristo que indica a “mão de direcção” que Deus quer deixar sinalizada no coração dos homens: a mão do Amor. Amar a Deus de todo o coração, com toda a alma e com todas as forças; amar o próximo como a nós mesmos, mais ainda, como Cristo nos amou – ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15, 13) –, este é o alicerce, este é o pilar firmíssimo, esta é a “mão de Deus”! Quando se vai por ela, descobre-se que a única coisa que a vida e as pessoas nos estão pedindo a toda a hora é amor: amor consistente na aceitação confiante da Vontade de Deus e da sua Cruz santa; ou amor que aprenda, num crescendo que nunca termina, a compreender os outros, a desculpá-los, a perdoá-los, a servi-los, a dar-se sem cálculos nem mesquinharias.

Quando nos decidimos a enveredar por essa senda, ficamos pasmados ao perceber que cada vez há menos coisas que nos pegam na contramão e nos fazem perder a paciência. E isto é assim porque cada vez se torna menor o egoísmo que trafega em sentido contrário ao do amor.

Façamos uma pequena experiência. Escrevamos em forma de lista todas as coisas que, na última semana, nos aborreceram e mexeram com a nossa paciência. A seguir, diante de cada item, anotemos uma pergunta: que tipo de amor Deus me pedia aí? E prossigamos a experiência, imaginando: se eu tivesse vivido naquele momento o tipo certo de amor, teria havido impaciência?

A resposta seria, naturalmente, “não”. Não haveria impaciência se eu tivesse amado. Talvez possamos retrucar: “Mas é que eu não sou santo” – o que é verdade –, mas o que não poderemos dizer nunca honestamente é que ali havia uma contrariedade que o amor não podia superar.

Na realidade, todos os exercícios de paciência consistem em exercícios de amor. Conheço várias pessoas – graças a Deus conheço muita gente boa – que, ao voltarem a casa com toda a carga do cansaço do dia, vão rezando o terço no trânsito ou carregam consigo um livro de pensamentos espirituais, para lerem e meditarem uma ou outra frase ao pararem no semáforo demorado ou no engarrafamento incontornável. Ao mesmo tempo, vão espremendo os seus cansados miolos, tentando concretizar: “Que iniciativa, que detalhe, que palavra posso preparar para que a minha chegada a casa seja um motivo de alegria para a minha mulher, ou para o meu marido, e para os meus filhos?” E, assim, homens e mulheres cujo retorno ao lar era antes soturno e irritado, tornam-se – em virtude do amor a Deus e aos outros, que se esforçam por cultivar – corações pacientes, que espalham a paz e a alegria à sua volta.
(cont.)






[1] 3ª ed., Sinodal-Vozes, 1993, págs. 76 e segs.