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05/05/2014

Tratado dos vícios e pecados 80

Questão 87: Do reato da pena.

Art. 3 — Se algum pecado implica o reato da pena eterna.

(III, q. 86, 8. 4; Sent., dist. XLII, q. 1, a. 5; IV, dist. XXI. q. 1, a 2, qª 3; dist. XLVI, q. 1, a. 3; III Cont. Gent., cap. CXLIII ; De Malo, q. 7. a. 10; Compend. Theol., cap. CLXXXIII ; In Matth., cap. XXV; Ad Rom., cap. II, lect. II).

O terceiro discute-se assim. — Parece que nenhum pecado implica o reato da pena eterna.

1. — Pois, a pena justa é adequada à culpa, por ser a justiça uma igualdade; donde o dizer a Escritura (Is 27, 8): tu a julgarás contrapondo uma medida a outra medida. Ora, o pecado é transitório. Logo, não implica o reato da pena eterna.

2. Demais. — As penas servem de remédios, como diz Aristóteles. Ora, nenhum remédio deve ser infinito, pois todos se ordenam para um fim; e o que se ordena a um fim não é infinito, como diz o Filósofo. Logo, nenhuma pena deve ser infinita.

3. Demais. — Ninguém faz nada senão com o fito de comprazer-se com o que faz. Ora, Deus não se compraz com a perdição dos homens, como diz a Escritura (Sb 1, 13). Logo, não os punirá com pena sempiterna.

4. Demais. — Nada do que é acidental é infinito. Ora, a pena é acidental, pois não é conforme à natureza do punido. Logo, não pode durar infinitamente.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Mt 25, 46): Estes irão para o suplício eterno. E ainda (Mc 3, 29): Mas o que blasfemar contra o Espírito Santo nunca jamais terá perdão, mas será réu de eterno delito.

Como já dissemos (a. 1), o pecado implica o reato da pena por perverter uma determinada ordem. Ora, permanecendo a causa, permanece o efeito. Portanto, enquanto subsistir a perversão da ordem, há de necessariamente subsistir o reato da pena. Ora, a perversão da ordem é, umas vezes, reparável e, outras, irreparável. Assim, a prevaricação, que elimina o princípio, é irreparável; se porém o princípio ficar salvo, poderá, por sua virtude, ser reparada a prevaricação. Do mesmo modo que, corrupto o princípio da vista, não pode ser recuperada a visão senão pela só virtude divina; se porém, salvo o princípio da vista, sobrevierem certos obstáculos à visão, esses podem ser eliminados pela natureza ou pela arte. Ora, toda ordem tem um certo princípio, pelo qual alguém vem a ser participante dela. Donde, se pelo pecado se corromper o princípio da ordem pelo qual a vontade do homem está sujeita a Deus, haverá desordem, em si mesma, irreparável, embora possa ser reparada pelo poder divino. E como o princípio desta ordem é o fim último, a que o homem adere pela caridade, todos os pecados que afastam de Deus, privando da caridade, em si mesmos implicam o reato da pena eterna.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A pena é, pelo que tem de acerbo, proporcionada ao pecado, tanto no juízo divino como no humano, conforme Agostinho. Mas nenhum juízo exige que a pena seja, na sua duração, adequada à culpa. Assim não é por ter sido um adultério ou um homicídio cometido num momento, que há-de ser punido com pena momentânea. Mas poderá sê-lo, com cárcere perpétuo ou com o exílio; ou, mesmo com a morte, em que se considera a duração da execução, mas antes, a eliminação perpétua, da sociedade dos vivos, representando assim, a seu modo, a eternidade da pena infligida por Deus. Ora, é justo, segundo Gregório, que quem pelo que tem de eterno, pecou contra Deus seja punido na eternidade de Deus. E diz-se que alguém pecou pelo que tem de eterno, não só quanto à continuação do acto, a perdurar durante toda a vida, mas também porque quem constituiu como fim o pecado tem a vontade de pecar eternamente. E por isso, diz Gregório, os maus quereriam viver sem fim para poderem sem fim permanecer na iniquidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Mesmo a pena infligida pelas leis humanas nem sempre é para a correcção do punido, mas sim, dos outros. Assim, o ladrão é enforcado, não para se emendar, mas para os outros se absterem de pecar, ao menos pelo temor da pena, conforme a Escritura (Pr 19, 25): Castigado o pestilento, tornar-se-á mais sábio o insensato. Assim também as penas eternas dos réprobos, infligidas por Deus, são correctivas para os que, considerando nelas, se abstêm do pecado, conforme a Escritura (Sl 59, 6): Destes aos que te temem um sinal, para que fugissem da face do arco, e que se livrassem os teus amados.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Deus não se compraz com as penas em si mesmas; mas, em ordem à sua justiça, que as exige.

RESPOSTA À QUARTA. — Embora acidentalmente, a pena se ordene à natureza, em si mesma contudo ordena-se à privação da ordem e à justiça de Deus. Por isso, enquanto perdurar a desordem, sempre há-de perdurar a pena.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Não te assustes ao veres-te tal como és

Não necessito de milagres; bastam-me os que há na Escritura. – Pelo contrário, faz-me falta o teu cumprimento do dever, a tua correspondência à graça. (Caminho, 362)

Repitamos com a palavra e com as obras: Senhor, confio em Ti, basta-me a tua providência ordinária, a tua ajuda de cada dia. Não temos por que pedir a Deus grandes milagres. Temos de lhe suplicar, pelo contrário, que aumente a nossa fé, que ilumine a nossa inteligência, que fortaleça a nossa vontade. Jesus está sempre junto de nós e permanece fiel.

Desde o começo da minha pregação, preveni-vos contra um falso endeusamento. Não te assustes ao veres-te tal como és: assim, feito de barro. Não te preocupes. Porque, tu e eu somos filhos de Deus, – este é o endeusamento bom – escolhidos desde a eternidade, com uma vocação divina: escolheu-nos o Pai, por Jesus Cristo, antes da criação do mundo, para que sejamos santos diante dele. Nós, que somos especialmente de Deus, seus instrumentos apesar da nossa pobre miséria pessoal, seremos eficazes se não perdermos o conhecimento da nossa fraqueza. As tentações dão-nos a dimensão da nossa própria fraqueza.


Se sentimos desalento ao experimentar – talvez de um modo particularmente vivo – a nossa mesquinhez, é o momento de nos abandonarmos por completo, com docilidade, nas mãos de Deus. Conta-se que, certo dia, um mendigo saiu ao encontro de Alexandre Magno, pedindo uma esmola. Alexandre parou e ordenou que o fizessem senhor de cinco cidades. O pobre, confundido e atordoado, exclamou: eu não pedia tanto! E Alexandre respondeu: tu pediste como quem és; eu dou-te como quem sou. (Cristo que passa, 160)

As sete palavras de Cristo na Cruz 5

Capítulo 1: Explicação literal da Primeira Palavra: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.» 4

Todas estas desgraças foram preditas por Nosso Senhor nas parábolas do vinhateiro que contratou obreiros para sua vinha, do rei que fez uma boda para seu filho, da figueira estéril, e, mais claramente, quando chorou pela cidade no Domingo de Ramos. A oração de Nosso Senhor foi também escutada se é que fazia referência ao crime dos judeus, pois obteve para muitos a graça da compunção e da reforma da vida. Houve alguns que “retiravam-se, batendo no peito” 7. Houve o centurião que disse “Na verdade este era filho de Deus” 8. E houve muitos que algumas semanas depois se converteram pela pregação dos Apóstolos, e confessaram Aquele que tinham negado, adoraram Aquele que tinham desprezado. Mas a razão por que a graça da conversão não foi outorgada a todos é que a vontade de Cristo se conforma à sabedoria e à vontade de Deus, que São Lucas manifesta quando nos diz nos Atos dos Apóstolos: “E creram todos os que eram predestinados para a vida eterna” 9.

“Perdoai-Lhes”. Esta palavra é aplicada a todos por cujo perdão Cristo orou. Em primeiro lugar é aplicada àqueles que realmente pregaram Cristo na Cruz, e repartiram seus vestidos lançando sortes. Pode ser também estendida a todos os que foram causa da Paixão de Nosso Senhor: a Pilatos, que pronunciou a sentença; às pessoas que gritaram: “Seja crucificado. [...] Seja crucificado” 10; aos sumos-sacerdotes e escribas que falsamente o acusaram, e, para ir mais longe, ao primeiro homem e a toda a sua descendência, que por seus pecados ocasionaram a morte de Cristo. E assim, de sua Cruz, Nosso Senhor orou pelo perdão de todos os seus inimigos. Cada um, porém, se reconhecerá a si mesmo entre os inimigos de Cristo, de acordo com as palavras do Apóstolo: “sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho” 11. Portanto, nosso Sumo Sacerdote, Cristo, fez uma comemoração para todos nós, até antes de nosso nascimento, naquele sacratíssimo “Memento”, se assim o posso dizer, que Ele fez no primeiro Sacrifício da Missa que celebrou no altar da Cruz. Que retribuição, ó alma minha, farás ao Senhor por tudo o que fez por ti, ainda antes de que fosses? Nosso amado Senhor viu que tu também algum dia estarias nas fileiras de Seus inimigos, e, conquanto não o tivesses pedido, nem o tivesses buscado, Ele orou por ti a Seu Pai, para que não carregasse sobre ti a falta cometida por ignorância. Não te importa, portanto, ter em conta tão doce Protector, e fazer todo o esforço por servi-Lo fielmente em tudo? Não é justo que com tal exemplo diante de ti aprendas não só a perdoar a teus inimigos com facilidade, e a orar por eles, mas até a atrair quantos possas a fazer o mesmo? É justo, e isto desejo e tenho o propósito de fazer, com a condição de que Aquele que me deu tão brilhante exemplo me dê também em sua bondade a ajuda suficiente para realizar tão grande obra.

são roberto belarmino

(Tradução: Permanência, revisão ama).
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Notas:
7. Lc 23,48.
8. Mt 27,54.
9. Atos 13,48.
10. Mt 27,23.
11. Rom 5,10.


Pequena agenda do cristão


Segunda-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)

Propósito: Sorrir; ser amável; prestar serviço.

Senhor que eu faça ‘boa cara’, que seja alegre e transmita aos outros, principalmente em minha casa, boa disposição.

Senhor que eu sirva sem reserva de intenção de ser recompensado; servir com naturalidade; prestar pequenos ou grandes serviços a todos mesmo àqueles que nada me são. Servir fazendo o que devo sem olhar à minha pretensa “dignidade” ou “importância” “feridas” em serviço discreto ou desprovido de relevo, dando graças pela oportunidade de ser útil.

Lembrar-me: Papa, Bispos, Sacerdotes.

Que o Senhor assista e vivifique o Papa, santificando-o na terra e não consinta que seja vencido pelos seus inimigos.

Que os Bispos se mantenham firmes na Fé, apascentando a Igreja na fortaleza do Senhor.

Que os Sacerdotes sejam fiéis à sua vocação e guias seguros do Povo de Deus.

Pequeno exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?


Diálogos apostólicos 14


Nota: Normalmente, estes “Diálogos apostólicos”, são publicados sob a forma de resumos e excertos de conversas semanais. Hoje, porém, dado o assunto, pareceu-me de interesse publicar quase na íntegra.


Andas abatido, bem o noto, e é bem visível que algo te preocupa.

‘Olha, não deixes que o quer que seja, te desvie do teu caminho.
Tenta enquadrar as coisas e pô-las com toda a simplicidade nas mãos de Cristo e, com igual simplicidade, diz-lhe: ‘Senhor, com isto... que faço?’
Ele fará com que, dentro de ti, encontres a solução’.

Ficaste a pensar…

Decididamente, resolvi desafiar-te: ‘Está na altura de ir um pouco mais longe no teu “plano de vida”.

Que te parece: acrescentamos a participação mais amiúde na Santa Missa?


Pensa no assunto.’

Temas para meditar 96

Amor


Quanto te amo, Senhor, minha fortaleza, meu refúgio, minha liberdade! (Sal. 17, 2-3) És O mais desejado e amável que pode imaginar-se. Deus meu ajuda minha! Amar-te-ei segundo mo concedas e eu possa, muito menos que o devido, mas não menos que o que possa. Poderei mais se aumentas a minha capacidade, mas nunca chegarei ao que mereces.


(s. francisco de salesTratado sobre o Amor de Deus, VI, 16)

Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (Eucaristia)


Tempo de Páscoa
III Semana
Evangelho: Jo 6, 22-29

22 No dia seguinte, a multidão, que tinha ficado do outro lado do mar, advertiu que não havia ali mais que uma barca e que Jesus não tinha entrado nela com os Seus discípulos, mas que os Seus discípulos tinham partido sós. 23 Entretanto, arribaram de Tiberíades outras barcas perto do lugar onde haviam comido o pão, depois de o Senhor ter dado graças. 24 Tendo, pois, a multidão visto que lá não estava nem Jesus nem os Seus discípulos, entrou naquelas barcas e foi a Cafarnaum em busca de Jesus. 25 Tendo-O encontrado do outro lado do mar, disseram-lhe: «Mestre, quando chegaste aqui?». 26 Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Vós buscais-Me não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados. 27 Trabalhai não pela comida que perece, mas pela que dura até à vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Porque n'Ele imprimiu Deus Pai o Seu selo». 28 Eles, então, disseram-Lhe: «Que devemos fazer para praticar as obras de Deus?». 29 Jesus respondeu: «A obra de Deus é esta: Que acrediteis n'Aquele que Ele enviou».

Comentário:

«Mestre, quando chegaste aqui?». Esta pergunta tem sido repetida ao longo dos tempos porque, de facto, não nos damos conta que, o Senhor, não chega como não parte de nenhum lugar.

Ele está sempre presente em todos os lugares onde O queiramos encontrar.

Vamos à Sua procura e temos - sempre - a certeza que O encontraremos porque, Ele, nunca se faz "desencontrado" bem pelo contrário, quer ver-nos, estar connosco, conversar intimamente, ouvir-nos com paciente disponibilidade, sossegar as nossas inquietações, ajudar-nos nas nossas fragilidades.

Não! Cristo não anda de um lugar para outro porque...É! E, como ser e estar significam o mesmo, então, Aquele que É, é igualmente Aquele que Está!

(ama, comentário sobre Jo 6, 22-29, 2011.05.09)



Leitura espiritual



Temas



Eucaristia


A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, a actualização do seu único sacrifício, na liturgia da Igreja.

A Eucaristia (I)

1. Natureza sacramental da Santíssima Eucaristia

1.1. O que é a Eucaristia?

A Eucaristia é o sacramento que torna presente, na celebração litúrgica da Igreja, a Pessoa de Jesus Cristo (Cristo total: Corpo, Sangue, Alma e Divindade) e o seu sacrifício redentor, na plenitude do Mistério Pascal, da sua paixão, morte e ressurreição. Esta presença não é estática ou passiva (como a de um objecto num lugar), mas activa, porque o Senhor Se torna presente com o dinamismo do seu amor salvador: na Eucaristia Ele convida-nos a acolher a salvação que nos oferece e a receber o dom do seu Corpo e do seu Sangue como alimento de vida eterna, permitindo-nos entrar em comunhão com Ele – com a sua Pessoa e o seu sacrifício – e em comunhão com todos os membros do seu Corpo Místico que é a Igreja.

Com efeito, como afirma o Concílio Vaticano II, «O nosso Salvador instituiu na última Ceia, na noite em que foi entregue, o Sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até Ele voltar, o Sacrifício da cruz, confiando à Igreja, sua esposa amada, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é concedido o penhor da glória futura» 1.

1.2. Os nomes com que se designa este sacramento

A Eucaristia é denominada, tanto pela Sagrada Escritura como pela Tradição da Igreja, com diversos nomes, que reflectem os múltiplos aspectos deste sacramento e expressam a sua incomensurável riqueza, mas nenhum esgota o seu sentido. Vejamos os mais significativos:

a) Alguns nomes recordam a origem do rito: Eucaristia 2, Fracção do Pão, Memorial da paixão, morte e ressurreição do senhor, Ceia do Senhor.

b) Outros sublinham o carácter sacrificial da Eucaristia: Santo Sacrifício, Santo Sacrifício da Missa, Sacramento do Altar, Hóstia (=Vítima imolada).

c) Outros tentam expressar a realidade da presença de Cristo sob as espécies consagradas: Sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo, Pão do Céu (cf. Jo 6, 32-35; Jo 6, 51-58), Santíssimo Sacramento (porque contém o Santo dos Santos, a própria santidade de Deus encarnado).

d) Outros referem-se aos efeitos causados pela Eucaristia em cada fiel e em toda a Igreja: Pão da Vida, Pão dos Filhos, Cálice de Salvação, Viático (para que não desfaleçamos no caminho para Casa), Comunhão. Este último nome indica que mediante a Eucaristia nos unimos a Cristo (comunhão pessoal com Cristo) e a todos os membros do seu Corpo Místico (comunhão eclesial em Jesus Cristo).

e) Outros designam toda a celebração eucarística com o termo que indica, no rito latino, a despedida dos fiéis depois da comunhão: Missa, Santa Missa.

Entre todos estes nomes o termo Eucaristia é o que tem prevalecido cada vez mais na Igreja do Ocidente, até se tornar a expressão comum com que se designa tanto a acção litúrgica da Igreja, que celebra o memorial do Senhor, como o sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo.

No Oriente a celebração eucarística, sobretudo a partir do século X, é designada habitualmente pela expressão Santa e Divina Liturgia.

1.3. A Eucaristia na ordem sacramental da Igreja

«O amor da Trindade pelos homens faz com que, da presença de Cristo na Eucaristia, nasçam para a Igreja e para a humanidade todas as graças» 3. A Eucaristia é o sacramento mais excelso, porque nele «está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo» 4. Os outros sacramentos, embora possuam uma virtude santificadora que provém de Cristo, não são como a Eucaristia, que torna verdadeiramente presente, real e substancialmente a própria Pessoa de Cristo – o Filho encarnado e glorificado do Pai Eterno –, com a potência salvífica do seu amor redentor, para que os homens possam entrar em comunhão com Ele e vivam por Ele e n’Ele (cf. Jo 6, 56, 57).

Além disso, a Eucaristia constitui o cume para o qual convergem todos os outros sacramentos em ordem ao crescimento espiritual de cada um dos crentes e de toda a Igreja. Neste sentido, o Concílio Vaticano II afirma que a Eucaristia é «fonte e centro de toda a vida cristã», o centro da vida da Igreja 5. Todos os outros sacramentos e todas as obras da Igreja ordenam-se à Eucaristia porque o seu fim é conduzir os fiéis à união com Cristo, presente neste sacramento (cf. Catecismo, 1324).

Embora contenha Cristo, fonte através da qual a vida divina chega à humanidade, e ainda sendo o fim para o qual se ordenam os outros sacramentos, a Eucaristia não substitui nenhum deles (nem o Baptismo, nem a Confirmação, nem a Penitência, nem a Unção dos Doentes), e só pode ser consagrada por um ministro validamente ordenado. Cada sacramento tem o sue papel no conjunto sacramental e na vida da própria Igreja. Neste sentido, a Eucaristia considera-se o terceiro sacramento da iniciação cristã. Desde os primeiros séculos do cristianismo que o Baptismo e a Confirmação foram considerados como preparação para a participação na Eucaristia, como disposições para se poder entrar em comunhão sacramental com o Corpo de Cristo e o seu sacrifício, e para inserir-se mais vitalmente no mistério de Cristo e da sua Igreja.

2. A promessa da Eucaristia e a sua instituição por Jesus Cristo

2.1. A promessa

O Senhor anunciou a Eucaristia durante a sua vida pública, na Sinagoga de Cafarnaum, perante aqueles que O tinham seguido depois de serem testemunhas do milagre da multiplicação dos pães, com que saciou a multidão (cf. Jo 6, 1-13). Jesus aproveitou aquele sinal para revelar a sua identidade e a sua missão, e para prometer a Eucaristia: «”Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu, mas é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do Céu, pois o pão de Deus é aquele que desce do Céu e dá a vida ao mundo.” Disseram-lhe então: “Senhor, dá-nos sempre desse pão!” Respondeu-lhes Jesus: “Eu sou o pão da vida… Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo… Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia, porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim”» (cf. Jo 6, 32-35, 51, 54-57).

2.2. A instituição e o seu contexto pascal

Jesus Cristo instituiu este sacramento na Última Ceia. Os três Evangelhos sinópticos (cf. Mt 26,17-30; Mc 14,12-26; Lc 22,7-20) e S. Paulo (cf. 1 Cor 11,23-26) transmitiram-nos o relato da sua instituição. Eis aqui a síntese da narração que o Catecismo da Igreja Católica nos oferece: «Veio o dia dos Ázimos, em que devia imolar-se a Páscoa. Jesus enviou então a Pedro e a João, dizendo: "Ide preparar-nos a Páscoa, para que a possamos comer".... Partiram pois,... e prepararam a Páscoa. Ao chegar a hora, Jesus tomou lugar à mesa, e os Apóstolos com Ele. Disse-lhes então: "Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de padecer. Pois vos digo que não voltarei a comê-la, até que ela se realize plenamente no Reino de Deus". ... Depois, tomou o pão e, dando graças, partiu-o, deu-lho e disse-lhes: "Isto é o Meu corpo, que vai ser entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim". No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice e disse: "Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós"» (Catecismo, 1339). Jesus celebrou pois a Última Ceia no contexto da Páscoa judaica, mas a Ceia do Senhor possui uma novidade absoluta: no centro não se encontra o cordeiro da Antiga Páscoa, mas o próprio Cristo, o seu Corpo entregue (oferecido em sacrifício ao Pai, a favor dos homens)… e o seu Sangue derramado por muitos para a remissão dos pecados (cf. Catecismo, 1339). Podemos pois dizer que Jesus, mais do que celebrar a Antiga Páscoa, anunciou e realizou – antecipando-a sacramentalmente – a Nova Páscoa.

2.3. Significado e conteúdo do mandato do Senhor

O preceito explícito de Jesus: «fazei isto em memória de mim» como meu memorial (Lc 22, 19; 1Cor 11, 24-25), evidencia o carácter propriamente institucional da Última Ceia. Com este mandato, pede-nos que correspondamos ao seu dom e que o representemos sacramentalmente (que o voltemos a realizar, que reiteremos a sua presença: a presença do seu Corpo entregue e do seu Sangue derramado, ou seja, do seu sacrifício em remissão dos nossos pecados).

- «Fazei isto». Deste modo designou aqueles que poderiam celebrar a Eucaristia (os Apóstolos e os seus sucessores no sacerdócio), confiou-lhes a potestade de a celebrar e determinou os elementos fundamentais do rito: os mesmos que Ele empregou. Assim, na celebração da Eucaristia é necessária a presença do pão e do vinho, da oração de acção de graças e de bênção, da consagração dos dons no Corpo e Sangue do Senhor, da distribuição e comunhão deste Santíssimo Sacramento.

- «Em memória de mim» como meu memorial. Deste modo, Cristo ordenou aos Apóstolos (e neles aos seus sucessores no sacerdócio), que celebrassem um novo “memorial”, que substituísse o da Antiga Páscoa. Este rito memorial tem uma particular eficácia: não só ajuda a “recordar” à comunidade crente o amor redentor de Cristo, as suas palavras e gestos durante a Última Ceia, mas que, além disso, como sacramento da Nova Lei, torna objectivamente presente a realidade significada: Cristo “Nossa Páscoa” (1 Cor 5, 7), e o seu sacrifício redentor.

3. A celebração litúrgica da Eucaristia

A Igreja, obediente ao mandato do Senhor, celebrou a seguir a Eucaristia em Jerusalém (cf. Act 2,42-48), em Tróade (cf. Act 20,7-11) em Corinto (cf. 1 Cor 10,14,21; 1 Cor 11, 20-34), e em todos os lugares onde haveria de chegar o cristianismo. «Era sobretudo “no primeiro dia da semana”, isto é, no dia de domingo, dia da ressurreição de Jesus, que os cristãos se reuniam “para partir o pão” (Act 20, 7). Desde esses tempos até aos nossos dias, a celebração da Eucaristia perpetuou-se, de maneira que hoje a encontramos em toda a parte na Igreja com a mesma estrutura fundamental» (Catecismo, 1343).

3.1. A estrutura fundamental da celebração

Fiel ao mandato de Jesus, a Igreja, guiada pelo «Espírito de Verdade» (Jo 16, 13), que é o Espírito Santo, quando celebra a Eucaristia não faz outra coisa senão conformar-se com o rito realizado pelo Senhor na Última Ceia. Os elementos essenciais das sucessivas celebrações eucarísticas não podem ser outros senão os da Eucaristia originária, ou seja:

a) A assembleia dos discípulos de Cristo, por Ele convocada e reunida à sua volta.

b) A realização do novo rito memorial.

A assembleia eucarística

Logo nos começos da vida da Igreja, a assembleia cristã que celebra a Eucaristia manifesta-se hierarquicamente estruturada: normalmente é constituída pelo bispo ou por um presbítero (que preside sacerdotalmente à celebração eucarística e actua in persona Christi Capitis Ecclesiae), pelo diácono, por outros ministros e pelos fiéis, unidos pelo vínculo da fé e do baptismo. Todos os membros desta assembleia são chamados a participar consciente, devota e activamente na liturgia eucarística, cada um segundo o seu modo próprio: o sacerdote celebrante, o diácono, os leitores, «os que trazem as oferendas, os que distribuem a comunhão e todo o povo cujo Ámen manifesta a participação» (Catecismo, 1348). Assim, cada um deverá cumprir o que é próprio do seu ministério, sem que haja confusão entre o sacerdócio ministerial, o sacerdócio comum dos fiéis, o ministério do diácono e de outros possíveis ministros.

O papel do sacerdócio ministerial na celebração da Eucaristia é essencial. Só o sacerdote validamente ordenado pode consagrar a Santíssima Eucaristia, pronunciando in in persona Christi (quer dizer, na identificação específica sacramental com o Sumo e Eterno Sacerdote, Jesus Cristo), as palavras da consagração (cf. Catecismo, 1369). Por outro lado, nenhuma comunidade cristã tem capacidade para se atribuir por si só o ministério ordenado. «Este é um dom que ela recebe através da sucessão episcopal que remonta aos Apóstolos. É o Bispo que constitui, pelo sacramento da Ordem, um novo presbítero, conferindo-lhe o poder de consagrar a Eucaristia» 6.

O desenrolar da celebração

A acção do rito memorial desenrola-se, desde as origens da Igreja, em dois grandes momentos, que formam um só acto de culto: a “Liturgia da Palavra” (que compreende a proclamação e a escuta-acolhimento da Palavra de Deus) e a “Liturgia Eucarística” (que compreende a apresentação do pão e do vinho, a anáfora ou oração eucarística – com as palavras da consagração – e a comunhão. Estas duas partes principais estão delimitadas pelos ritos de introdução e de conclusão (cf. Catecismo, 1349-1355). Ninguém pode tirar ou acrescentar a seu bel-prazer nada do que foi estabelecido pela Igreja na Liturgia da Santa Missa 7.

A constituição do signo sacramental

Os elementos essenciais e necessários para constituir o signo sacramental da Eucaristia são: por um lado, o pão de farinha de trigo 8 e o vinho 9 de uvas; e, por outro lado, as palavras consecratórias, que o celebrante pronuncia in persona Christi, no contexto da «Oração Eucarística». Graças à virtude das palavras do Senhor e à potência do Espírito Santo, o pão e o vinho convertem-se em signos eficazes, com plenitude ontológica e não apenas de significado, da presença do “Corpo entregue” e do “Sangue derramado” de Cristo, ou seja, da sua Pessoa e do seu sacrifício redentor (cf. Catecismo, 1333 e 1375).

Ángel Garcia Ibáñez
2012/09/20

Bibliografia Básica:
Catecismo da Igreja Católica, 1322-1355.
João Paulo II II, Enc. Ecclesia de Eucharistia, 17-IV-2003, nn. 11-20; 47-52.
Bento XVI, Ex. ap. Sacramentum Caritatis, 22-II-2007, nn. 6-13; 16-29; 34-65.
Congregação para o Culto Divino e a disciplina dos Sacramentos, Instrução Redemptionis Sacramentum, 25-III-2004, nn. 48-79.

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Notas:
1 Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 47.
2 O termo eucaristia significa acção de graças, e remete para as palavras de Jesus Cristo na Última Ceia: «Tomou, então, o pão e, depois de dar graças quer dizer, pronunciou uma oração eucarística e de louvor a Deus Pai, partiu-o e distribuiu-o por eles, dizendo…» (Lc 22, 19; cf. 1 Cor 11, 24).
3 S. Josemaria, Cristo que Passa, 86.
4 Concílio Vaticano II, Presbyterorum Ordinis, 5.
5 Cf. Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, 11.
6 João Paulo II, Enc. Ecclesia Eucharistia, 29.
7 Cf. Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 22; Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instrução Redemptionis Sacramentum, 14-18.
8 Cf. Missal Romano, Instituto generalis, n. 320. No rito latino deve ser pão ázimo, isto é, não fermentado; cf. Ibidem.
9 Cf. Missal Romano, Instituto generalis, n. 319. Na Igreja latina, ao vinho acrescenta-se um pouco de água; cf. Ibidem. As palavras que o sacerdote pronuncia ao deitar água no vinho, manifestam o sentido deste rito: «Pelo mistério desta água e deste vinho sejamos participantes da divindade d’Aquele que assumiu a nossa humanidade» (missal Romano, Ofertório). Para os Padres da Igreja este rito significa também a união da Igreja com Cristo no sacrifício eucarístico; cf. S. Cipriano, Ep. 63, 13: CSEL 3, 711.