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30/04/2014

Pequena agenda do cristão

Quarta-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)

Propósito: Simplicidade e modéstia.

Senhor, ajuda-me a ser simples, a despir-me da minha “importância”, a ser contido no meu comportamento e nos meus desejos, deixando-me de quimeras e sonhos de grandeza e proeminência.

Lembrar-me: Do meu Anjo da Guarda.

Senhor, ajuda-me a lembrar-me do meu Anjo da Guarda, que eu não despreze companhia tão excelente. Ele está sempre a meu lado, vela por mim, alegra-se com as minhas alegrias e entristece-se com as minhas faltas.

Anjo da minha Guarda, perdoa-me a falta de correspondência ao teu in-
teresse e protecção, a tua disponibilidade permanente. Perdoa-me ser
tão mesquinho na retribuição de tantos favores recebidos.

Pequeno exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?

Vidas de Santos

S. PIO V, papa 30  Abril

Nota Histórica   

Nasceu perto de Alessândria (Itália) no ano 1504. Entrou na Ordem dos Pregadores e ensinou Teologia. Consagrado bispo e elevado a cardeal, foi finalmente eleito papa em 1566. Continuou decididamente a reforma da Igreja, iniciada no Concílio Tridentino, promoveu a propagação da fé e reformou o culto divino. Morreu no dia 1 de Maio de 1572.


Ressurreição

Ressuscitou! – Jesus ressuscitou. Não está no sepulcro. A Vida pôde mais do que a morte. Apareceu a Sua Mãe Santíssima. – Apareceu a Maria de Magdala, que está louca de amor. – E a Pedro e aos demais Apóstolos. – E a ti e a mim, que somos Seus discípulos e mais loucos do que Madalena! Que coisas Lhe dissemos!

Que nunca morramos pelo pecado; que seja eterna a nossa ressurreição espiritual. – E, antes de terminar a dezena, beijaste as chagas dos Seus pés... e eu, mais atrevido, – por ser mais criança – pus os meus lábios no Seu lado aberto. (Santo Rosário, 1º mistério de glória)

O dia do triunfo de Nosso Senhor, da sua Ressurreição, é definitivo. Onde estão os soldados que a autoridade tinha posto? Onde estão os selos que tinham colocado sobre a pedra de sepulcro? Onde estão os que condenaram o Mestre? Onde estão os que crucificaram Jesus?... Ante a sua vitória, produz-se a grande fuga dos pobres miseráveis. Enche-te de esperança: Jesus Cristo vence sempre. (Forja, 660)

Instaurare omnia in Christo, é o lema que S. Paulo dá aos cristãos de Éfeso: dar forma a tudo segundo o espírito de Jesus; colocar Cristo na entranha de todas as coisas: Si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum: quando Eu for levantado sobre a terra, tudo atrairei a mim. Cristo, com a sua Encarnação, com a sua vida de trabalho em Nazaré, com a sua pregação e os seus milagres por terras da Judeia e da Galileia, com a sua morte na Cruz, com a sua Ressurreição, é o centro da Criação, Primogénito e Senhor de toda a criatura.

A nossa missão de cristãos é proclamar essa Realeza de Cristo; anunciá-la com a nossa palavra e com as nossas obras. O Senhor quer os seus em todas as encruzilhadas da Terra. A alguns, chama-os ao deserto, desentendidos das inquietações da sociedade humana, para recordarem aos outros homens, com o seu testemunho, que Deus existe. Encomenda a outros o ministério sacerdotal. À grande maioria, o Senhor quere-a no mundo, no meio das ocupações terrenas. Estes cristãos, portanto, devem levar Cristo a todos os ambientes em que se desenvolve o trabalho humano: à fábrica, ao laboratório, ao trabalho do campo, à oficina do artesão, às ruas das grandes cidades e às veredas da montanha.


Gosto de recordar a este propósito o episódio da conversa de Cristo com os discípulos de Emaús. Jesus caminha junto daqueles dois homens que perderam quase toda a esperança, de modo que a vida começa a parecer-lhes sem sentido. Compreende a sua dor, penetra nos seus corações, comunica-lhes algo da vida que Nele habita. Quando, ao chegar àquela aldeia, Jesus faz menção de seguir para diante, os dois discípulos retêm-No e quase O forçam a ficar com eles. Reconhecem-No depois ao partir o pão: – O Senhor, exclamam, esteve connosco! Então disseram um para o outro: Não é verdade que sentíamos abrasar-se-nos o coração dentro de nós enquanto nos falava no caminho e nos explicava as Escrituras? Cada cristão deve tornar Cristo presente entre os homens; deve viver de tal maneira que todos com quem contacte sintam o bonus odor Christi, o bom odor de Cristo, deve actuar de forma que, através das acções do discípulo, se possa descobrir o rosto do Mestre. (Cristo que passa, 105)

Temas para meditar 91

Hedonismo

Quatro séculos antes de Cristo, já Aristipo de Cirene elaborava o primeiro esboço de moral hedonista, que é, afinal, o avesso da verdadeira moral. Para Aristipo, o bem supremo é o prazer. É ele, portanto, a regra única e inapelável da acção. Como nos simples animais, afinal, que não conhecem princípios superiores, visto não possuírem o espírito. Mas, porque o possuí, deve o homem dominar e dirigir, para o seu fim último, não só tudo quanto é inferior a ele, mas também quanto é inferior nele. De resto, mesmo no animal, nunca o prazer tem o carácter de fim. Ora, no hedonismo, seja qual for a forma que ele assuma na história, o prazer é, não só o fim, mas o fim supremo do homem. Como todos os hedonistas, porém, esquece Aristipo que também o prazer, como meio que é, ordenado a fins superiores, deve ser moralizado. 


(A. Veloso, BROTÉRIA, Vol. LXX, nr. 6, nr. 666)

Tratado dos vícios e pecados 75

 Questão 85: Dos efeitos do pecado e, primeiro, da corrupção do bem da natureza.

Art. 6 — Se a morte e as demais misérias do corpo são naturais ao homem.

(IIª-IIªª, q. 164, a. 1, ad 1; II Sent., dist. XXX, q. 1, a. 1; III. Dist. XVI q. 1. a. 1; IV, dist. XXXVI, a. 1, ad 2; IV Cont. Gent., cap. LII; De Malo, q. 5. a. 5; Ad Rom., cap. V, lect III; Ad Hebr., cap. IX, lect. V).

O sexto discute-se assim. — Parece que a morte e as demais misérias do corpo são naturais ao homem.

1. — Pois, o corruptível difere genericamente do incorruptível, como diz Aristóteles. Ora, o homem é do mesmo género que os brutos, que são naturalmente corruptíveis. Logo, também ele é naturalmente corruptível.

2. Demais. — Tudo o que é composto de princípios contrários é corruptível, quase tendo em si mesmo a causa da corrupção própria. Ora, tal é o corpo humano. Logo ele é naturalmente corruptível.

3. Demais. — O quente naturalmente consome o húmido. Ora, a vida humana conserva-se pelo calor e pela humidade. E como as operações vitais se exercem pelo acto do calor natural, como diz Aristóteles, resulta que a morte e as demais misérias do corpo são naturais ao homem.

Mas, em contrário. — 1. Tudo o natural ao homem foi Deus quem o fez. Ora, Deus não fez a morte, como diz a Escritura (Sb 1, 13). Logo, ela não é natural ao homem.

2. Demais. — O conforme à natureza não pode ser considerado pena nem mal, a todo ser é conveniente o que lhe é natural. Ora, a morte e as demais misérias do corpo são a pena do pecado original, como já se disse (a. 5). Logo, não são naturais ao homem.

3. Demais. — A matéria proporciona-se à forma, e todas as coisas, ao seu fim. Ora, o fim do homem é a bem-aventurança perpétua, como já se disse (q. 2, 7; q. 5, a. 3-4). E também a forma do corpo humano é a alma racional, que é incorruptível, como já se demonstrou na Primeira Parte (q. 75, 6). Logo, o corpo humano é naturalmente incorruptível.

Podemos considerar um ser corruptível de dois modos: relativamente à natureza universal, e à particular. — A natureza particular é a virtude activa e conservativa própria do ser. E sendo assim, toda corrupção e deficiência é contra a natureza, como diz Aristóteles; pois, a virtude referida busca a existência e a conservação do ser a que pertence.

Por outro lado, a natureza universal é a virtude activa existente num princípio universal da natureza, p. ex., em algum dos corpos celestes ou em alguma substância superior, o que leva alguns a darem a Deus a denominação de natureza naturante. E essa virtude busca o bem e a conservação do universo, exigindo esta última que se alternem a geração e a corrupção das coisas. E sendo assim, as corrupções e as deficiências dos seres são naturais; não certamente pela inclinação da forma, princípio da existência e da perfeição; mas pela da matéria, atribuída proporcionalmente a uma determinada forma, conforme a distribuição do agente universal. E embora toda forma tenda a perdurar no ser, o quanto possível perpetuamente, contudo nenhuma forma de ser corruptível pode conseguir a perpetuidade de existência. Excepto a alma racional, por não estar, como as outras formas, sujeita de modo nenhum à matéria corpórea; antes, é dotada da sua actividade imaterial própria, como já demonstramos na Primeira Parte (q. 75, a. 2). Donde, quanto à sua forma, é natural ao homem, mais que aos outros seres corruptíveis, a incorrupção. Mas como essa forma está ligada à matéria, composta de princípios contrários, da inclinação da matéria resulta a corruptibilidade do todo. E a esta luz, o homem é naturalmente corruptível, segundo a natureza da matéria, abandonada a si mesma, e não segundo a natureza da forma.

Ora, as três primeiras objecções fundam-se na matéria; e as outras três, na forma. Por onde, para solvê-las, devemos considerar que a forma do homem, a alma racional, é, pela sua incorruptibilidade, proporcionada ao seu fim, que é a felicidade perpétua. O corpo humano porém, corruptível, considerado na sua natureza, é de certo modo proporcionado à sua forma, e naturalmente, outro, não. Pois, podemos levar em conta, em qualquer matéria, uma dupla condição: escolhida pelo agente, e a não escolhida, por se fundar na condição natural da matéria. Assim, o ferreiro, para fazer uma faca, escolhe matéria dura e dúctil, capaz de adelgaçar-se e tornar-se apta à incisão. E nessas condições o ferro é matéria proporcionada à faca. Mas, pela sua natural disposição, o ferro é frágil e contrai a ferrugem; e essa disposição não a escolhe o artífice, antes a repudiaria, se pudesse. Donde, tal disposição da matéria não é proporcionada à intenção do artífice nem ao fim da arte. Semelhantemente, o corpo humano é pela sua compleição equilibrada, a matéria escolhida pela natureza para órgão convenientíssimo ao tacto e às outras potências sensitivas e motoras. Mas é corruptível, por causa da condição da matéria. E essa corruptibilidade a natureza não a escolheu; antes, se pudesse, escolheria matéria incorruptível. Deus porém, a quem está sujeita toda a natureza, supriu, na instituição do homem, essa deficiência da natureza, dando ao corpo uma certa incorruptibilidade, pelo dom da justiça original, como dissemos na Primeira Parte (q. 97, a. 1). E por isso se diz que Deus não fez a morte, e que a morte é a pena do pecado.

Donde é clara a RESPOSTA ÀS OBJECÇÕES.
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Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho do dia, comentário e Leitura espiritual (Humildade)

Tempo de Páscoa

II Semana 


Vd santos do dia (nesta página)

Evangelho: Jo 3, 16-21

16 «Porque Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu Seu Filho Unigénito, para que todo aquele que crê n'Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. 17 Porque Deus não enviou Seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18 Quem n'Ele acredita, não é condenado, mas quem não acredita, já está condenado, porque não acredita no nome do Filho Unigénito de Deus. 19 A condenação é por isto: A luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. 20 Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de que não sejam reprovadas as suas obras; 21 mas aquele que procede segundo a verdade, chega-se para a luz, a fim de que seja manifesto que as suas obras são feitas segundo Deus».

Comentário:

Deve ser tão triste viver sem luz!

E perigoso!

Triste porque, sem luz não vemos por onde vamos e não podemos ser vistos. Ficamos assim, erráticos e sozinhos.

Perigoso, porque muito dificilmente evitaremos obstáculos perigosos ou precipícios mortais.

Sem luz ficamos nas trevas e, nas trevas não há vida!

(ama, comentário sobre Jo 3, 16-21, 2012.03.18)

Leitura espiritual




Temas para leitura espiritual




Humildade

A humildade mantém a direção da intencionalidade pessoal de fundo para o valor e para o amor, sem o qual até o que aparentemente é virtude pode não o ser na realidade.

1. A humildade como virtude moral

As virtudes morais são hábitos que gravam firmemente, na pessoa que as possui, os critérios reguladores das tendências humanas, de modo que os impulsos e os atos que procedem delas, nem excedam nem fiquem abaixo da medida requerida para o bem próprio e o bem dos outros. Como a sobriedade regula a tendência para a alimentação, e a castidade modera a tendência sexual, a humildade regula duas importantes tendências do indivíduo: a necessidade de reconhecimento e de estima dos outros, e o sentimento do próprio valor (autoestima) 1. São duas tendências que fazem parte da condição humana: existem em todo o ser humano, e não se podem nem devem suprimir-se, como também não é possível eliminar a alimentação e a tendência sexual. A sua real educação é extremamente importante para preservar o equilíbrio e o crescimento moral pessoal e, indiretamente, a boa ordem das relações interpessoais, pois as injustiças, a violência, os fracassos matrimoniais e os conflitos no campo profissional, para citar só alguns exemplos, são frequentemente consequência do orgulho, da suscetibilidade, ou do rancor. Também nas relações do homem com Deus a humildade desempenha um papel importante: a vida espiritual pressupõe uma ideia adequada da posição que o homem tem perante Deus.

A humildade tem sido muitas vezes mal interpretada e até considerada uma qualidade negativa e desprezível, própria de moral de escravos, ou o resultado do ressentimento dos fracos. Que alguém queira fazer passar por humildade formas falsas de compensar debilidades e desequilíbrios, é de facto perfeitamente possível, como é possível que se pretendam disfarçar comportamentos viciosos sob o nome de qualquer outra virtude (a prepotência pode dissimular-se sob o aspeto da dignidade ou da justiça e a cobardia como bondade, etc.). Mas isso, nada tem a ver com la humildade que responde à inegável necessidade de regular e educar duas tendências fundamentais que tem todo o ser humano.

2. Importância e tarefas da humildade

É possível investigar, historicamente e também a partir da análise teórica, qual tem sido a situação da humildade fora do cristianismo. Na antiguidade pagã a humildade era mais vista como um vício que como uma virtude, embora haja algumas exceções. Mas deixando de lado essa questão, é preferível parar para mostrar quais são as suas raízes antropológicas, antes de ver as formas próprias da humildade como virtude cristã.

A regulação ética das duas tendências a que se refere a humildade, consiste em ajustá-las à realidade de cada pessoa, considerando-a em si mesma ou vista no seu ambiente familiar, profissional e social, mas também na sua relação com Deus. Aristóteles assim o vê quando escreve: O que merece e pretende coisas pequenas, é modesto (...). Aquele que, sendo indigno, se julga a si mesmo digno de coisas grandes, é vaidoso (...) O que se julga menos digno do que vale, é pusilânime (fraqueza de ânimo ou cobardia), quer seja muito ou regular o que mereça, ou pouco e creia que merece ainda menos 2. O importante não é aspirar a muito ou a pouco, mas em cada caso ao que é razoável segundo uma apreciação objetiva e serena da realidade, não forçada pela paixão.

A humildade é importante, não tanto por realizar positivamente alguma das dimensões do bem humano, mas porque a ela lhe corresponde proteger as realizações do conhecimento, do amor, do trabalho, etc., de deformações, que podem privá-las do seu verdadeiro valor. O orgulhoso é egocêntrico e dificilmente é capaz de amar verdadeiramente; vê o trabalho profissional apenas como uma forma de autoafirmação, e não como uma modalidade de auto-transcendência que enriquece o mundo e contribui para o bem dos outros

É natural no homem a capacidade de olhar para si mesmo, como se olha para alguém que é portador de um valor. Do ponto de vista evolutivo, a percepção do próprio valor passa através do julgamento que merecemos ante os nossos semelhantes (pais, amigos, etc.). O ser humanos precisa de um certo reconhecimento alheio, e isso reflete a tendência que chamamos necessidade de autoestima. Com o desenvolvimento psicológico e moral, a pessoa, mesmo sem poder, nem dever, ser completamente indiferente às reações que o nosso ser ou o nosso comportamento causam nos outros, adquire uma maturidade de avaliação suficiente para formar uma imagem realista de si mesma e do próprio valor (autoestima), conhecendo as qualidades positivas e negativas, o que se é, e o que se pode chegar a ser. Na medida em que o sentimento do próprio valor depende de um juízo próprio, objetivo e realista, a pessoa pode representar adequadamente as suas relações com os outros (dependência - independência, liberdade - autoridade, etc.).

A deterioração da razoável direção (da humildade) pode afectar as duas tendências mencionadas: a necessidade de estima, quando a pessoa não adquire um distanciamento suficientemente equilibrado do julgamento dos outros; a autoestima quando, mesmo dispondo de suficiente autonomia de julgamento, este baseia-se sobre uma percepção pouco realista do próprio valor, seja por excesso, seja por defeito.

A dependência excessiva do julgamento dos outros dá origem a fenómenos como a ânsia de notoriedade, vaidade, teimosia e rigidez, isolamento, simulação de doença, etc. Todos eles implicam sofrimento para quem o padece, e muitas vezes, também para os outros. O desejo de notoriedade é típico de uma personalidade frágil e imatura que precisa de sentir-se, constantemente, aprovada e elogiada por aqueles que estão à sua volta. Busca satisfazer essa necessidade por todos os meios ao seu alcance: usa os seus bens, e instrumentaliza o seu saber e o seu trabalho, para conseguir o prestígio e a estima pública; ou quer dar que falar, mediante condutas chamativas ou mesmo absurdas; ou busca a aprovação do grupo, aceitando as ideias e os costumes dominantes, embora contrários às suas próprias convicções profundas. Outras vezes opta pela vaidade, ou seja, aparenta o que não é, adotando com esse objetivo comportamentos falsos ou pouco autênticos. Quando tem de trabalhar sob a autoridade de outros, ou em estreita colaboração com eles, chama a atenção sobre si mesmo mediante a teimosia, a intransigência ou a rigidez. Em casos extremos, busca a atenção ou o afeto dos outros, simulando uma doença e estando conscientes da astúcia, ou perdendo até essa consciência (fenómenos do tipo histérico). Quem sofre estas deformações acaba por arruinar as suas relações sociais e a sua sensibilidade ante os valores objetivos. A pessoa está sempre ocupada consigo mesma, porque o seu desordenado desejo de estima é insaciável. No outro extremo, tão pouco seria justo que uma pessoa não fosse suficientemente sensível ante as reações que produz nos outros, o que levaria a contínuas faltas de atenção, de respeito ou de educação.

O segundo problema ocorre quando o sentimento de autoestima depende de uma avaliação autónoma, mas não suficientemente realista. Surgem então os sentimentos, bastante irracionais de inferioridade e insegurança num extremo, ou no outro extremo de orgulho e autossuficiência. A personalidade do orgulhoso é diversa da condicionada pelo afã de notoriedade. Por detrás deste último fenómeno, apesar das aparências, esconde-se uma personalidade frágil e pobre, que frequentemente se tortura com comparações e invejas. O orgulhoso tem por sua vez uma personalidade dura, geradora de conflitos, com frequência agressiva ou violenta: julga tudo e todos (espírito crítico); pensa que tem sempre razão; sente-se superior a tudo e a todos; talvez recompense quem se lhe submete, mas dificilmente ama e se entrega a alguém; e apesar de temido dificilmente pode ser amado. Apenas se admira e respeita a si mesmo: tende para o narcisismo. O orgulhoso é muitas vezes susceptível ou arrogante. Tem conflitos com os outros e com a própria realidade, porque o seu nível de aspirações é superior às suas verdadeiras capacidades. Às vezes, as suas capacidades são realmente elevadas, mas falta-lhe a sabedoria para governar e evitar o que lhe vai subindo à cabeça.

Esta breve descrição mostra a importância da humildade para o equilíbrio e desenvolvimento pessoal, e também a sua dificuldade. A humildade mantém a direção da intencionalidade pessoal de fundo para o valor e para o amor, sem o qual até o que aparentemente é virtude pode não o ser na realidade. A dificuldade da humildade está em que as tendências que regula não se podem suprimir nem dominar com a vontade. Devem ser educadas, ou seja, ajustadas à realidade e abertas à participação, ao serviço e ao amor. Não é possível deixar, completamente, de se olhar a si mesmo, mas pode aprender-se a fazê-lo com uma mistura de realismo e sentido de humor, sobretudo sem que se oculte a percepção do que está fora e do que está por cima de nós, pois nessa dimensão adquire sentido tanto o que somos como o que não somos.

3. A virtude cristã da humildade

Não é possível deter-se no estudo dos muitos aspetos em que a humildade aparece no Antigo Testamento. A ideia predominante está ligada à profissão da fé em Deus, que nas suas intervenções na história dos homens abate os soberbos, enquanto escolhe e resgata os humildes e os que foram humilhados. É a ideia que reaparece no cântico de la Mãe de Jesus: o Senhor olhou para sua pobre serva, manifestou o poder do seu braço, desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes 3, assim como na Primeira Carta de S. Pedro e na de S. Tiago 4. Mas a razão de fundo dos ensinamentos do Novo Testamento sobre a humildade está em que Jesus Cristo andou pelos caminhos da humildade; que Ele mesmo Se propõe como exemplo quando diz: recebei a minha doutrina, porque Eu sou manso e humilde de coração 5, e que S. Pablo ilustra no hino de la Carta aos Filipenses 6. Esta dinâmica de humilhação e exaltação inspira os ensinamentos do Senhor quando convida a não escolher para si os primeiros lugares 7, na parábola do fariseu e do publicano 8, na exortação para sermos como meninos9, em diversos discursos polémicos contra os chefes do povo 10, e na recomendação de servir aos demais e não se deixar servir por eles 11.

O critério, segundo o qual a virtude cristã da humildade regula as tendências humanas de que vimos falando, continua a ser o da verdade. A humildade não tolera a falsidade acerca das próprias qualidades positivas ou negativas. Mas à luz dos ensinamentos do Senhor é possível compreender com maior exactidão qual é a nossa verdadeira posição ante Deus e ante os demais. O cristão está bem consciente de que tudo recebeu gratuitamente de Deus, tanto o ser e a vida, como a justiça e a graça. Com a sua doutrina acerca da justificação, S. Paulo põe em evidência que, vendo as coisas em toda a sua profundidade, não existe em nós nenhuma verdadeira justiça, senão aquela pela qual Deus mesmo nos faz justos por meio de Jesus Cristo. Nada temos que não tenhamos recebido 12. Somente nos podemos gloriar da Cruz de Cristo 13. Quaisquer que sejam as nossas obras, corresponde-nos assumir diante de Deus uma atitude, de profunda adoração e de amorosa gratidão, porque só em virtude da sua gratuita ação salvífica em Cristo podemos ser por Ele aceites. Qualquer atitude presumida e de autossuficiência nos privaria da sua graça e deixar-nos-ia encerrados na nossa pobre miséria. A humildade vem a ser assim a outra face do amor de Deus, a da caridade. O orgulhoso nem ama a Deus, nem consegue receber o amor que Deus lhe dá. Deo omnis gloria: para Deus toda a glória; isso significa que nada temos de bom que não venha de Deus, Verdade e Amor subsistente.

A humildade ensinada pelo Senhor é também o outro lado da caridade para com o próximo. Quem está consciente de ser nada diante da majestade de Deus, evita o orgulho e o desprezo dos outros, sabe compreender os outros, incluindo os seus erros. Somente alguém que pensa que nunca se equivocou, se horroriza com os erros dos outros (se os outros fossem como eu, as coisas não iriam tão mal). A humildade é em todo o caso verdade, verdadeiro conhecimento de si mesmo, e por isso não impede reconhecer as boas qualidades que se possuem, mas leva a não esquecer que foram recebidas de Deus como dons para pôr generosamente ao serviço dos outros. O Senhor condena a falsa humildade de quem esconde o talento recebido 14, que se devia ter feito frutificar ao serviço de Deus e dos demais. Essa fecundidade chega através da direção espiritual, onde o Espirito Santo modela a alma: sicut lutum in manus figuli 15 (como o barro nas mãos do oleiro). Os ensinamentos de S. Paulo acerca dos fortes e dos débeis na fé e na ciência 16 mostram, eloquentemente, que as próprias qualidades e até o bem precioso da legítima liberdade cristã, não se hão-de ver como barreira que nos protege das exigências dos demais, mas como um recurso que se põe gostosamente ao seu serviço. Cristo carregou sobre si o peso dos nossos pecados, entregando a sua vida por nós, e também assim nos deu o exemplo da humildade de coração.

Em termos práticos a humildade tem múltiplas manifestações, que não é possível tratar aqui em detalhe. Sobre elas escreveram coisas de grande valor os Padres da Igreja, os Santos e os que se têm ocupado ao longo da história da teologia espiritual. Para concluir estas reflexões, limitar-nos-emos a reproduzir uma página de S. Josemaria Escrivá, cuja eloquência torna inútil quaisquer comentário. Deixa-me que te recorde, entre outros, alguns sinais evidentes de falta de humildade:

- pensar que o que fazes ou dizes está mais bem feito ou mais bem dito do que o que os outros fazem ou dizem;
- querer levar sempre a tua avante;
- discutir sem razão ou, quando a tens, insistir com teimosia e de maus modos;
- dar a tua opinião sem ta pedirem ou sem a caridade o exigir;
- desprezar o ponto de vista dos outros;
- não encarar todos os teus dons e qualidades como emprestados;
- não reconhecer que és indigno de toda a honra e estima, inclusive da terra que pisas e das coisas que possuis;
- citar-te a ti mesmo como exemplo nas conversas;
- falar mal de ti mesmo, para fazerem bom juízo de ti ou te contradizerem;
- desculpar-te quando te repreendem;
- ocultar ao Director algumas faltas humilhantes, para que não perca o conceito que faz de ti;
- ouvir com complacência quem te louva, ou alegrar-te por terem falado bem de ti;
- doer-te que outros sejam mais estimados do que tu;
- negar-te a desempenhar ofícios inferiores;
- procurar ou desejar singularizar-te;
 - insinuar na conversa palavras de louvor próprio, ou que dão a entender a tua honradez, o teu engenho ou destreza, o teu prestígio profissional...;
 - envergonhar-te por careceres de certos bens... 17.

a. rodríguez luño
2012/03/16