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16/06/2010

SINAIS DOS TEMPOS

 Conferência do Cardeal-Patriarca de Lisboa nas Jornadas Pastorais da CEP

«Sinais dos tempos» hoje, na sociedade e na Igreja em Portugal

Este é um ponto prévio para uma leitura actual dos “sinais dos tempos”: olhar o mundo com amor e com esperança. Podemos cair, facilmente de mais, na atitude de condenação da sociedade actual. Mas é possível amar o mundo sem concordar com o mundo. O anúncio cristão pode, por vezes, ser uma denúncia, embora deva ser, sobretudo, anúncio. Mas se começa pela denúncia, corre o risco de nunca ser anúncio.
Não se trata de um confronto ético entre um sistema laico e um sistema religioso, mas de uma questão de sentido, à qual se entrega a própria liberdade.[1] 

“Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos, exige uma viagem ao centro de si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade, inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio” [2].

Frente à actual realidade da sociedade portuguesa, ouso ter um pressentimento: é preciso encontrar formas novas de intervenção da Igreja na sociedade. A Igreja faz parte integrante do todo da sociedade e dada a qualidade da sua mensagem e o número dos seus membros, não pode deixar de procurar formas sempre novas para contribuir para o bem da comunidade humana em que está integrada.
Estamos a cair na situação anacrónica que qualquer intervenção da Igreja, de modo particular da hierarquia, em dimensões fundamentais como o são uma sã antropologia ou a defesa de valores éticos é facilmente julgada como intervenção na esfera do estritamente político, esquecendo que o domínio político é todo o interesse pelo bem da “polis”. É preciso valorizar a Igreja como o conjunto dos fiéis, a comunidade crente, e não a identificar só com a hierarquia. Esta, por decisão própria e em defesa do carácter específico do seu ministério, abstém-se habitualmente de se imiscuir no âmbito do estritamente político. Mas os cristãos leigos não são a isso obrigados e devem ser porta-vozes, no seio da sociedade, dos autênticos valores cristãos. Aliás, pressinto que virá dos leigos a energia para esta renovação da intervenção da Igreja na sociedade. O Santo Padre, dirigindo-se aos Bispos, sublinha a importância decisiva de um “laicado maduro”: “Os tempos que vivemos exigem um novo vigor missionário dos cristãos chamados a formar um laicado maduro, identificado com a Igreja, solidário com a complexa transformação do mundo. Há necessidade de verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, sobretudo nos meios humanos, onde o silêncio da fé é mais amplo e profundo: políticos, intelectuais, profissionais da comunicação que professam e promovem uma proposta mono-cultural com menosprezo pela dimensão religiosa e contemplativa da vida. Em tais âmbitos, não faltam crentes envergonhados que dão as mãos ao secularismo, construtor de barreiras à inspiração cristã”[3].

A intervenção profética da Igreja na sociedade contemporânea tem de privilegiar a proclamação de uma correcta antropologia, levando à descoberta do mistério do homem, de que decorre a defesa ética dos princípios da convivência humana, em ordem à construção duma sociedade fraterna. Este desafio antropológico esteve fortemente presente na palavra do Papa entre nós. Referindo-se à contribuição da Igreja no “ordenamento justo da sociedade”, explicita: “Situada na história, a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza a essencial consideração do sentido humano da vida”[4]. Esta sã antropologia tem de integrar a dimensão transcendente da vida humana, “integrar a fé e a racionalidade moderna numa única visão antropológica, que completa o ser humano e torna, desse modo, comunicáveis as culturas humanas”[5].

Fátima, 16 de Junho de 2010

†JOSÉ, Cardeal-Patriarca

(fonte: Ecclesia)


[1] Bento XVI em Portugal, Discurso no Aeroporto da Portela, 11 de Maio de 2010
[2] Ibidem
[3] Bento XVI, Discurso no Encontro com os Bispos de Portugal, Fátima, 13 de Maio de 2010
[4] Bento XVI em Portugal, Discurso no Aeroporto da Portela, 11 de Maio de 2010
[5] Bento XVI, diálogo com os Jornalistas durante o Voo para Portugal, 11 de Maio de 2010

Textos de Reflexão para 16 de Junho

Evangelho: Mt 6, 1-6; 16-18

1 «Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles. De contrário não tereis direito à recompensa do vosso Pai que está nos céus. 2 «Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 3 Mas, quando dás esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, 4 para que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o que fazes em segredo, te pagará. 5 «Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 6 Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, ora a teu Pai; e teu Pai, que vê o que se passa em segredo, te dará a recompensa. 16 «Quando jejuais, não vos mostreis tristes como os hipócritas que desfiguram o rosto para mostrar aos homens que jejuam. Na verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. 17 Mas tu, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto ,18 a fim de que não pareça aos homens que jejuas, mas sim a teu Pai, que está presente no oculto, e teu Pai, que vê no oculto, te dará a recompensa.

Comentário:

Quantas vezes, Senhor, eu quero ser visto e, mais, admirado, não por Ti, mas por outros, que vejam a minha piedade, o meu porte, a minha capacidade! O que me deve interessar é que Tu me vejas e, isso, tenho eu a certeza que acontece. Por isso mesmo, devo comportar-me, sempre, bem ciente dessa realidade: que Tu me vês, me escutas, me acompanhas SEMPRE, e em qualquer circunstância. Se tiver bem presente esta realidade, então não me importará nada que os outros vejam porque ficarão sabendo que apenas tento cumprir a Tua Vontade Santa, em tudo, Amém. 

(ama, meditação sobre Mt 6,1-6.16-18, 2009.06.17)

Tema: Discrição

Discrição não é mistério nem segredo. - É, simplesmente, naturalidade. 

(Leo J. Trese, A Fé Explicada, Edições Quadrante, S. Paulo, 4ª Ed., nr. 280/1)

O CAJADO DO PASTOR

USAR O CAJADO

«O vosso cajado me sossega»: o pastor precisa de usar o cajado como um bastão contra os animais selvagens que querem irromper no meio do rebanho; contra os salteadores que procuram o seu botim. A par de bastão, o cajado serve também de apoio e ajuda para atravessar sítios difíceis. As duas coisas fazem parte também do ministério da Igreja, do ministério do sacerdote. Também a Igreja deve usar o bastão do pastor, o bastão com que protege a fé contra os falsificadores, contra as orientações que, na realidade, são desorientações. Por isso mesmo este uso do bastão pode ser um serviço de amor. Hoje vemos que não se trata de amor, quando se toleram comportamentos indignos da vida sacerdotal. E também não se trata de amor, se se deixa proliferar a heresia, a deturpação e o descalabro da fé, como se tivéssemos nós autonomamente inventado a fé; como se já não fosse dom de Deus, a pedra preciosa que não deixaremos arrebatar. Ao mesmo tempo, porém, o bastão deve continuar a ser o cajado do pastor, cajado que ajude os homens a poderem caminhar por sendas difíceis e a seguirem o Senhor. 

(Bento XVI, Homilia aos Sacerdotes na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus - 11. 06. 2010) 
Cardeal-Patriarca pede nova atitude da Igreja perante a sociedade
D. José Policarpo falou aos Bispos portugueses da necessidade de uma atitude dialogante e das implicações políticas da fé

“A Igreja faz parte integrante do todo da sociedade e dada a qualidade da sua mensagem e o número dos seus membros, não pode deixar de procurar formas sempre novas para contribuir para o bem da comunidade humana em que está integrada”, afirmou.
O Patriarca de Lisboa falava nas Jornadas Pastorais da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), uma iniciativa de estudo e debate que decorre em Fátima, centradas no tema «Repensar juntos a Pastoral da Igreja em Portugal».
“O anúncio cristão pode, por vezes, ser uma denúncia, embora deva ser, sobretudo, anúncio. Mas se começa pela denúncia, corre o risco de nunca ser anúncio”, alertou.
O Cardeal-Patriarca lamentou a “situação anacrónica” de considerar “qualquer intervenção da Igreja” como uma “intervenção na esfera do estritamente político” e deixou uma confissão: “Pressinto que virá dos leigos a energia para esta renovação da intervenção da Igreja na sociedade”.
“É impressionante verificar a pouca importância que a dimensão ética tem nas escolhas políticas”, observou, antes de recordar que “o voto deveria ser sempre a escolha de uma consciência bem formada e esclarecida”.
A hierarquia, referiu o antigo presidente da CEP, "abstém-se habitualmente de se imiscuir no âmbito do estritamente político, mas os cristãos leigos não são a isso obrigados e devem ser porta-vozes, no seio da sociedade, dos autênticos valores cristãos".
D. José Policarpo lembrou várias passagens dos discursos proferidos por Bento XVI na sua viagem a Portugal, frisando que o próprio Papa afirmou a importância de uma “atitude aberta e dialogante”.
“Esta atitude dialogante da Igreja perante a sociedade real, com os seus valores e os seus desvios, não pode significar uma cedência”, apontou, ao declarar que o anúncio feito pela Igreja “não pode ser apenas denúncia negativa, mas afirmação do nosso empenho no progresso da humanidade”.
Para o Cardeal-Patriarca, “se nos limitarmos à denúncia, a nossa voz pode ser facilmente interpretada como mera tomada de posição política e ser vítima de fundamentalismos”.
“Estes, sejam de matriz religiosa ou ideológica, acabam sempre por roçar a intervenção política na defesa de posições pessoais ou grupais, isolando a verdade que defendem da verdade fundamental que é o amor salvífico de Deus”, alertou.
Citando a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” (1965), do Concílio Vaticano II, D. José Policarpo defendeu que “só amando o mundo se podem captar os sinais que a realidade emite, para que a Igreja intua caminhos concretos de missão”.
“Podemos cair, facilmente de mais, na atitude de condenação da sociedade actual, mas é possível amar o mundo sem concordar com o mundo”, assinalou, apelando a um “olhar construtivo sobre a sociedade, por parte da Igreja”.
Entre os pontos que valorizou, na sua longa intervenção, o Patriarca de Lisboa destacou a “busca de sentido” na sociedade actual, mas deixou como alerta a constatação de que “muitos já não procuram, espontaneamente, a resposta da Igreja, na sua acção institucional”.
Neste contexto, D. José Policarpo falou em particular do “universo juvenil”, convidando os presentes a “aceitar o desafio de rever profundamente a nossa pastoral juvenil”.
Após recordar os apelos do Papa para que a acção social da Igreja portuguesa fosse repensada, o Patriarca de Lisboa concluiu a sua intervenção com uma nota crítica: “Trabalhamos mais do que amamos, criamos estruturas mas quando as pessoas precisam do pastor, nós estamos ocupados”.  

(Fonte: Ecclesia)