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27/05/2014

Anda, voa!

Vejo-me como um pobre passarinho que, acostumado a voar apenas de árvore em árvore ou, quando muito, até à varanda de um terceiro andar..., um dia, na sua vida, meteu-se em brios para chegar até ao telhado de certa casa modesta, que não era propriamente um arranha-céus... Mas eis que o nosso pássaro é arrebatado por uma águia – que o julgou erradamente uma cria da sua raça – e, entre as suas garras poderosas, o passarinho sobe, sobe muito alto, por cima das montanhas da terra e dos cumes nevado...
..., por cima das nuvens brancas e azuis e cor-de-rosa, mais acima ainda, até olhar o sol de frente... E então a águia, soltando o passarinho, diz-lhe: anda, voa!... – Senhor, que eu não volte a voar pegado à terra, que esteja sempre iluminado pelos raios do divino Sol – Cristo – na Eucaristia, que o meu voo não se interrompa até encontrar o descanso do teu Coração! (Forja, 39)

O coração sente então a necessidade de distinguir e adorar cada uma das pessoas divinas. De certo modo, é uma descoberta que a alma faz na vida sobrenatural, como as de uma criancinha que vai abrindo os olhos à existência. E entretém-se amorosamente com o Pai e com o Filho e com o Espírito Santo; e submete-se facilmente à actividade do Paráclito vivificador, que se nos entrega sem o merecermos: os dons e as virtudes sobrenaturais!

Corremos como o veado que anseia pelas fontes da água; com sede, a boca gretada pela secura. Queremos beber nesse manancial de água viva. Sem atitudes extravagantes, mergulhamos ao longo do dia nesse caudal abundante e claro de águas frescas que saltam até à vida eterna. As palavras tornam-se supérfluas, porque a língua não consegue expressar-se; o entendimento aquieta-se. Não se discorre, olha-se! E a alma rompe outra vez a cantar um cântico novo, porque se sente e se sabe também olhada amorosamente por Deus a toda a hora.

Não me refiro a situações extraordinárias. São, podem muito bem ser, fenómenos ordinários da nossa alma: uma loucura de amor que, sem espectáculo, sem extravagâncias, nos ensina a sofrer e a viver, porque Deus nos concede a Sabedoria. Que serenidade, que paz então, metidos no caminho estreito que conduz à vida! (Amigos de Deus, nn. 306–307)


Tratado da lei 05

Questão 91: Da diversidade das leis.

Em seguida devemos tratar da diversidade das leis.

E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se há uma lei eterna.
Art. 2 — Se há em nós uma lei natural.
Art. 3 — Se há uma lei humana.
Art. 4 — Se é necessário haver uma lei divina.
Art. 5 — Se há só uma lei divina.
Art. 6 — Se há uma lei constituída pelo estímulo da sensualidade.

Art. 1 — Se há uma lei eterna.

(Infra, q. 93, a. 1).

O primeiro discute-se assim. — Parece que não há nenhuma lei eterna. 

1. — Pois, toda lei é imposta a alguém. Ora, como só Deus existe abeterno, nenhuma lei pode abeterno ter sido imposta a ninguém. Logo, nenhuma lei é eterna.

2. Demais. — A promulgação é da essência da lei. Ora, esta não poderia sê-la abeterno porque não há ninguém para tê-la promulgado abeterno. Logo, nenhuma lei pode ser eterna.

3. Demais. — A lei importa em ordenação para um fim. Ora, nada do que se ordena para um fim é eterno, porque só o último fim o é. Logo, nenhuma lei é eterna.

Mas, em contrário, Agostinho diz: A Lei, que é chamada a suma razão, não pode deixar de ser considerada imutável e eterna por todo ser inteligente.

Como já dissemos (q. 90, a. 1 ad 2; a. 3, a. 4), a lei não é mais do que um ditame da razão prática, do chefe que governa uma comunidade perfeita. Ora, supondo que o mundo seja governado pela Divina Providência, como estabelecemos na Primeira Parte (q. 22, a. 1, a. 2), é manifesto que toda a comunidade do universo é governada pela razão divina. Donde, a razão própria do governo das coisas, em Deus, que é o regedor do universo, tem a natureza de lei. E como a razão divina nada concebe temporalmente, mas tem o conceito eterno, conforme a Escritura (Pr 8, 23), é forçoso dar a essa lei a denominação de eterna.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As coisas que em si mesmas não existem, existem em Deus, enquanto por ele pré-conhecidas e pré-ordenadas, conforme a Escritura (Rm 4, 17): Que chama as coisas que não são como as que são. Assim, pois, o conceito eterno da lei divina tem a natureza de lei eterna, enquanto ordenada por Deus para o governo das coisas por ele pre-conhecidas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A promulgação faz-se verbalmente e por escrito. E de ambos os modos, a lei eterna recebe promulgação, da parte de Deus, que a promulga. Pois, é eterno o Verbo divino e eterna é a escritura do livro da vida. Mas essa promulgação não pode ser eterna por parte da criatura que a ouve ou a observa.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A lei implica, activamente, ordem para um fim, enquanto por ela certas coisas se ordenam para este. Mas não passivamente, no sentido em que a própria lei se ordena para um fim; salvo, por acidente, no governador, cujo fim está fora dele, para o qual também necessariamente há-de a sua lei se ordenar. Ora, o fim do governo divino é o próprio Deus, nem a sua lei dele difere. Portanto, a lei eterna não se ordena para outro fim.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Pequena agenda do cristão



Terça-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)

Propósito: Aplicação no trabalho.

Senhor, ajuda-me a fazer o que devo, quando devo, empenhando-me em fazê-lo bem feito para to poder oferecer.

Lembrar-me: Os que estão sem trabalho.

Senhor, lembra-te de tantos e tantas que procuram trabalho e não o encontram, provê às suas necessidades, dá-lhes esperança e confiança.

Pequeno exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?


Temas para meditar 127

Consciência


Devemos ter atenção às pequenas faltas; porque uma vez dado pouco valor a estas, advém uma espécie de embotamento na consciência, passando a haver inconsciência do mal.



(S. FILIPE DE NÉRI, The Maxim’s of St Philip Neri, F.W.Faber, Cromwell Press, nr. 12 – 37)

Evangelho diário, comentário, Leitura espiritual (Enc Mater et Magistra 2ª parte 116-142)

Tempo de Páscoa

VI Semana 


Evangelho: Jo 16, 5-11

5 «Agora vou para Aquele que Me enviou e nenhum de vós Me pergunta: Para onde vais? 6 Mas, porque vos disse estas coisas a tristeza encheu o vosso coração. 7 «Contudo, digo-vos a verdade: A vós convém que Eu vá, porque se não for, o Paráclito não virá a vós; mas, se for, Eu vo-l'O enviarei. 8 Ele, quando vier, convencerá o mundo quanto ao pecado, à justiça e ao juízo. 9 Quanto ao pecado, porque não creram em Mim; 10 quanto à justiça, porque vou para o Pai e vós não Me vereis mais; 11 quanto ao juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado.

Comentário:

«quanto à justiça, porque vou para o Pai e vós não Me vereis mais;» estranhas palavras, estas! Como pode tal ser uma coisa justa?
De facto é porque Jesus Cristo terminou a missão que o trouxe ao mundo. É, portanto, justo que volte para donde veio. Mas também é absolutamente justo que parta para que, por Sua vez, o Espírito Santo possa vir para informar e consolidar a nossa fé.

(ama, comentário sobre Jo 16, 5-11, 2012.05.15)

Leitura espiritual
Doc. do Conc. Vatic. II
CARTA ENCÍCLICA
MATER ET MAGISTRA
DE SUA SANTIDADE JOÃO XXIII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS, BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR, EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA, BEM COMO A TODO O CLERO E FIÉIS DO ORBE CATÓLICO

SOBRE A RECENTE EVOLUÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL À LUZ DA DOUTRINA CRISTÃ
SEGUNDA PARTE

A REMUNERAÇÃO DO TRABALHO

AS EXIGÊNCIAS DA JUSTIÇA QUANTO ÀS ESTRUTURAS PRODUTIVAS

A PROPRIEDADE PRIVADA

Propriedade pública

116. O que fica dito não exclui, como é óbvio, que também o Estado e outras entidades públicas possam legitimamente possuir, em propriedade, bens produtivos, especialmente quando "eles chegam a conferir tal poder económico, que não é possível deixá-lo nas mãos de pessoas privadas sem perigo do bem comum". [31] A época moderna tende para a expansão da propriedade pública: do Estado e de outras colectividades. O facto explica-se pelas funções, cada vez mais extensas, que o bem comum exige dos poderes públicos. Mas, também nesta matéria, deve aplicar-se o princípio da subsidiariedade, acima enunciado. Assim, o Estado, e, como ele, as outras entidades de direito público, não devem aumentar a sua propriedade senão na medida em que verdadeiramente o exijam motivos evidentes do bem comum, e não apenas com o fim de reduzir, e menos ainda eliminar, a propriedade privada.

117. Nem se pode esquecer que as iniciativas económicas do Estado, e das outras entidades de direito público, devem confiar-se a pessoas que juntem à competência provada, a honestidade reconhecida e um vivo sentimento de responsabilidade para com o país. Além disso, a actividade que exercem deve estar sujeita a uma vigilância atenta e constante, mesmo para evitar que, dentro da própria organização do Estado se formem núcleos de poder económico, com prejuízo do bem da comunidade, que é a sua razão de ser.

Função social

118. Outro ponto de doutrina, proposto constantemente pelos nossos predecessores, é que o direito de propriedade privada sobre os bens, possui intrinsecamente uma função social. No plano da criação, os bens da terra são primordialmente destinados à subsistência digna de todos os seres humanos, como ensina sabiamente o nosso predecessor Leão XIII na encíclica Rerum Novarum: "Quem recebeu da liberalidade divina maior abundância de bens, ou externos e corporais ou espirituais, recebeu-os para os fazer servir ao aperfeiçoamento próprio, e simultaneamente, como ministro da Divina Providência, à utilidade dos outros: 'quem tiver talento, trate de não o esconder; quem tiver abundância de riquezas, não seja avaro no exercício da misericórdia; quem souber um ofício para viver, faça participar o seu próximo da utilidade e proveito do mesmo'". [32]

119. Hoje, tanto o Estado como as entidades de direito público vão estendendo continuamente o campo da sua presença e iniciativa. Mas nem por isso desapareceu, como alguns erroneamente tendem a pensar, a função social da propriedade privada: esta deriva da própria natureza do direito de propriedade. Há sempre numerosas situações dolorosas e indigências delicadas e agudas, que a assistência pública não pode contemplar nem remediar. Por isso, continua sempre aberto um vasto campo à sensibilidade humana e à caridade cristã dos indivíduos. Observe-se por último que, para desenvolver os valores espirituais, são muitas vezes mais fecundas as múltiplas iniciativas dos particulares ou dos grupos, que a acção dos poderes públicos.

120. Apraz-nos aqui recordar como o Evangelho considera legítimo o direito de propriedade privada. Ao mesmo tempo, porém, o Divino Mestre dirige frequentemente convites instantes aos ricos para que transformem os seus bens materiais em bens espirituais, repartindo-os com os necessitados: bens que o ladrão não rouba, nem a traça ou a ferrugem destroem, e que se encontrarão aumentados nos celeiros eternos do Pai do Céu: "Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os corroem e onde os ladrões arrombam e roubam, mas juntai para vós tesouros nos céus, onde nem a traça, nem o caruncho corroem, e onde os ladrões não arrombam nem roubam" (Mt 6,19-20). E o Senhor considerará dada ou negada a si mesmo a esmola dada ou negada aos indigentes: "Todas as vezes que fizestes (estas coisas) a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim as fizestes" (Mt 25,40).


TERCEIRA PARTE

NOVOS ASPECTOS DA QUESTÃO SOCIAL

121.O avanço da história faz ressaltar cada vez mais as exigências da justiça e da equidade que não intervêm apenas nas relações entre operários e empresas ou direcção destas, mas dizem também respeito às relações entre os diversos sectores económicos, entre zonas economicamente desenvolvidas e zonas economicamente menos desenvolvidas dentro da economia nacional, e, no plano, mundial, às relações entre países desigualmente desenvolvidos em matéria económica e social.

EXIGÊNCIAS DA JUSTIÇA QUANTO ÀS RELAÇÕES ENTRE OS SECTORES PRODUTIVOS

A agricultura, sector subdesenvolvido

122. Não parece que a população rural do mundo, considerada em toda a sua extensão, tenha diminuído, em números absolutos. Apesar disso, é incontestável que se dá um êxodo das populações rurais em direcção aos centros urbanos. É um facto que se verifica em quase todos os países e algumas vezes atinge proporções enormes e cria problemas humanos complexos, difíceis de resolver.

123. Sabemos que, à medida que uma economia progride, diminui a mão-de-obra empregue na agricultura, aumenta a percentagem dos que trabalham na indústria e nos vários serviços. Pensamos, contudo, que o êxodo da população, do sector agrícola para outros sectores produtivos, não é provocado somente pelo progresso económico. Deve-se a múltiplas outras razões, como a vontade de fugir de um ambiente considerado fechado e sem futuro; a sede de novidades e aventuras, que domina a geração presente; a esperança de enriquecimento rápido; a miragem de uma vida mais livre, com os meios e facilidades que oferecem os aglomerados urbanos. Mas julgamos que não se pode duvidar de que este êxodo é também provocado pelo facto de o sector agrícola ser, quase em toda a parte, um sector deprimido, tanto no que diz respeito ao índice de produtividade da mão-de-obra, como pelo que se refere ao nível de vida das populações rurais.

124. Daí um problema de fundo, que se apresenta a quase todos os Estados: como reduzir o desequilíbrio da produtividade entre o sector agrícola, por um lado, e o scetor industrial e os vários serviços, pelo outro? Isto, para o nível de vida da população rural se distanciar o menos possível do nível de vida dos que trabalham na indústria e nos serviços; para os agricultores não sofrerem um complexo de inferioridade, antes, pelo contrário, se persuadirem de que, também no meio rural, podem afirmar e aperfeiçoar a sua personalidade pelo trabalho, e olhar confiados para o futuro.

125. Parece-nos, por isso, oportuno indicar algumas directrizes susceptíveis de contribuírem para resolver o problema. Valem, pensamos nós, qualquer que seja o ambiente histórico; contanto que sejam aplicadas, como é óbvio, da maneira e na medida que o ambiente permitir.

Adaptação dos serviços essenciais

126. Primeiramente, é indispensável que exista o empenho, sobretudo por parte dos poderes públicos, em que, nos ambientes agrícolas, se desenvolvam, como convém, os serviços essenciais: estradas, transportes, comunicações, água potável, alojamento, assistência sanitária, instrução elementar, formação técnica e profissional, boas condições para a vida religiosa, meios recreativos, e tudo o que requer a casa rural em mobiliário e modernização. Se faltarem nos meios rurais estes serviços, que hoje são elementos constitutivos de um nível de vida digno, o desenvolvimento económico e o progresso social vêm a tornar-se quase impossíveis ou demasiado lentos. Donde resulta que o êxodo da população rural se torna praticamente inevitável e dificilmente se consegue discipliná-lo.

Desenvolvimento gradual e harmonioso do sistema económico

127. É necessário também que o desenvolvimento económico da nação se realize de modo gradual e harmónico entre todos os sectores produtivos. Quer dizer, é preciso que no sector agrícola se realizem as transformações que dizem respeito às técnicas da produção, à escolha das culturas e à estruturação das empresas, conforme as permitir ou exigir a vida económica no seu conjunto; de maneira que se atinja, logo que seja possível, um nível de vida conveniente, comparado com o sector da indústria e dos vários serviços.

128. A agricultura chegará assim a absorver maior quantidade de bens industriais e a requerer serviços mais qualificados. Por sua vez, oferecerá aos outros dois sectores e à comunidade inteira produtos que melhor correspondam, em quantidade e qualidade, às exigências do consumo; e contribuirá para a estabilização da moeda, elemento positivo para o progresso ordenado do sistema económico total.

129. Deste modo, julgamos que se tornaria menos difícil regulamentar, tanto nas regiões donde parte como naquelas a que se dirige o movimento da mão-de-obra, libertada pela modernização progressiva da agricultura; e seria possível dar-lhe a formação profissional requerida para a sua proveitosa inserção nos outros sectores produtivos, bem como ajuda económica e a preparação e assistência espiritual, necessárias à sua integração na sociedade.

Política económica apropriada

130. Para se obter progresso económico harmonioso entre todos os sectores produtivos, requer-se uma política económica hábil no campo agrícola no que se refere ao regime fiscal, ao crédito, à previdência social, à defesa dos preços, ao fomento de indústrias complementares e à modernização dos estabelecimentos.

Regime fiscal

131. A distribuição dos encargos segundo a capacidade contributiva dos cidadãos é princípio fundamental de um sistema tributário justo e equitativo.

132. Mas corresponde também a uma exigência do bem comum ter presente, na distribuição tributária, que os lucros se obtêm com maior lentidão no sector agrícola e estão expostos a maiores riscos, havendo, além disso, maiores dificuldades para obter os capitais indispensáveis.

Capitais a juros convenientes

133. Pelas razões acima indicadas, os possuidores de capitais são pouco inclinados a investimentos neste sector, tendendo mais a investi-los noutros domínios. Assim, acontece que a agricultura não pode pagar juros elevados; e ordinariamente nem sequer os juros habituais, para encontrar os capitais necessários ao seu desenvolvimento e ao exercício normal das suas actividades. Por conseguinte, exige o bem comum que se aplique à agricultura uma política especial de crédito que assegure aos lavradores esses capitais a uma taxa razoável de juros.

Seguros sociais e previdência social

134. Na agricultura pode ser indispensável estabelecer dois sistemas diferentes de seguros: um, para os produtos agrícolas; e outro, para os agricultores e suas famílias. Pelo simples facto de o rendimento agrícola per capita ser geralmente inferior ao dos sectores da indústria e dos serviços públicos, não seria conforme à justiça social e à equidade estabelecer sistemas e seguros sociais ou de previdência social em que os lavradores e respectivas famílias se vissem notavelmente menos bem tratados que os sectores da indústria e dos serviços. Julgamos, porém, que a política social deve ter como objectivo proporcionar aos cidadãos um regime de seguro que não apresente diferenças notáveis, qualquer que seja o sector económico em que trabalham ou de cujos rendimentos vivem.

135. Os sistemas de seguros sociais e de previdência social podem contribuir eficazmente para uma distribuição do rendimento total de um país, segundo critérios de justiça e de equidade; e podem, portanto, considerar-se como instrumento para reduzir os desequilíbrios dos níveis de vida entre as várias categorias de cidadãos.

Defesa dos preços

136. Dada à natureza dos produtos agrícolas, é necessário aplicar-lhes uma disciplina eficaz na defesa dos preços, utilizando para tal fim os diversos recursos que hoje pode fornecer a técnica económica. Seria muito desejável que esta disciplina fosse sobretudo obra das pessoas interessadas; não pode porém dispensar-se a acção reguladora dos poderes públicos.

137. Nem se esqueça, nesta matéria, que o preço dos produtos agrícolas constitui frequentemente mais retribuição do trabalho que remuneração do capital.

138.O papa Pio XI, na encíclica Quadragesimo Anno, observa judiciosamente que para a realização do bem comum "contribui a justa proporção entre os salários"; mas acrescenta, logo a seguir: "Com ela está intimamente relacionada a proporção razoável entre os preços por que se vendem os produtos dos ramos diversos da actividade económica, como são a agricultura, a indústria e outros semelhantes". [33]

139. Verdade é que os produtos agrícolas estão destinados a prover antes de tudo às necessidades humanas primárias; por isso, devem os preços ser tais, que os tornem acessíveis a todos os consumidores. Todavia, é claro que não pode aduzir-se este motivo para forçar uma categoria inteira de cidadãos a permanecer num estado de inferioridade económica e social, privando-a de um poder de compra, indispensável a um nível de vida digno; o que seria evidentemente contrário ao bem comum.

Complemento dos rendimentos agrícolas

140. Convém promover, nas zonas agrícolas, as indústrias e os serviços de armazenagem, transformação e transporte dos produtos dos campos. É também para desejar que nessas zonas se levem a efeito iniciativas referentes aos outros sectores económicos e às outras actividades profissionais. Deste modo, oferece-se às famílias dos agricultores a possibilidade de completarem os ganhos nos mesmos ambientes em que vivem e trabalham.

Adaptação estrutural da empresa agrícola

141. Não é possível estabelecer a priori qual a estrutura que mais convém à empresa agrícola, dada a variedade dos meios rurais no interior de cada país e, mais ainda, entre os diversos países do mundo. Contudo, quando se tem um conceito humano e cristão do homem e da família, não se pode deixar de considerar como ideal a empresa que funciona como comunidade de pessoas. Desse modo as relações, entre os seus membros e estruturas, correspondem às normas de justiça e ao espírito que já indicamos. De modo particular, deve considerar-se como ideal a empresa de dimensões familiares. Nem se pode deixar de trabalhar para que uma e outra cheguem a ser realidade, de acordo com as condições ambientais.

142. É oportuno, aliás, insistir em que a empresa de dimensões familiares será viável somente se dela puder obter-se um nível de vida digno para a família. Para isso, torna-se indispensável que os cultivadores sejam instruídos, modernizados continuamente e assistidos na técnica da sua profissão. É também indispensável que eles estabeleçam ampla rede de instituições cooperativistas, estejam profissionalmente organizados, e tomem parte activa na vida pública, tanto nos organismos administrativos como nos movimentos políticos.

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Notas:
[31] Carta Encíclica Quadragesimo Anno: AAS, 23 (1931), p. 214.
[32] Acta Leonis XIII,11 (1891), p.114; EE 3.
[33] Cf. AAS, 23 (1931), p. 202; EE 5/657.