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05/11/2011

É o sacramento da penitência necessário para a salvação?

Jesus e Zaqueu,
mosaico na Basílica de São Marcos, Veneza

Parece que este sacramento não é necessário para a salvação:

1. Com efeito, sobre estas palavras do salmista: “Quem semeou nas lágrimas etc.” (Sl 125, 5), comenta a Glosa: “Não fiques triste, se tens boa vontade, porque então se colhe a paz”. Ora, a tristeza pertence à natureza da penitência, conforme o dito de Paulo: “Pois a tristeza segundo Deus produz um arrependimento que conduz à salvação”. Logo, a boa vontade, sem a penitência, é suficiente para a salvação.

2. Além disso, lê-se no livro dos Provérbios: “O amor encobre todas as faltas” (10, 12) e mais abaixo: “A misericórdia e a fé apagam os pecados” (15, 27). Ora, este sacramento só existe para apagar os pecados. Logo, tendo caridade, fé e misericórdia, qualquer um pode alcançar a salvação, mesmo sem o sacramento da Penitência.

3. Ademais, os sacramentos da Igreja foram instituídos por Cristo. Ora, lê-se que Cristo perdoou a mulher adúltera sem penitência. Logo, parece que a penitência não é necessária para a salvação.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Senhor diz: “Se vós não fizerdes penitência, vós todos perecereis igualmente” (Lc 13, 5).
Algo é necessário para a salvação de duas maneiras: de maneira absoluta e de maneira condicional. É absolutamente necessário para a salvação aquilo sem o que ninguém pode alcançar a salvação, como a graça de Cristo, o sacramento do Baptismo, pelo qual se renasce em Cristo. O sacramento da Penitência é necessário sob condição, já que não é necessário para todos, mas somente para os que estão sob o jugo do pecado. Pois, lê-se no livro dos Paralipómenos: “Tu, Senhor, Deus dos justos, tu não instituíste a penitência para os justos Abraão, Isaac e Jacob, para estes que não te ofenderam”.
Mas “o pecado, tendo sido consumado, gera a morte”, diz a Carta de Tiago. Por isso, é necessário para a salvação do pecador que ele seja libertado do pecado. Isto não pode ser feito sem o sacramento da penitência, no qual actua o poder da paixão de Cristo por meio da absolvição do sacerdote juntamente com o ato do penitente, que coopera com a graça para a destruição do pecado, como, aliás, ensina Agostinho: “Quem te criou sem ti, não te justificará sem ti”. Daí se segue com evidência que o sacramento da penitência é necessário para a salvação depois do pecado, assim como o remédio corporal para o homem que caiu em uma doença grave.
Quanto às objecções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Esta glosa deve ser entendida daqueles que têm boa vontade não interrompida pelo pecado. Com efeito, estes não têm motivo de tristeza. Mas, caso a boa vontade seja suprimida pelo pecado, ela não pode ser restituída sem tristeza, pela qual alguém se dói do pecado passado. Isso faz parte da penitência.
2. Desde que alguém incorra em pecado, a caridade, a fé e a misericórdia não o livram do pecado sem a penitência. Com efeito, requer a caridade que o homem sinta a dor de ter ofendido a um amigo e que se empenhe em reconciliar-se com ele. Requer também a própria fé que ele, pelo poder da paixão de Cristo, que actua nos sacramentos da Igreja, procure justificar-se dos pecados. Requer também a misericórdia que o homem, fazendo penitência, remedeie a miséria, em que caiu pelo pecado, conforme o dito dos Provérbios: “O pecado é a vergonha das nações” (14, 34). Por isso, consta no livro do Eclesiástico: “Tem compaixão de tua alma agradando a Deus” (30, 34).
3. Pertenceu ao poder superior, que só Cristo teve, como se disse acima (q.64 a>4), conceder o efeito do sacramento da penitência, que é a remissão dos pecados, à mulher adúltera sem o sacramento da penitência, ainda que não sem a penitência interior, que ele operou nela pela graça.

Suma Teológica III, q.84, a.5

Pensamentos inspirados à procura de Deus

À procura de Deus


Façamos do nosso trabalho,

uma oração!









jma

Coisas pequenas

Reflectindo
As causas que levam a não progredir na vida interior e portanto, a retroceder e a dar guarida ao desalento, podem ser muito diversas, mas em muitas ocasiões reduzem-se a poucas: o descuido, o desleixo nas coisas pequenas que dizem respeito ao serviço e amizade com Deus, e o retroceder ante os sacrifícios que nos pede.


(r. garrigou-lagrange, Las tres edades de la vida interior, Palabra, 4ª ed., Madrid, 1982, vol. I, nr. 531 ss. trad ama)

Evangelho do dia e comentário













T. Comum– XXXI Semana




Evangelho: Lc 16, 9-15

9 «Portanto, Eu vos digo: Fazei amigos com as riquezas da iniquidade, para que, quando vierdes a precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos. 10 Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito. 11 Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas iníquas, quem vos confiará as verdadeiras?  12 E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? 13 Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou odiará um e amará o outro, ou se afeiçoará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro». 14 Ora os fariseus, que eram amigos do dinheiro, ouviam todas estas coisas e troçavam d'Ele. 15 Jesus disse-lhes: «Vós sois aqueles que pretendeis passar por justos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações; o que é excelente segundo os homens é abominação diante de Deus.

Comentário:

Sempre o ''pauca fidelis”!
Repetidamente, o Senhor, vai chamando a atenção para essa grande virtude que é a Fidelidade.
Tudo depende dela, sem a fidelidade o homem fica despido de uma peça importantíssima do seu 'arsenal' de virtudes.
Quem põe a sua confiança, quem gosta da convivência, quem presta atenção a alguém que não é fiel?
E, atenção, ser fiel não é, por exemplo, apropriar-se de algo que nos foi confiado e não nos pertence. Tal não é uma virtude mas um dever.
Isto porque se ouve amiúde dizer: “Fulano é muito honesto”!
A honestidade – como a fidelidade – não tem medida:
Ou se é honesto – sempre - ou, então, não se é honesto de todo.
Ou se é fiel no muito importante como no de escassa importância ou, então, não se é fiel de todo.
(ama, comentário sobre Lc 16, 9-15, 2010.11.06)

Procuras encontrar a fé perdida?

«Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado.
Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes sectores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas.»
(bento xvi, Carta Apostólica Porta Fidei, 11-X-2011, n. 2)

A seguir recolhemos um conjunto de Testemunhos que podem ajudar a pensar sobre as palavras do Papa, para o Ano da Fé.

A fé católica pode esconder-se atrás de perguntas difíceis, como a que um dia Clara Costa disparou à catequista: «Se Deus está em todo o lado, para que serve a confissão? Não posso simplesmente voltar-me para uma parede e dizer o que tenho a dizer?» Pode também surpreender os mais incrédulos, em momentos difíceis de desorientação e dor. Ou pode revelar-se simplesmente, quando alguém olha para dentro de si e percebe ter «a felicidade» - assim o dizem - de acreditar. Não é um caminho linear. Há quem se zangue, quem se afaste, quem resista, quem a deixe adormecer ou viva muitos anos sem dar por ela. Mas, se existe, um dia a fé revela-se.

Paulo Nunes, 44 anos, é católico. Nem sempre viveu próximo da prática religiosa, apesar de, em casa, a mãe e a irmã darem o exemplo.

Fez a primeira comunhão, como «uma coisa natural entre os miúdos» da sua idade, mas a adolescência desviou-o das missas. Não é fácil ser-se rapaz e destoar do grupo, preferir ir tomar a hóstia a sair com a 'malta', ou pensar em Cristo quando há tempo disponível para seduzir raparigas. «É a maturidade que nos coloca outras questões, mais existenciais», diz Paulo, apesar de considerar que, «lá no fundo», sempre foi crente. «Vejo o meu caso como o de um carro sem bateria, que para andar só precisou de um empurrãozinho.»

Na sua vida, essa 'ajuda' e a viragem deu-se na altura em que planeou casar: «Frequentava as reuniões do CPM - curso de preparação para o matrimónio - e algo me tocou. Nem sei se posso falar em chamamento... Então disse à minha namorada - católica e um membro activo na Igreja -, que ia começar a acompanhá-la.» Como tocava guitarra, foi desafiado pelo padre a ingressar no coro da paróquia, onde se mantém há 16 anos. Acabou por fazer também o crisma, integrou a equipa dos CPM e foi catequista durante uma década, tudo na igreja de Benavente, localidade onde reside.

Como católico, Paulo sente que «não chega dizer que se acredita, é preciso fazer alguma coisa pelos outros.» Porque, em sua opinião, é aí que reside a essência da sua religião. «Deus já não é castigo, nem uma entidade a quem temos de obedecer para merecer o bem. Deus é amor e quer que nós o pratiquemos também», conclui.

Este novo olhar tem reaproximado muitos católicos. O padre Filipe Martins chama-lhe «ver Deus desde dentro». Algo de que pode falar por experiência própria, recuando ao tempo em que, «por causa do trânsito», acabou por descobrir a vocação. Não é brincadeira. Engenheiro Eletrotécnico formado pelo Instituto Superior Técnico, Filipe Martins tinha de ir muito cedo para as aulas, para evitar o tráfego, já que morava fora de Lisboa e aproveitava a boleia do pai. Ficava então num café, a conversar com um colega, até ser hora de entrarem. «Entre carros e raparigas, também falávamos de Deus, que eu me interessei por conhecer melhor», recorda.

Dar catequese nos casamentos

Actualmente a concluir a sua formação, em Barcelona, este padre jesuíta de 41 anos faz o possível para quebrar «a imagem cristalizada» da Igreja, muitas vezes assente no «mau testemunho que dela é dado.» Pode não ser falsa, afirma, «mas é certamente uma imagem parcial.» «É preciso ter curiosidade e conhecer o outro lado», continua, sendo essa uma das razões porque cada vez mais tenta dar catequese nos casamentos e funerais, «aproveitando as presenças que só nestas cerimónias se conseguem.»

Dizer mal do que não se conhece é fácil, concorda Mónica Costa, 33 anos, professora de educação física numa escola em Santo António dos Cavaleiros. Ela própria era uma voz crítica em relação à religião católica: «A ignorância é atrevida e eu falava mal por desconhecimento, assim como continuo a ter amigos que me olham com estranheza e condenam a Igreja sem se darem ao trabalho de saberem do que falam. Mas eu compreendo e aceito. Não sou boa a debater, e não lhes respondo muito. Estou numa fase em que procuro ainda aprender, terei depois mais argumentos.»

O «reencontro com Cristo», como o define, aconteceu-lhe numa fase de «insatisfação pessoal que coincidiu com a crise dos 30.» Mónica aproximou-se da associação Leigos para o Desenvolvimento, numa tentativa de se reestruturar, e acabou por partir um ano em missão para São Tomé e Príncipe. A experiência mudou-lhe a vida. Ao regressar, em Agosto de 2010, fez os chamados exercícios espirituais na vida corrente, «onde é proposto» que se reze «uma hora por dia». Pareceu-lhe inatingível, mas é certo que a rotina diária de oração comunitária a que vinha habituada já deixara marcas. «Hoje entro facilmente em oração e trato Deus por tu, num discurso informal. Muitas vezes são pensamentos. Faço fases diferentes. Neste momento agradeço muito: as pessoas com quem me cruzo, certos momentos, o facto de este ano as coisas na escola estarem a correr melhor...».

A família, residente na Guarda, estranha o seu percurso. Para quem aos 15 anos deliberou não voltar a acompanhar a mãe à missa, nada fazia prever a reviravolta. «Mas não falamos muito nisso, se calhar por existir um certo medo de vir à baila a questão da vocação», admite Mónica.

A verdade é que na sua vida «tudo está em aberto.» Quer ler muito, descobrir mais sobre «o Deus justo» que lhe trouxe sentido ao dia a dia, mas, para já, vai desfrutando do melhor que a fé lhe trouxe: «Sentir-me acolhida e verdadeiramente amada; olhar para as pessoas imbuídas em Cristo e perceber a sua felicidade e ter descoberto este Deus que gosta de mim como eu sou.»

No dia em que o Cristo Rei batesse palmas

Sentado na sala contígua à capela do hospital da CUF Descobertas, em Lisboa, num grupo que reúne outros católicos «reconciliados», Rodrigo Cerqueira vai mais longe: «A fé atirou-me ao chão. Vivi coisas tão intensas que as julgo feitas à medida da minha teimosia.» Sim, porque este director de arte era alguém muito racional, a quem a dimensão religiosa nada dizia. «Costumava dizer aos meus irmãos que só me casaria no dia em que o Cristo Rei batesse palmas.» As coisas começaram a mudar em 1999 quando fez pela primeira vez o Caminho de Santiago, «por curiosidade turística, arredado das missas e sem entrar na catedral.» Ainda assim, a experiência transformou-o. Acabou por se mudar para Barcelona, onde ficou três anos, até perceber que era no seu país que a vida «fazia sentido».

No regresso voltou o apelo. Fez de novo o Caminho, já mais próximo da dimensão católica, também por influência daquela que viria a ser sua mulher. «Uma peregrinação é como uma pequena vida. Começamos inexperientes, as bolhas são a juventude e, a cada passo, vamos atingindo a maturidade. Nunca voltamos iguais», garante, antes de confirmar a velha máxima de que não há duas sem três. Mas antes da terceira ida a Santiago de Compostela confessou-se, «pela primeira vez em décadas», e, à chegada ao destino, ajoelhou-se frente à catedral e pediu a namorada em casamento.

Perdeu-se o homem racional e frio. «Percebi que nem tudo se encaixa em métodos ou explicações lógicas. E, sobretudo, depois dessas viagens percebi que tinha chegado a hora de começar a dar de volta o muito que tinha recebido«, conta. Então Rodrigo fundou a Associação de Amigos dos Caminhos de Fátima, passando a organizar peregrinações, abertas a toda a gente e de todas as idades.

Católica praticante "por obrigação"

Há mais histórias para partilhar. Actualmente com 17 anos, Clara Costa sempre acreditou em Deus «como alguém perfeito, que nos ajuda», mas tinha dificuldade em aceitar o ideal católico. «Para mim a Igreja era apenas uma coisa desactualizada, o que afasta os jovens e só chega para manter os mais velhos porque eles não têm mais nada para fazer.» Clara foi educada na fé cristã, frequentou a catequese e os escuteiros, andou numa escola onde ir à missa era obrigatório, mas fez tudo um bocado «por obrigação».

Curiosamente, tendo Deus à sua «disposição» desde sempre, só o encontrou verdadeiramente quando a sua vida dele parecia afastar-se. «Os meus pais separaram-se e eu deixei Évora para vir para Lisboa com a minha mãe. Foi uma fase difícil, sentia-me sozinha, mas acho que a minha salvação foi ter passado a estudar numa escola pública.» Da redoma protegida, de uma escola onde «tudo eram valores e moral», aos 12 ou 13 anos caiu «na vida real», diz a estudante, onde até droga passava à sua frente. O choque foi violento, mas fê-la perceber que algo lhe faltava. No último ano, um colega desafiou-a a fazer o crisma. Pensou: «Ok, vou fazê-lo. Nem pela minha mãe, nem por ninguém. Vou fazê-lo por Deus, e depois logo se vê...»

A surpresa foi que «a sensação de vazio foi-se preenchendo.» Mesmo a tal pergunta difícil sobre a confissão encontrou resposta. Confessamo-nos a um padre, explicaram-lhe, para reconhecer a nossa humildade. O princípio fez-lhe sentido. Compreendeu o valor da fé em comunidade, questão a que se referiu o Papa, em Agosto, no encerramento das Jornadas Mundiais da Juventude, em Madrid. Ceder à tentação de «viver a fé segundo a mentalidade individualista que predomina na sociedade» acarreta o «risco de não encontrar Jesus Cristo ou de acabar seguindo uma imagem falsa dele», disse Bento XVI. O mesmo expressa Clara: «Não posso achar que Deus é meu ou está no meu quarto, nos meus livros, e pronto. Participar na vida da Igreja faz-me sentir mais completa.»

Para este caminho, reconhece Clara Costa, muito contribuiu também o padre José Cruz, o capelão do hospital CUF Descobertas, também presente na sala, o mesmo que devolveu a fé a Margarida Franca Ribeiro num dos piores momentos da sua vida.

«Tinha o meu marido internado, num doloroso processo oncológico, e um dia ele veio ter comigo. A chorar perguntei-lhe: 'Como é que o senhor me apareceu?' O padre José respondeu-me que 'Jesus está sempre presente', e esse foi o início de um caminho que ainda estou a aprofundar», partilha a professora do primeiro ciclo.

«Conheci-a na revolta», confirma o padre José Cruz, para quem o sentimento é familiar: «Em criança, por influência da minha avó paterna, todos os dias ia à missa. A minha mãe até ralhava por ir ao terço à chuva. Mas zanguei-me com Deus de tal forma, quando a minha avó morreu, que deixei de entrar na igreja.» José Cruz fala do «feliz tempo da rebelião», também necessário, e que no seu caso durou até ao dia em que se cruzou com o padre Veríssimo Teles. «Quando visitou a minha paróquia fui-me confessar. Tinha 14 anos e ele foi o primeiro padre que me acolheu e ouviu tudo o que eu era, sem me criticar. Foi decisivo para o caminho que tomei», conta.

A revolta de Margarida também foi apaziguada. «Aos poucos, veio a capacidade para dar mais valor ao que tenho e para perceber a importância de me agarrar ao que de bom tinha vivido com o meu marido», diz. Se antes ia às missas por hábito, passou a frequentá-las pela «força» que isso lhe dá. A fé é hoje «uma coisa completamente diferente», que lhe trouxe paz. O padre José Cruz tornou-se um amigo, que fez o funeral do marido, mas, depois disso, também o baptizado do neto. A vida continua. Ainda chora, muitas vezes, mas agora reza todas as noites. E isso ajuda.

Não é uma questão de tudo aceitar, sem dúvidas. Miguel Gama, professor do ensino superior, assume que continua a questionar-se e a questionar a própria Igreja. «Faz parte da minha ideia do que é ser católico», afirma, para explicar que a sua aproximação à fé foi um tanto intermitente. As idas à missa em criança não o marcaram. «O meu foi um caminho pessoal», diz.

Em adulto um período de doença da mãe fê-lo ficar mais próximo, para depois se afastar e regressar apenas, «há cerca de quatro anos», na sequência de uma altura pessoal mais complicada. Mas «o apelo à oração vem desde sempre», quando nem orar sabia, porque nunca o tinham ensinado. «A fé contribuiu para me fazer crescer», disso não duvida. Hoje canta num coro, tornou-se ministro da comunhão e é voluntário no Hospital dos Capuchos, em Lisboa. «É preciso ler a Igreja sob o prisma do amor. Tudo ganhou um sentido mais profundo», garante.

Sentada a seu lado, Ana Pinto - que se afastou da fé católica não por revolta contra Deus, mas por a certa altura «sentir que havia um desajuste entre o que acreditava e o que fazia», fazendo-a gostar menos de si e duvidar que Deus a pudesse aceitar - concorda: «Descobrir que Deus nos ama muda tudo.»

M. Martinez, INFORMAÇÕES MUITO BREVES (De vez em quando) 2011.11.04

Novíssimos - Juízo Particular 3

O Julgamento de Abel – talhante [i]

A alma de Abel mal tinha chegado o e o julgamento começa.

(Não se entende isto, como é possível que cada alma seja julgada imediatamente após a separação do corpo pelo mesmo Juiz?
São centenas de milhares de almas que chegam ao mesmo tempo e, no entanto, não há um micro segundo de espera e, com cada uma, os trâmites são os mesmos, sem pressas como se o Juiz não tivesse nenhuma urgência).

Mas nada disto preocupava a alma de Abel.

O que realmente a tinha apreensiva era o facto de desconhecer em absoluto tudo quanto se referia a Julgamento, Céu, Inferno... Não sabia absolutamente nada. Sim, evidentemente, tinha algumas referências, sobretudo na meninice quando a directora do lar onde Abel estava internado, ameaçava os miúdos mal comportados:

“Tornas a fazer isso e vais para o Inferno!”

Mas, é claro, como ela passava a vida a dizer aquilo a propósito de tudo e de nada e nunca nem ele nem nenhum dos outros perguntara o que era o Inferno, na sua cabeça de miúdo foi-se construindo numa ideia de que deveria ser um lugar muito aborrecido, como um quarto escuro, onde também, por vezes, os fechava umas horas, ou qualquer coisa do género. Mais tarde a palavra inferno ficaria associada às dificuldades da vida, às discussões com a sogra que, como costumava dizer “lhe fazia a vida num inferno”.
E Paraíso? Bem…quanto a paraíso não havia nenhuma referência que se lembrasse. A única ideia, de resto bem pálida e longínqua, reportava-se à data do seu casamento com a Lizete a que várias vezes repetira que se sentia no céu!
Portanto… inferno, paraíso, céu, eternidade… eram temas desconhecidos e nada familiares. Não poderia, mesmo que quisesse – e agora bem queria – tecer nenhuma conjectura sobre os temas.

O que estava ali a fazer?

Quem era aquele Juiz?

E aquele Ser espantoso que estava a seu lado ostentado um ar de familiaridade que o conhecimento íntimo dá às criaturas?

E aquela luz fantástica que poderia cegar de tão brilhante e, ao mesmo tempo, diáfana e suave que transmitia uma sensação de tranquilidade que não sabia possível?

O Juiz falou:

"Não consta nada... As folhas do "Livro" estão em branco! Como é possível?"

O "Ser" respondeu:

"Na verdade a vida do Abel não tem absolutamente nada digna de registo. Nunca fez nada de mal nem, especificamente de bom. Toda a sua vida se resumiu a deitar-se à noite, levantar-se de manhã, a passar o dia a trabalhar no talho. Sempre satisfeito com a sua vida nunca invejou ninguém ou desejou ser ou fazer outra coisa."

O Juiz interrompeu:

"Trata-se portanto de um flagrante tíbio e, os tíbios «vomito-os da minha boca».

Abel olhava para um e para outro sem entender bem o que se passava mas, não obstante, parecia-lhe que algo corria muito mal.

O Juiz falou:

"Não pode receber o prémio..."

Deixou a sentença em suspenso porque uma belíssima criatura interrompeu:

"O Abel tinha um segundo nome próprio, Maria, chamava-se Abel Maria embora a única pessoa que o chamava assim fosse a sua Avó. Este meu filho tinha o meu nome."

O Juiz disse então:

"Como em Caná da Galileia fiz o que me pediu, faça-se agora como a Minha Mãe desejar".


[i] Levanta-se a questão da vida para além da morte. É uma das grandes interrogações que alguma vez durante a sua vida o homem se coloca.
É natural porque o ser humano é dotado de espírito, alma, que tem preocupações mais para além do imediatamente sensível.
Para os cristãos a segurança da Fé fá-los compreender que está destinado à eternidade, ou seja, embora o corpo pereça e acabe a vida terrena, a sua alma não morrerá jamais e, naturalmente, tende a voltar para o seu Criador, Deus.
Sim... a lógica propõe o que a fé garante, porque não se concebe o Criador abandonar a criatura a um desaparecimento puro e simples.
O restante do problema é o que se refere ao "destino" da alma e que é "marcado" na conclusão do juízo a que é sujeita pelo próprio Criador, logo que, após a separação do corpo, se apresenta perante Si.
No imaginário livro da vida, ao contrário do que que é mais comum, não existem colunas de "deve" e "haver" onde é feita uma espécie de contabilidade, não! O que existe é uma lista completa dos bens recebidos em vida, os dons, graças, auxílios, inspirações e meios com que o Senhor foi dotando cada um de forma especial e única.
Cada ser humano recebe um "pacote" específico, para si em exclusivo.
Deus Nosso Senhor não dispensa os Seus benefícios adrede ou de uma forma sistemática ou mecânica. Cada ser humano é objecto de atenção exclusiva e única por parte do Criador que lhe concede os Seus dons e benefícios conforme a Sua Soberana Vontade determina.
Esta misteriosa magnitude de Deus tem uma razão de ser.
O homem não é capaz por si mesmo de evoluir, de melhorar sem que um estímulo o leve a tal.
Este estímulo surge exactamente no estreitamento das suas relações com Deus.
Quanto mais se relaciona mais recebe e, quanto mais se recebe mais se deseja intimar com Deus.
Por isso no Evangelho consta «àquele que tem, lhe será dado; e ao que não tem, ainda aquilo mesmo que julga ter, lhe será tirado» Lc 8, 16-18.

Para chegar a Deus, o caminho seguro, é Maria Sua e nossa Mãe! 

Sancta Maria iter para tutum! (Santa Maria, prepara-me um caminho seguro)