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06/06/2014

Onde há humildade há sabedoria

"Quia respexit humilitatem ancillae suae" – porque olhou para a baixeza da sua escrava... Cada vez me persuado mais de que a humildade autêntica é a base sobrenatural de todas as virtudes. Fala com Nossa Senhora, para que Ela nos ensine a caminhar por esta senda. (Sulco, 289)

Se recorrermos à Sagrada Escritura, veremos como a humildade é um requisito indispensável para nos dispormos a ouvir Deus. Onde há humildade há sabedoria, explica o livro dos Provérbios. A humildade consiste em nos vermos como somos, sem disfarces, com verdade. E ao compreendermos que não valemos quase nada, abrimo-nos à grandeza de Deus. Esta é a nossa grandeza.

Que bem o compreendia Nossa Senhora, a Santa Mãe de Jesus, a criatura mais excelsa de todas as que existiram e hão-de existir sobre a terra! Maria glorifica o poder do Senhor, que depôs do trono os poderosos e elevou os humildes. E canta que n'Ela se realizou uma vez mais esta providência divina: porque olhou para a baixeza da sua escrava; portanto, eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada.


Maria manifesta-se santamente transformada, no seu coração puríssimo, em face da humildade de Deus: o Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. E, por isso mesmo, o Santo que há-de nascer de ti será chamado Filho de Deus. A humildade da Virgem é consequência desse abismo insondável de graça, que se opera com a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade nas entranhas da sua Mãe sempre Imaculada. (Amigos de Deus, n. 96)

Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira





(Coisas muito simples, curtas, objectivas)



Propósito:
Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Jesus Cristo e a Igreja 17

Que relações teve Jesus com o império romano?

Dentro do complexo panorama social e político do mundo em que viveu, muitas vezes crispado, chama a atenção o facto de Jesus não manifestar à partida uma rejeição aberta da dominação romana, ainda que também não a aceite acriticamente.
Um episódio significativo é mencionado pelos três evangelhos sinópticos, no qual alguns fariseus, para essa ocasião, se põem de acordo com alguns herodianos procurando apanhá-Lo com uma pergunta capciosa: «Mestre, nós sabemos que és sincero, e que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, sem dar preferência a ninguém, porque não olhas às condições das pessoas. Diz-nos, pois, o Teu parecer: é lícito ou não dar o tributo a César?» (Mt 22, 16-17).
A reacção de Jesus é bem conhecida: “Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu: «Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-Me a moeda do tributo».
Eles apresentaram-Lhe um denário. E Jesus disse-lhes: «De quem é esta imagem e esta inscrição?»
Responderam: «De César». Então disse-lhes: «Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus»“ (Mt 22, 18-21).

A resposta de Jesus transcende o horizonte humano dos seus tentadores. Está acima do sim e do não que queriam arrancar-lhe. A questão era muito insidiosa, pois tentava reduzir a atitude religiosa e transcendente de Jesus a um compromisso temporal. A pergunta, no contexto em que era apresentada, quase O obrigava a definir-Se como colaboracionista do regime que dominava a Palestina, ou como revolucionário.
Face a essa provocação, Jesus não confunde o Reino de Deus com o Estado. Por um lado, reconhece as competências do Estado na organização de tudo o que se ordena para o bem comum, como no caso da cobrança de impostos. Mas a soberania do Estado não é absoluta. No mundo romano de então, onde se tributava culto divino ao Imperador, Jesus não reconhece ao Estado essa esfera de competência: há coisas que não devem dar-se a César, mas a Deus. A instituição civil e a religiosa, segundo o ensinamento de Jesus, não devem confundir-se nem intrometer-se nas questões que não são do seu âmbito, mas harmonizar-se, respeitando cada uma as competências da outra.

A vida de muitos primeiros cristãos, cidadãos correntes que trabalhavam lado o a lado com os seus concidadãos na construção da sociedade em que viviam, mas que ofereceram o testemunho do martírio quando leis injustas pretendiam obrigá-los a não respeitar o que é de Deus, são a melhor exegese dessas palavras de Jesus.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Temas para meditar 137

Caná


O nosso Salvador foi às bodas para santificar o princípio da geração humana.




(S. cirilo de alexandriaThesaurus de sancta et consubstantiale trinitate 21)

Tratado da lei 15

Questão 93: Da lei eterna.

Art. 3 — Se toda lei deriva da lei eterna.

O terceiro discute-se assim. — Parece que nem toda lei deriva da lei eterna.

1. — Pois, há uma lei do estímulo, como já se disse (q. 91, a. 6). Ora, não deriva da lei divina, que é eterna, porque a ela pertence a prudência da carne, da qual diz o Apóstolo (Rm 8, 7), que não é sujeito da lei eterna.

2. Demais. — Nada de iníquo pode proceder da lei eterna, pois, como já se disse (a. 2 arg. 2), pela lei eterna é justo que todas as coisas sejam ordenadíssimas. Ora, certas leis são iníquas, conforme a Escritura (Is 10, 1): Ai dos que estabelecem leis iníquas. Logo, nem toda lei procede da lei eterna.

3. Demais. — Agostinho diz: A lei escrita para governar o povo permite, rectamente, muitas coisas que são castigadas pela Providência Divina. Ora, a razão da Providência Divina é a lei eterna, como já se disse (q. 93, a. 1). Logo, nem mesmo toda lei recta procede da lei eterna.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Pr 8, 15): Por mim reinam os reis, e por mim decretam os legisladores o que é justo. Ora, a razão da divina sabedoria é a lei eterna, como já se disse (a. 1). Logo, todas as leis procedem da eterna.

Como já dissemos (q. 90, a. 1, a. 2), a lei implica uma certa razão directiva dos actos para um fim. Ora, em todos os motores ordenados, é necessário que a força do motor segundo derive da força do primeiro, pois aquele não move senão enquanto movido por este. E vemos o mesmo passar-se com todos os governantes: a razão do governo deriva do primeiro governante para os segundos, assim como a razão do que deve, na cidade, ser feito, deriva do rei, por meio de um preceito, para os administradores subalternos. E também nas artes, a razão dos actos artísticos deriva do mestre-de-obras para os artífices inferiores, que obram manualmente. Donde, sendo a lei eterna a razão do governo no supremo governador, é necessário que todas as razões do governo, existentes nos governantes inferiores, derivem dela. Ora, todas essas razões dos governantes inferiores são outras leis que não a lei eterna. Portanto, todas as leis, na medida em que participam da razão recta, por isso mesmo derivam da lei eterna. E por isso Agostinho diz: Nada há de justo e legítimo, nas leis temporais, que os homens não tivessem para ido buscar si na lei eterna.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O estímulo tem no homem natureza da lei, enquanto pena resultante da divina justiça, e sendo assim é manifesto que deriva da lei eterna. Mas enquanto inclina para o pecado, contraria a lei de Deus e não tem natureza de lei, como do sobredito resulta (q. 91, a. 6).

RESPOSTA À SEGUNDA. — A lei humana tem natureza de lei, na medida em que é conforme a razão recta, e assim é manifesto, que deriva da lei eterna. Mas, na medida em que se afasta da razão, é considerada lei iníqua, e então, não tem natureza de lei, mas antes, de violência. E contudo, a própria lei iníqua, na medida em que guarda uma semelhança com a lei, pela ordem do poder de quem a fez, nessa mesma medida também deriva da lei eterna; pois, não há potestade que não venha de Deus, no dizer do Apóstolo (Rm 13, 1).

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que a lei humana permite certas coisas, não por as aprovar, mas por não poder dirigi-las. Pois, muitas das coisas dirigidas pela lei divina, não podem sê-lo pela lei humana, porque o domínio da lei superior é mais vasto que o da inferior. Donde, da mesma forma a lei humana não se intromete naquilo que não pode dirigir, provém da ordem da lei eterna. O contrário dar-se-ia se aprovasse o que a lei eterna reprova. Por isso daqui não se conclui, que a lei humana não derive da eterna, mas sim, que não pode ter perfeita conformidade com ela.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (Const. Past. Gaudium et spes)


Tempo de Páscoa
VII Semana

Evangelho: 21, 15-19

15 Depois de comerem, disse Jesus a Simão Pedro: «Simão, filho de João, amas-Me mais do que estes?». Ele respondeu: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Jesus disse-lhe: «Apascenta os Meus cordeiros». 16 Voltou a perguntar pela segunda vez: «Simão, filho de João, amas-Me?». Ele respondeu: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Jesus disse-lhe: «Apascenta as Minhas ovelhas». 17 Pela terceira vez disse-lhe: «Simão, filho de João, amas-Me?». Pedro ficou triste porque, pela terceira vez, lhe disse: «Amas-Me?», e respondeu-Lhe: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que Te amo». Jesus disse-lhe: «Apascenta as Minhas ovelhas». 18 «Em verdade, em verdade te digo: Quando tu eras mais novo, cingias-te e ias onde desejavas; mas, quando fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde tu não queres». 19 Disse isto, indicando com que género de morte havia Pedro de dar glória a Deus. Depois de assim ter falado, disse: «Segue-Me».

Comentário:

O resultado da confirmação do amor de Pedro por Jesus é o convite que o Senhor lhe faz: segue-me!

Pode seguir-se alguém que não se ame verdadeiramente?

Sim, talvez, por curiosidade ou outro motivo de igual valor, só que, satisfeito este, deixa de haver interesse em manter a atitude.

O acto, a decisão de seguir Jesus Cristo não é, não pode ser, resultar de qualquer outro motivo que não seja o amor e, mais, um amor total, inteiro, sem condições, no fim e ao cabo, o amor que Ele exige aos que O seguem.

(ama, comentário sobre Jo 21, 15-19, 2013.05.17)

Leitura espiritual



Documentos do Concílio Vaticano II

CONSTITUIÇÃO PASTORAL
GAUDIUM ET SPES
SOBRE A IGREJA NO MUNDO ACTUAL

CAPÍTULO II

A COMUNIDADE HUMANA

Respeito da pessoa humana

27. Vindo a conclusões práticas e mais urgentes, o Concílio recomenda a reverência para com o homem, de maneira que cada um deve considerar o próximo, sem excepção, como um «outro eu», tendo em conta, antes de mais, a sua vida e os meios necessários para a levar dignamente 8, não imitando aquele homem rico que não fez caso algum do pobre Lázaro 9.

Sobretudo em nossos dias, urge a obrigação de nos tornarmos o próximo de todo e qualquer homem, e de o servir efectivamente quando vem ao nosso encontro - quer seja o ancião, abandonado de todos, ou o operário estrangeiro injustamente desprezado, ou o exilado, ou o filho duma união ilegítima que sofre injustamente por causa dum pecado que não cometeu, ou o indigente que interpela a nossa consciência, recordando a palavra do Senhor: «todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt. 25,40).

Além disso, são infames as seguintes coisas: tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho; em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador.

Respeito e amor dos adversários

28. O nosso respeito e amor devem estender-se também àqueles que pensam ou actuam diferentemente de nós em matéria social, política ou até religiosa. Aliás, quanto mais intimamente compreendermos, com delicadeza e caridade, a sua maneira de ver, tanto mais fàcilmente poderemos com eles dialogar.

Evidentemente, este amor e benevolência de modo algum nos devem tornar indiferentes perante a verdade e o bem. Pelo contrário, é o próprio amor que incita os discípulos de Cristo a anunciar a todos a verdade salvadora. Mas deve distinguir-se entre o erro, sempre de rejeitar, e aquele que erra, o qual conserva sempre a dignidade própria de pessoas, mesmo quando está atingido por ideias religiosas falsas ou menos exactas 10. Só Deus é juiz e penetra os corações; por esse motivo, proíbe-nos Ele de julgar da culpabilidade interna de qualquer pessoa 11.

A doutrina de Cristo exige que também perdoemos as injúrias 12, e estende a todos os inimigos o preceito do amor, que é o mandamento da lei nova: «ouvistes que foi dito: amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Mas eu digo-vos: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam» (Mt. 5, 43-44).

Igualdade essencial entre todos os homens

29. A igualdade fundamental entre todos os homens deve ser cada vez mais reconhecida, uma vez que, dotados de alma racional e criados à imagem de Deus, todos têm a mesma natureza e origem; e, remidos por Cristo, todos têm a mesma vocação e destino divinos.

Sem dúvida, os homens não são todos iguais quanto à capacidade física e forças intelectuais e morais, variadas e diferentes em cada um. Mas deve superar-se e eliminar-se, como contrária à vontade de Deus, qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto aos direitos fundamentais da pessoa, por razão do sexo, raça, cor, condição social, língua ou religião. É realmente de lamentar que esses direitos fundamentais da pessoa ainda não sejam respeitados em toda a parte. Por exemplo, quando se nega à mulher o poder de escolher livremente o esposo ou o estado de vida ou de conseguir uma educação e cultura iguais às do homem.

Além disso, embora entre os homens haja justas diferenças, a igual dignidade pessoal postula, no entanto, que se chegue a condições de vida mais humanas e justas. Com efeito, as excessivas desigualdades económicas e sociais entre os membros e povos da única família humana provocam o escândalo e são obstáculo à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz social e internacional.

Procurem as instituições humanas, privadas ou públicas, servir a dignidade e o destino do homem, combatendo ao mesmo tempo valorosamente contra qualquer forma de sujeição política ou social e salvaguardando, sob qualquer regime político, os direitos humanos fundamentais. Mais ainda: é necessário que tais instituições se adaptem progressivamente às realidades espirituais, que são as mais elevadas de todas; embora por vezes se requeira um tempo razoavelmente longo para chegar a esse desejado fim.

Superação da ética individualista

30. A profundidade e rapidez das transformações reclamam com maior urgência que ninguém se contente, por não atender à evolução das coisas ou por inércia, com uma ética puramente individualística. O dever de justiça e caridade cumpre-se cada vez mais com a contribuição de cada um em favor do bem comum, segundo as próprias possibilidades e as necessidades dos outros, promovendo instituições públicas ou privadas e ajudando as que servem para melhorar as condições de vida dos homens. Mas há pessoas que, fazendo profissão de ideias amplas e generosas, vivem sempre, no entanto, de tal modo como se nenhum caso fizessem das necessidades sociais. E até, em vários países, muitos desprezam as leis e prescrições sociais. Não poucos atrevem-se a eximir-se, com várias fraudes e enganos, aos impostos e outras obrigações sociais. Outros desprezam certas normas da vida social, como por exemplo as estabelecidas para defender a saúde ou para regularizar o trânsito de veículos, sem repararem que esse seu descuido põe em perigo a vida própria e alheia.

Todos tomem a peito considerar e respeitar as relações sociais como um dos principais deveres do homem de hoje. Com efeito, quanto mais o mundo se unifica, tanto mais as obrigações dos homens transcendem os grupos particulares e se estendem progressivamente a todo o mundo. O que só se poderá fazer se os indivíduos e grupos cultivarem em si mesmos e difundirem na sociedade as virtudes morais e sociais, de maneira a tornarem-se realmente, com o necessário auxílio da graça divina, homens novos e construtores duma humanidade nova.

Responsabilidade e participação social

31. Para que cada homem possa cumprir mais perfeitamente os seus deveres de consciência quer para consigo quer em relação aos vários grupos de que é membro, deve-se ter o cuidado de que todos recebam uma formação mais ampla, empregando-se para tal os consideráveis meios de que hoje dispõe a humanidade. Antes de mais, a educação dos jovens, de qualquer origem social, deve ser de tal maneira organizada que suscite homens e mulheres não apenas cultos mas também de forte personalidade, tão urgentemente exigidos pelo nosso tempo.

Mal poderá, contudo, o homem chegar a este sentido de responsabilidade, se as condições de vida lhe não permitirem tornar-se consciente da própria dignidade e responder à sua vocação, empenhando-se no serviço de Deus e dos outros homens. Ora a liberdade humana com frequência se debilita quando o homem cai em extrema miséria, e degrada-se quando ele, cedendo às demasiadas facilidades da vida, se fecha numa espécie de solidão dourada. Pelo contrário, ela robustece-se quando o homem aceita as inevitáveis dificuldades da vida social, assume as multiformes exigências da vida em comum e se empenha no serviço da comunidade humana.

Deve, por isso, estimular-se em todos a vontade de tomar parte nos empreendimentos comuns. E é de louvar o modo de agir das nações em que a maior parte dos cidadãos participa, com verdadeira liberdade, nos assuntos públicos. É preciso, porém, ter sempre em conta a situação real de cada povo e o necessário vigor da autoridade pública. Mas para que todos os cidadãos se sintam inclinados a participar na vida dos vários grupos de que se forma o corpo social, é necessário que encontrem nesses grupos bens que os atraiam e os predisponham ao serviço dos outros. Podemos legitimamente pensar que o destino futuro da humanidade está nas mãos daqueles que souberem dar às gerações vindoiras razões de viver e de esperar.

O Verbo encarnado e a solidariedade humana

32. Do mesmo modo que Deus não criou os homens para viverem isolados, mas para se unirem em sociedade, assim também Lhe «aprouve... santificar e salvar os homens não individualmente e com exclusão de qualquer ligação mútua, mas fazendo deles um povo que O reconhecesse em verdade e O servisse santamente» 13. Desde o começo da história da salvação, Ele escolheu os homens não só como indivíduos mas ainda como membros duma comunidade. Com efeito, manifestando o seu desígnio, chamou a esses escolhidos o «seu povo» (Ex. 3, 7-12), com o qual estabeleceu aliança no Sinai 14.

Esta índole comunitária aperfeiçoa-se e completa-se com a obra de Jesus Cristo. Pois o próprio Verbo encarnado quis participar da vida social dos homens. Tomou parte nas bodas de Caná, entrou na casa de Zaqueu, comeu com os publicanos e pecadores. Revelou o amor do Pai e a sublime vocação dos homens, evocando realidades sociais comuns e servindo-se de modos de falar e de imagens da vida de todos os dias. Santificou os laços sociais e antes de mais os familiares, fonte da vida social; e submeteu-se livremente às leis do seu país. Quis levar a vida dum operário do seu tempo e da sua terra.

Na sua pregação claramente mandou aos filhos de Deus que se tratassem como irmãos. E na sua oração pediu que todos os seus discípulos fossem «um». Ele próprio se ofereceu à morte por todos, de todos feito Redentor. «Não há maior amor do que dar alguém a vida pelos seus amigos» (Jo. 15, 13). E mandou aos Apóstolos pregar a todos a mensagem evangélica para que a humanidade se tornasse a família de Deus, na qual o amor fosse toda a lei.

Primogénito entre muitos irmãos, estabeleceu, depois da sua morte e ressurreição, com o dom do seu Espírito, uma nova comunhão fraterna entre todos os que O recebem com fé e caridade, a saber, na Igreja, que é o seu corpo, no qual todos, membros uns dos outros, se prestam mutuamente serviço segundo os diversos dons concedidos a cada um.

Esta solidariedade deve crescer sem cessar, até se consumar naquele dia em que os homens, salvos pela graça, darão perfeita glória a Deus, como família amada do Senhor e de Cristo seu irmão.
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Notas:
8. Cfr. Tg. 2, 15-16.
9. Cfr. Lc. 16, 19-31.
10. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 299-300.
11. Cfr. Lc. 6, 37-38; Mt. 7, 1-2; Rom. 2, 1-11; 14, 10-12.
12. Cfr. Mt. 5, 45-47.
13. Cfr.. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, 9: AAS 57 (1965), p. 12-13.
14. Cfr. Ex. 24, 1-8.